Cobrança de ICMS sobre software vendido pela web amplia disputa da bitributação

Confaz editou no final de dezembro convênio prevendo a cobrança de pelo menos 5% sobre as operações por qualquer meio com software, apps e congêneres. Brasscom aguarda definição dos estados sobre alíquotas, mas teme bitributação. Tributaristas enxergam brechas e anteveem ações na Justiça para evitar a cobrança por parte dos estados.

shutterstock_ollyy_imposto_regulacao_negocios_competicao_desempenhoO Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) publicou em 29 dezembro um convênio orientando a cobrança do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços, o ICMS, em operações de venda de softwares, aplicativos ou arquivos eletrônicos baixados diretamente da internet. Embora os convênios do Confaz não valham como lei, a medida segue aos desejos dos estados em obter seu quinhão com a taxação da venda online de programas.

A medida repercutiu rapidamente entre empresas e tributaristas. A Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), que representa o setor de TI, estuda o impacto que a cobrança do ICMS sobre operações software online representará ao resultado das empresas.

Por um lado, a entidade se diz aliviada com a definição de um porcentual mínimo para a cobrança do imposto. Por outro, prevê um aumento das alíquotas nos estados signatários, o que levará à elevação de preços e redução da demanda, como explica Sérgio Paulo Gallindo, presidente executivo da entidade.

No âmbito geral, nosso setor de tecnologia da informação vive um verdadeiro filme de horror, com a reoneração previdenciária, que promoveu um corte violento de postos de trabalho, a MP 690, que eliminou isenção para produtos voltados a inclusão digital, e o veto ao relatório do Congresso [previa retorno da desoneração]. E tem ainda a MP 694 em tramitação, que suspende a Lei do Bem. Agora, vemos um aumento de carga tributária em um sem número de software e games. O mundo inteiro está se movendo para um mundo de tecnologia, para mercados mais ágeis, para o mundo da transformação digital, e essas medidas mostram um movimento em direção contrária em relação ao resto do mundo está vivendo”, critica.

O compasso, por enquanto, é de expectativa quanto à reação dos governos estaduais, que precisam publicar decretos com os porcentuais a serem cobrados. Assinaram o texto (Convênio 181 do Confaz) representantes da Fazenda de 19 estados: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Tocantins.

Arrecadação em disputa
Até a publicação do convênio, a única referência à cobrança de imposto sobre software aparecia na lei que regula os impostos municipais. A Lei Complementar 116, de 2003, afirma que cabe ao município taxar, via Imposto sobre Serviços (ISS), a elaboração de programas de computadores e jogos eletrônicos e o licenciamento ou cessão de direitos de uso de programas de computação. Aos estados, a legislação relega a cobrança do ICMS ao software de prateleira, aquele vendido em CD, DVD, pen drive etc.

Mas, com a arrecadação em queda e a percepção de que a economia digital e o comércio de software se concentra em ambiente virtual, os estados decidiram publicar decretos prevendo a cobrança do ICMS sobre o download. Caso emblemático foi o de São Paulo, que em setembro do ano passado editou decreto prevendo alíquota de 18%.

O tributarista Nelson Lacerda, do escritório Lacerda & Lacerda Advogados, reforça que possivelmente estados que vinham tentando cobrar ICMS sobre a venda dos aplicativos ou software online, como Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais, devem se adequar. “Em Santa Catarina a cobrança atualmente é de 4%, e havia pressões para reduzir para 2%. Com a assinatura, aumentará o imposto. Em São Paulo a lei era confusa e só falava claramente sobre a cobrança do software vendido com suporte físico”, lembra.

Danielle Serafino, advogada associada da área tributária do escritório Opice Blum, diz que o convênio gera uma situação de guerra fiscal entre estado e município. “Com o decreto, e agora o convênio, o estado quer puxar para si a tributação do software vendido pela internet, tirando do âmbito municipal. Consideramos ambos ilegais, e vão ser questionados pelos clientes [na Justiça]”, afirma.

Segundo ela, as desenvolvedoras vão resistir à cobrança. “Ainda existe uma gama grande de possibilidade de defesa para que essas empresas não sejam impactadas. Com estas normas, poderia haver uma cobrança dupla, com ambos os entes cobrando impostos”, ressalta. Falando especificamente sobre o decreto publicado pelo governo paulista, ela reclama da falta de diálogo de considera inadequado o uso de decreto para definir a cobrança. “Um decreto não seria o instrumento adequado. Teria de haver uma legislação construída na Assembleia Legislativa”, diz. 

A advogada conta que clientes já se municiam para entrar com reclamações na Justiça. Ela espera que ainda em 2016 a Justiça já tenha decisões preliminares e ações movidas por empresas desenvolvedoras de software. Mas uma definição legal, só mesmo após muito tempo. “Um resultado final sobre o assunto, em última instância, seria obtido em dez anos”, prevê.

Gallindo, da Brasscom, também teme a dupla cobrança de impostos. “Não existe provisão legal para aplicação de ICMS em software vendido pela internet. O contribuinte vai enfrentar um conflito de entes tributantes. Como decidir quem está certo? O Brasil corre o risco de ter um problema de bitributação. Quanto mais expandem a lista de software passíveis de pagarem ICMS, mais conflito entre estado e município vai surgir”, alerta.

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Rafael Bucco

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