Cade quer ser autoridade reguladora das plataformas digitais

Em contribuição à Tomada de Subsídios sobre o tema, conduzida pelo Ministério da Fazenda, Cade defende que nomear uma autarquia já existente seria a “abordagem mais pragmática e adequada”

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O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) preparou uma nota técnica de 56 páginas com contribuições à Tomada de Subsídios nº 1/24 sobre aspectos econômicos e concorrenciais de plataformas digitais em que se propõe ser regulador das plataformas digitais. A consulta pública organizada pela Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda foi encerrada ontem, 2 de maio.

Na nota técnica, o Cade sugere que seja conduzida uma análise de impacto regulatório antes de se criar um novo agente regulador. “O Cade apresenta um histórico de desenvolvimento de expertise na análise da questão concorrencial no âmbito da economia digital, além de possuir a vantagem de atuar de forma transversal em diversos setores da economia, diferentemente de agências reguladoras setoriais”, candidata-se a autarquia.

Como justificativa para seu pleito, o Cade cita um estudo do G7 que analisa os instrumentos regulatórios dos sistemas de defesa da concorrência em mercados digitais, apontando que apenas no Brasil há a possibilidade de implementação da lei por meio de um órgão que não seja a agência de defesa da concorrência. Além do Brasil, o estudo observou o cenário da União Europeia, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Japão.

Aproveitar a expertise da autarquia e apenas muni-la de uma unidade específica para tratar das plataformas digitais será a “abordagem mais pragmática e adequada”, nas palavras do Cade em contribuição à Tomada de Subsídios.

Em defesa própria, além de citar a experiência acumulada em 62 anos e revigorada a partir de 2011 com a Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011), o Cade elenca a sua capacidade de colaboração com agências reguladoras, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e cita sua interação frequente com outros órgãos internacionais. A autarquia lembra, por exemplo, a recente aceitação do Brasil como membro permanente do Comitê de Concorrência da OCDE, tornando-se o primeiro país sul-americano a ocupar a posição.

“É importante destacar que, embora o Cade não se oponha à expansão pontual do escopo de atuação de outras autoridades como ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e Anatel, há uma clara preferência para que o conteúdo concorrencial permaneça como de sua competência. Isso garantiria a manutenção da expertise e da abordagem já desenvolvidas pelo Cade, otimizando os recursos e maximizando a eficácia regulatória no tratamento de questões relacionadas aos mercados digitais”, observa o Cade na nota técnica à consulta pública.

Críticas à uma lei específica para plataformas digitais

No Congresso, o projeto de Lei 2.768/2022 discute a regulação das plataformas digitais. A proposta não agrada o Cade, que acredita que faltou um olhar mais aprofundado para o que chama de “estado da arte atual do enforcement antitruste brasileiro”. Ou seja, não houve uma discussão sobre como a atuação da autarquia poderia servir de base para avanços no campo da concorrência no mercado digital.

Além disso, o Cade argumenta que o projeto de lei não deixa claro o que pretende alcançar com uma regulação concorrencial para os mercados digitais. De acordo com a autarquia, a Lei nº 12.529/2011, por exemplo, nasceu vinculada a uma preocupação com o “bem-estar do consumidor”.

“A falta de delimitação dos objetivos de política pública que se pretende alcançar com uma regulação ex-ante pode ser problemática. A falta de delimitação conceitual dos objetivos do PL pode levar a incertezas sobre se as obrigações impostas às plataformas dominantes devem se pautar exclusivamente pelo objetivo de proteção do bem-estar do consumidor, em linha com a abordagem que tem guiado a aplicação da Lei 12.529/2011 pelo Cade, ou se devem incorporar outros objetivos de política pública”.

Outra crítica do Cade é que falta ao projeto de lei delimitar, de forma mais precisa, o que seria uma concorrência justa que se espera promover nos mercados digitais. A falha nessa definição pode dar margem a interpretações confusas sobre o escopo e a finalidade da intervenção regulatória, avalia o Cade.

Experiência também com plataformas digitais

A autarquia não deixa de citar em suas contribuições à consulta pública do Ministério da Fazenda que já foi chamada a se posicionar em casos de concorrência entre empresas inseridas no mercado digital. O exemplo citado é o da aquisição da Activision, desenvolvedora de jogos, pela Microsoft em 2023.

“Este caso evidencia a competência e a metodologia do Cade para abordar e analisar questões complexas em mercados dinâmicos e tecnologicamente avançados, como os digitais. O Cade tem reforçado a importância da avaliação das particularidades dos mercados digitais em suas análises,” desenvolvendo compreensões cada vez mais aprofundadas dessas dinâmicas”, ressalta.

A Tomada de Subsídios organizada pelo Ministério da Fazenda teve nove perguntas divididas em quatro sessões colocadas para que os diversos atores interessados no debate pudessem opinar: objetivos regulatórios, suficiência e adequação do modelo de regulação econômica e defesa da concorrência atual, desenho de eventual modelo regulatório econômica pro-competitiva e arranjo institucional. Ao todo, a consulta pública recebeu 301 contribuições.

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Simone Costa

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