Entidades e oposição cobram esclarecimentos sobre a parceria entre o MCTIC e a Cisco
Entidades do ramo de tecnologia e oposicionistas no Congresso Nacional cobraram nesta semana esclarecimentos do governo sobre a parceria firmada entre o MCTIC (Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) e a empresa multinacional Cisco para o desenvolvimento de projeto de avanço da digitalização no Brasil.
As manifestações são direcionadas ao próprio MCTIC, à Procuradoria Geral da República, ao Tribunal de Contas da União e ao Itamaraty sobre o memorando de entendimento anunciado no dia 27 de maio em cerimonia virtual veiculada pela internet.
Em resposta às manifestações, a Cisco informou ao Tele.Síntese que os esclarecimentos devem ser dados pelo MCTIC. Acrescentou ainda que o acordo foi celebrado no âmbito de um compromisso de responsabilidade corporativa da empresas de ajudar os países em seus processos de transformação digital por meio do programa mundial Cisco Country Digital Acceleration (CDA). Segundo a fornecedora, o programa “segue regras globais de compliance, tendo sido implementado no mesmo modelo por mais 33 países”. A empresa e o MCTIC não informaram sobre os custos da parceria.
Qual o montante de investimentos de pessoal e capital financeiro é uma das preocupação apresentadas pela Assespro (Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação) no ofício 024/2020 que foi encaminhado na segunda-feira, 1º, ao ministro Marcos Pontes e ao secretário executivo da pasta, Júlio Semeghini. “É necessário que o governo invista na produção nacional, do contrário, os efeitos econômicos e tecnológicos negativos serão sentidos pelo nosso país no futuro próximo”, consta no documento da entidade, que representa cerca de 2.500 empresas privadas nacionais.
No documento, a entidade questiona:
- Quais os termos desse acordo?
- Houve a publicação de um edital de chamamento público para apresentação de propostas similares de acordo?
- Quais dados e informações que o governo brasileiro irá disponibilizar para a CISCO?
- As soluções desenvolvidas por outras empresas, nacionais ou não, deverão ser submetidas a aprovação para CISCO para atingir o mínimo de operabilidade?
- Qual o montante de investimento, de pessoal e capital financeiro, que será empenhado neste projeto, tanto da parte do governo brasileiro, quanto da CISCO?
- Quais são os impactos desse acordo para as empresas nacionais de TI, startups e de inovação?
Consulta pública
Semelhante preocupação é compartilhada por Hugo Giallanza, presidente da Asteps (Associação de Startups e Empreendedores Digitais do Brasil), especialmente pela ausência de consulta pública sobre a melhoria da digitalização no país. “É inadmissível”, afirmou ao Tele.Síntese, ao citar que vários países estão atraindo fábricas de empresas nacionais que estavam na China. “Por mais bem intencionado que seja, esse movimento do MCTIC em firmar com a Cisco não irá cooperar com o desenvolvimento da indústria brasileira”.
Em correspondência enviada ao ministro Marcos Pontes, o dirigente da entidade lembrou que a pasta costuma seguir “essa trilha democrática” ao promover consultas públicas. “E agora toma um caminho oposto, quando mais o país precisa de novos investimentos. Em plena pandemia, oferecer robustas fatias a gigantes tira pedaços que deveriam fortalecer a inovação verde-amarela”, criticou.
Caráter estratégico e 5G
Quatro deputados do PT apresentaram à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados requerimento de informações solicitando detalhamento sobre o acordo de colaboração assinado entre a Cisco e MCTIC. Eles justificaram que o acordo deveria ter sido construído com a participação de vários setores da sociedade brasileira, pois consideram que há um caráter estratégico para o desenvolvimento do Brasil.
Reivindicam informações sobre como se dará a participação no projeto de outras empresas de tecnologia que investem no país e medidas a serem tomadas para mitigar eventual vantagem competitiva em futuros processos licitatórios a serem realizados no país, notadamente o referente à tecnologia 5G.
A requisição questiona se houve consulta a Anatel, os termos, critérios técnicos que embasaram o acordo, se houve chamada pública a outras empresas interessadas, quais as precauções a serem tomadas para garantir a segurança de dados, se os sistemas desenvolvidos pela empresa serão abertos.
O documento foi protocolado pelos deputados Margarida Salomão (PT-MG), Pedro Uczai (PT-SC), Natália Bonavides (PT-RN) e Alencar Santa Braga (PT-SP) e aguarda o parecer do relator. Além do ministro do MCTIC, o documento é também destinado ao chefe da Relações Exteriores (MRE), Ernesto Araújo.
Entidade inexistente e pós-pandemia
Com representações na mesma linha, o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) cobrou informações sobre o acordo junto à Procuradoria Geral da República e ao Tribunal de Contas da União. “O acordo foi assinado sem que houvesse qualquer transparência, licitação, chamamento público ou audiência pública”, justificou.
O parlamentar tomou por base o alerta sob título “Notícia gravíssima para as startups brasileiras e para a Ciência e Tecnologia no Brasil” divulgado por uma entidade denominada de Associação Brasileira de Profissionais Autônomos de Startups e de Desenvolvimento de Tecnologias. Não há, porém, registro de site e mídias sociais com essa denominação. Os questionamentos do alerta foram também apresentados pela Assespro e pelos deputados.
A Cisco afirmou que “as informações retratadas por uma associação inexistente não são verdadeiras”. Não há sites ou mídias sociais com essa denominação. Informou ainda que o “lançamento do programa no Brasil reforça o compromisso da Cisco com a aceleração digital do país”, recomendando o site https://newsroom.cisco.com/
“O programa deve ajudar o país a se preparar para uma nova era de hiperconectividade e economia digital, além de apoiá-lo na recuperação social e econômica, à medida que o Brasil entrar em uma nova realidade pós-pandemia”, diz o material de divulgação da Cisco.