Substitutivo do PL das Fake News coloca em xeque direitos dos usuários, avalia a Coalização Direitos na Rede

Para grupo de organizações sociais, nova versão do PL 2630 é ainda mais problemática que o original, e falha em sua proposta de prevenir a disseminação de desinformação por redes sociais e apps de mensagens.

O relatório do senador Angelo Coronel (PSD-BA) sobre o PL 2.630/20, que trata da disseminação de “fake news” em redes sociais e apps de mensagem, a ser apresentado nesta terça-feira, 2, coloca em risco direitos fundamentais dos usuários de internet no país, no entender da Coalizão Direitos na Rede (CDR).

Se antes o texto original responsabilizava apenas as plataformas, prevendo até seu banimento do Brasil, agora a mão pesa sobre os usuários. Não apenas os autores de desinformação e difamação passam a ser responsabilizados, como também usuários comuns que repassarem adiante as mensagens.

“O relatório é muito ruim pois existe uma parte de responsabilização do usuário, com seu ranqueamento e possível aplicação de sanções. E traz coisas bizarras, como exigir que as operadoras móveis façam autenticação de documento com foto de usuários de celulares pré-pagos”, ressalta Flávia Lefévre, do Coletivo Intervozes.

O autor do PL, senador Alessandro Vieira (CIDADANIA-SE), recebeu sugestões da CDR ontem e as encaminhou a Coronel. Mas este fez alterações adicionais ao que não foram debatidas com as entidades da sociedade civil. “Coronel introduziu coisas que não existiam na proposta original. Por exemplo, propõe alterar o artigo 19 do marco civil da internet, afastando completamente a inimputabilidade da rede”, avalia Lefévre.

No caso, o senador propõe que se provedor de aplicação não retirar conteúdos reclamados do ar em 48 horas poderá ser sancionado. As multas chegam a R$ 10 bilhões e à suspensão das atividades.

O texto traz ainda a possibilidade de criação de uma espécie de score digital, em que os usuários das redes sociais e dos apps de mensageria passam a ser classificados conforme o uso que fazem das plataformas. Contas de pessoas que se registraram fornecendo dados pessoais, como CPF, terão classificação diferente das não identificadas. E estas deverão ter um rito céleres de derrubada por parte do provedor da aplicação (como Twitter ou Facebook). Também prevê que as plataformas identifiquem mensagens de desinformação e as filtrem, em modelo similar ao do anti-spam.

“Isso aqui é pegar tudo o que se construiu para transformar a internet em um ambiente aberto e plural, é comprometer esses princípios, e tecnicamente de forma muito falha. E não vai resolver o problema. Se estivessem tão interessados em responsabilizar as plataformas, não faltam leis. Tem o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet, o Estatuto da Criança e do Adolescente para quando envolve esse público, a Lei Eleitoral”, lembra a advogada.

Para ela, é preciso haver mais debate e que o texto vá para as comissões. Como as comissões estão suspensas em função do estado de calamidade estabelecido em função da pandemia de Covid-19, significa que o PL seria apreciado de fato, neste cenário, em 2021.

A íntegra do substitutivo que deve ser apresentado por Angelo Coronel está aqui.

Pontos de atenção

Diante do substitutivo elaborado por Angelo Coronel, a CDR criou uma lista dos riscos que o substitutivo traz para o funcionamento da internet. Veja quais, abaixo:

1. LIBERDADE DE EXPRESSÃO
O projeto tem efeito na liberdade de expressão, estabelecendo que basta dar início a um processo judicial para obrigar a rede social a remover o conteúdo questionado na Justiça para que não seja responsabilizada caso ele seja julgado ilegal (art. 53).

2. REDES SOCIAIS COM COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA
O texto burocratiza o acesso às redes sociais, tratando todos os usuários como potenciais criminosos. Para controlar o acesso, todos deverão apresentar documentos para ter uma conta em rede social (art. 7).

3. PROJETO NUNCA FOI DISCUTIDO
Os Senadores votarão um projeto cujo conteúdo (dado pelo relatório do senador Angelo Coronel) foi divulgado há poucas horas, sem que os parlamentares e a sociedade possam discutir as propostas.

4. PRIVACIDADE VIOLADA
Na linha de tratar todos os usuários de internet como potenciais criminosos, delegados e promotores terão acesso livre aos cadastros (agora documentados) de usuários de internet sem qualquer crivo judicial (art. 12).

5. BLOQUEIO GERAL DAS REDES SOCIAIS E APPS DE MENSAGEM
Com mais de 50 artigos, o projeto cria inúmeras hipóteses que podem ensejar bloqueio das redes sociais. Bloqueios como os do Whatsapp tendem a se multiplicar, envolvendo todas as redes (art. 40 e restantes).

6. REDES MODERADORAS
O texto faz das redes sociais moderadoras de todo o conteúdo, legalizando seus termos de uso para derrubar qualquer tipo de postagem que desejarem (Art. 9).

7. BLACK MIRROR NA VIDA REAL
O texto cria um sistema em que pessoas darão notas às outras e isso gerará prejuízos a quem for “mal classificado” (art. 14 e 15). Os critérios de classificação serão definidos pelas plataformas.

8. LEGALIZAÇÃO DO ASSÉDIO E DOS ATAQUES
O PL legaliza as práticas de assédio e ataques na internet pelo sistema de notas e ao prever que a pessoa será rotulada por qualquer denúncia que receber, mesmo as infundadas e antes da análise do mérito (art. 11). Quem tiver pontuação baixa não conseguirá ter seu conteúdo acessado e poderá inclusive perder a conta.

9. CRIMINALIZAÇÃO DE QUEM APENAS COMPARTILHA CONTEÚDOS
O relatório pode jogar na cadeia por três a seis anos pessoas que repassaram conteúdos sem saber se são falsos (art. 47). Hoje, 59% das pessoas têm acesso à internet só pelo celular e muitas vezes não podem sequer checar conteúdos por não terem acesso a outros sites além do Whatsapp para checar as informações que recebem.

10. ATIVISMO E JORNALISMO EM RISCO
Sem delimitar o que é “desinformação” ou “conteúdo manipulado”, a lei usa esses termos no novo enquadramento de organização criminosa e lavagem de dinheiro, abrindo espaço de criminalização de qualquer ativismo, movimento social e prática jornalística (art. 49 e 50).

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Rafael Bucco

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