Para advogados, STF mira as big techs, mas acerta as small techs
Decisão do STF mira big techs, mas deve ser seguida por todo site com comentários, alertam especialistas
O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou ontem, 26, a tese que responsabiliza as big techs por conteúdos criminosos postados por terceiros. Na prática, foi “riscado” o Artigo 19 do Marco Civil, que condicionava a responsabilização das plataformas digitais ao descumprimento de ordem judicial. Segundo especialistas ouvidor por Tele.Síntese, o julgamento terá repercussão ampla no mercado, pois o STF mirou big techs, mas decisão tem grande potencial de prejudicar sites pequenos.
Com a nova diretriz, basta uma notificação extrajudicial para obrigar redes como X, Instagram e YouTube a removerem conteúdos considerados ilegais — sob pena de serem responsabilizadas.
Para Alexander Coelho, especialista em Direito Digital, IA e Cibersegurança, é decisão é histórica; mas, como toda ruptura, carrega tanto promessas quanto riscos.
“A promessa é nobre: combater a desinformação, o discurso de ódio e proteger direitos fundamentais. Mas o risco estrutural é gigante – em nome de proteger a democracia, não estaríamos entregando seu futuro aos algoritmos e às assessorias jurídicas das big techs?”, questiona o advogado.

A partir de agora, empresas privadas passam a exercer uma função tipicamente jurisdicional, decidindo o que deve ser suprimido do debate público, com base em critérios muitas vezes obscuros e voláteis. “O resultado? Um ambiente propenso à moderação opaca, à remoção automática e ao silenciamento preventivo. O temor de sanções pode se tornar uma ferramenta mais poderosa que a censura direta”, pontua Coelho.
Enquanto o Parlamento ainda debate uma lei específica para a regulação da IA, da moderação e da responsabilidade digital, o Judiciário se antecipa e legisla, na visão do advogado.
“O problema não é a intenção, mas o atalho institucional escolhido. Porque as plataformas precisam ser responsabilizadas. Mas não sem garantias, sem contraditório, sem critérios objetivos e sem limites claros. A democracia digital não pode sobreviver à insegurança jurídica travestida de zelo moral”, defende.
STF mira big techs: Insegurança jurídica e linguagem confusa
Há consenso entre especialistas ouvidos por este noticiário de que a tese firmada pelo STF apresenta pontos de confusão. Embora o documento tenha estabelecido diretrizes relevantes, a opinião geral é que o documento carece de uniformidade conceitual e precisão técnica.
“A redação da tese é extensa e incorpora fundamentos diversos, o que dificulta sua aplicação prática. Essas imprecisões podem gerar insegurança jurídica e dificultar a implementação por parte das plataformas, especialmente as de menor porte”, explicita a advogada Antonielle Freitas.
Membro da Comissão Especial de Privacidade e Proteção de Dados da OAB/SP, Antonielle é certificada como DPO junto ao EXIN e em Segurança Cibernética pela Cisco Networking Academy, pós-graduada em Direito Digital pela Escola Brasileia de Direito e em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Conforme Freitas, destacam-se como pontos confusos: (i) a definição de ‘ilícito grave’, (ii) os critérios para caracterização de ‘falha sistêmica’, e (iii) a distinção entre canais públicos e privados, que exige análise funcional caso a caso.
“A decisão poderia ser aprimorada em alguns aspectos, como: (i) maior objetividade na redação da tese, com linguagem técnica mais clara; (ii) definição mais precisa dos critérios de responsabilização, especialmente quanto ao que configura ‘conteúdo gravemente ilícito’; (iii) diferenciação de obrigações conforme o porte e o risco sistêmico das plataformas, como previsto em legislações internacionais; (iv) previsão de diretrizes técnicas mínimas para cumprimento dos deveres impostos; e (v) estabelecimento de um período de transição regulatória, o que não foi contemplado na modulação dos efeitos”, argumenta a advogada.
STF sobrecarrega pequenas plataformas
Outro principal risco apontado, segundo os especialistas, é o de que decisão não diferencia obrigações conforme o porte da plataforma, o que pode gerar sobrecarga regulatória para pequenos provedores de aplicações.
“A exigência de medidas técnicas avançadas, como canais de denúncia e relatórios periódicos, pode ser inviável para sites comunitários, fóruns independentes e pequenos negócios digitais. Isso pode levar à remoção preventiva de conteúdos legítimos (efeito silenciador), à redução da diversidade de vozes na internet e a impactos econômicos negativos, como concentração de mercado e barreiras à inovação”, pontua Freitas.
E continua: “Além disso, há um risco concreto de que grandes empresas utilizem notificações extrajudiciais como ferramenta estratégica para induzir a remoção de conteúdos que contrariem seus interesses, mesmo sem ilicitude manifesta. Diante da assimetria de poder, plataformas menores tendem a acatar tais pedidos, o que favorece a censura privada e reforça a concentração de poder informacional, esvaziando a diversidade democrática da internet.”
Segundo os advogados consultados pelo portal TeleSíntese, a ausência de critérios objetivos, a falta de diferenciação proporcional entre plataformas e a judicialização de temas legislativos geram preocupações legítimas.
Os profissionais pontuam que o ideal seria que o Congresso Nacional retomasse o protagonismo e aprovasse uma legislação específica, com base em amplo debate público, estabelecendo regras claras, proporcionais e tecnicamente viáveis para a regulação das plataformas digitais no Brasil.
Os especialistas pontuam ainda que há trechos da decisão que se aproximam de dispositivos da PL 2630/2020 (PL das Fake News), como a responsabilização por impulsionamento pago, a exigência de canais de denúncia e a obrigação de relatórios de transparência.
“Embora o STF tenha atuado dentro de sua competência constitucional, há críticas de que a decisão representa uma forma de judicialização da política pública, antecipando medidas que deveriam ser debatidas e aprovadas pelo Legislativo. Isso pode ser interpretado como um tensionamento entre os poderes e uma possível interferência no processo democrático”, argumenta Freitas.
“Foi um processo que não envolveu a sociedade civil. Ficou parecendo que decidiram em um almoço, criando obrigações que não estão em lei. Na teoria, a intenção foi nobre, para tentar reprimir crimes de ódio. Mas, na prática, vamos vivenciar outra internet no Brasil daqui pra frente”, avalia o advogado Luis Fernando Prado, especialista em privacidade e proteção de dados, conselheiro da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria), mestre em Direito Digital pela Universidade de Barcelona e pós-graduado em Propriedade Intelectual e Novos Negócios pela FGV/SP.
Mercado de marketplace prejudicado
Prado ainda analisou a situação das empresas de marketplaces a partir desta decisão do Supremo.
“Ao silenciar sobre a aplicação do artigo 19 aos marketplaces e afirmar que seu regime é o do Código de Defesa do Consumidor, que, como regra, impõe responsabilidade objetiva, a decisão do STF amplia significativamente a insegurança jurídica para esse setor. A omissão mina a previsibilidade normativa que o Marco Civil conferia e ignora a complexidade dos modelos de intermediação digital”, entende Prado, apontando para um futuro prejuízo ao mercado de marketplace no país.
A decisão final do Supremo nessa sexta, 26, conforme especialistas, vai de encontro à indefinição e consequente não aprovação do PL 2630 na Câmara dos Deputados. Conhecido popularmente por PL das Fake News, em resumo, o projeto buscava criar um marco regulatório para a internet brasileira, com foco em transparência, combate à desinformação e responsabilização de provedores digitais. Mas ele não foi aprovado e sua tramitação – marcada por debates e controvérsias – foi interrompida.
Para a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, especialista em Direitos Digitais e Direito do Consumidor, “a derrubada do PL 2630 por Arthur Lira foi muito ruim, porque quem deveria ter legislado sobre isso era o Legislativo. O Marco Civil da Internet é uma lei de princípios, é uma lei que estabelece princípios. Não tem o menor sentido dizer que era uma lei antiga.”
Lefèvre, porém, analisa a ação do Supremo como uma medida de emergência ante à situação política do país. “Diante dessa situação de o STF tem assegurado as instituições democráticas do país, eu penso que os ministros resolveram tomar uma atitude em relação à questão da internet, após a derrubada da PL das Fake News.”
O TeleSíntese procurou os representantes das big techs no Brasil. Segue abaixo o posicionamento das empresas:
Meta
Google
“O julgamento do Artigo 19 foi encerrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com um novo entendimento sobre responsabilidade civil para um grupo grande e diverso de plataformas de internet. Ao longo dos últimos meses, o Google vem manifestando suas preocupações sobre mudanças que podem impactar a liberdade de expressão e a economia digital. Estamos analisando a tese aprovada, em especial a ampliação dos casos de remoção mediante notificação (previstos no Artigo 21), e os impactos em nossos produtos. Continuamos abertos ao diálogo.”