MP que adia vigência da LGPD coloca Brasil em limbo regulatório
A postergação da vacatio legis da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para maio de 2021 dará tempo para o governo fazer o que não conseguiu até este momento: colocar de pé a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Mas mantém o Brasil em um limbo regulatório que dificulta a inserção do país no mercado global de tratamento de dados pessoais.
Fontes de mercado ouvidas pelo Tele.Síntese e que preferem não se identificar dizem que a medida provisória atrasa a discussão sobre a entrada em vigor da LGPD, que vem se dando no Congresso. Há, ainda, quem duvide haver interesse do governo em garantir a entrada em vigor da lei no mandato atual.
Entre especialistas do Direito, há interpretações semelhantes. Danilo Doneda, advogado do IDP e indicado pela Câmara para integrar o conselho de proteção de dados, considera que Presidência tenta se impor ao processo legislativo, uma vez que o Senadores e Deputados já vêm debatendo o assunto.
“A edição de uma MP para alterar o prazo de vacatio legis não é um problema. O momento escolhido que é bastante peculiar, com o governo atravessando um processo que estava amadurecendo no Congresso”, avalia.
Incertezas
A seu ver, há várias incógnitas a respeito da MP que abrem inúmeros cenários, desde a postergação sem fim da entrada em vigor da lei, até um desmembramento por parte do parlamento.
“O presidente do Congresso pode nem receber o texto integral da MP, pois trata da renda emergencial. O texto não pode ser tratado como uma coisa só. É preciso haver coerência temática, e isso não foi observado. Há, portanto, base jurídica para o Congresso rejeitar esse artigo”, diz.
O pior é a sinalização para a sociedade, avalia. Para Doneda, a MP não explica quais critérios levaram o governo a definir maio de 2021 como o mês ideal para entrada em vigor da lei. Carece, portanto, de transparência. “Ninguém sabe de onde saiu esse prazo, e coloca a todos em uma espécie de loop infinito [de expectativa]”, conclui.
Ele ressalta também que, enquanto não há lei, o Brasil deixa de operar em um cenário internacional, em que são exigidas regras claras para que as empresas façam parte da economia dos dados.
Mais tempo para fazer o que não fez
Na avaliação do pesquisador Mario Viola de Azevedo, do Instituto Tecnologia e Sociedade (ITS) do Rio de Janeiro, a Casa Civil ganhou tempo para chegar aos nomes que formarão a ANPD. Ele explica que a autoridade, conforme prevista na LGPD, será um braço do Executivo. A este caberá criá-la, por iniciativa própria, na data em que preferir.
“O ideal seria estruturá-la no período em que há a discussão no Congresso da Medida Provisória para que exista a certeza de que questões regulamentares estejam respondidas quando a lei entrar em vigor”, reflete.
Por isso, o especialista considera que a extensão da vacatio legis da LGPD pode ser positiva. “Se a LGPD entrar em vigor em agosto, sem vários regulamentos importantes definidos, há grande chance de judicialização devido aos buracos abertos por normas existentes, e as multas ficariam suspensas. Seria uma lei que não seria aplicada”, analisa.
Mas, para que haja segurança para a sociedade, o governo deveria, diz, vir a público e estabelecer um compromisso, afirmando de que trabalha para criar a ANPD e colocar a LGPD em funcionamento tendo maio como a data limite para a lei passar a vigorar.
Dentro do Ministério da Economia, havia uma ala com a expectativa de que a ANPD estaria criada e funcionando já a esta altura. A minuta de um decreto estruturador chegou a ser remetida pelo ME para a Casa Civil, mas travou nos meandros políticos da definição dos nomes dos conselheiros que vão dirigir a agência.
Agora o Congresso deverá aprovar, emendar ou recusar a MP em até 120 dias. Ou votar o PL 1179, que veio do Senado e passou a tramitar em regime de urgência, ontem. Este PL adia a vigência da LGPD até janeiro, e as sanções até agosto de 2021.