Reforma tributária não é justificativa para acabar com a norma 4, dizem ISPs

Provedores de acesso à internet dizem que a regra é tão ou mais necessária atualmente, com a expansão das redes neutras e das MVNOs. E temem que fim da norma 4 permitiria à Anatel regular a internet como serviço.

Na última semana, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, concedeu entrevista ao Tele.Síntese na qual defendeu que a norma 4, diante da iminente reforma tributária, precisa ter seu fim decretado. O comentário não caiu bem entre provedores de internet e reverberou também no Comitê Gestor da Internet no Brasil, o CGI.br.

Para estes agentes, a reforma tributária não vai alterar o fato de que os serviços de telecomunicações, de conexão à internet e valor adicionado são coisas diferentes entre si. A necessidade da norma 4 editada em 1995, avaliam, transcende o pagamento de impostos. Remete à regulação, ou não, da internet.

Marcelo Siena | Presidente da Redetelesul
Marcelo Siena | Presidente da Redetelesul

Para Marcelo Siena, presidente da Rede Telesul, associação que representa provedores de acesso à internet presentes em 250 cidades da região Sul, o comentário de Baigorri deve ser avaliado sobre o pano de fundo de que a Anatel vem pleiteando a ampliação de sua abrangência regulatória.

“O temor que há ao se falar do fim da norma 4 é trazer tudo para o mesmo arcabouço regulatório. Nossa preocupação é deixar tudo sujeito à regulação da Anatel. Existe o desejo na agência de aumentar seus tentáculos regulatórios para o universo das OTTs”, comenta.

A seu ver, a norma 4 é fundamental por deixar clara a separação entre o que é telecomunicação do que é internet. Sem ela, abre-se uma lacuna regulatória. Ele lembra que, por lei, a Anatel regula apenas telecomunicações. Mas, caso deixe de existir o normativo, desaparece a linha que evidencia esta diferenciação.

“Hoje, com as redes neutras e avanço das MVNOs, a necessidade de separação do que é telecomunicação do que é acesso à internet se tornou mais importante do que nunca”, acrescenta.

Ele lembra que uma rede neutra, ou a operadora de origem, oferecem o serviço de telecomunicação, enquanto o provedor de internet ou a operadora virtual oferecem justamente o acesso. “A figura do SCI, presente na norma 4, portanto, segue muito utilizada”, avalia o presidente da Rede Telesul.

Abranet

Eduardo Parajo, presidente do conselho da Abranet, entidade que representa também provedores e empresas de serviços de TI, concorda. “Não é porque a regra tributária vai mudar que a natureza dos serviços vai mudar. A internet não é telecom, e não vai virar telecom. Mas, se tudo virar a mesma coisa, tem contribuições setoriais que hoje são exclusivas de telecom que incidiram, então, sobre o serviço de internet”, aponta.

Ele ressalta que a separação entre os serviços de telecomunicações e de acesso à internet têm natureza distinta em outros países, como nos Estados Unidos. “Lá, é o chamado Information Services, e não é regulado pela FCC, que como a Anatel, atua apenas sobre o setor de telecom”, acrescenta Parajo.

O presidente do conselho da Abranet critica ainda a reforma tributária, que resultará na elevação da carga sobre o setor de serviços. E defende que, enquanto ela não é completada – um processo que estará concluído apenas em 2033 – a proporção dos tributos pagos pelos provedores deveria ser revista. Hoje a Anatel sugere que as contas considerem 40% como serviço e 60% como telecomunicação, o primeiro recolhe ISS, imposto municipal geralmente mais baixo que o ICMS, incidente sobre o segundo.

“A Abranet já mostrou diversas vezes que esta proporção está errada. O maior custo e o principal da operação dos provedores está no serviço de acesso, em infraestrutura de computação, não na rede”, afirma.

Abrint

Na Abrint existem os mesmos temores e são feitas as mesmas críticas à posição manifestada por Baigorri na última semana. Em nota enviada ao TS, a entidade que representa ISPs em todo o país, diz que a Norma 4 é fundamental para a estrutura da internet brasileira.

“Sua aplicação, aliada a um regime de regulação assimétrica bem conduzido ao longo dos anos, tem incentivado o empreendedorismo nacional e criado um ambiente de competição saudável no mercado de telecomunicações”, avalia a entidade.

A Abrint defende que qualquer proposta de regulação sobre plataformas digitais e mercados digitais deve respeitar as diferenças estruturais em relação a telecomunicações. “O desenvolvimento sustentável desse novo cenário digital depende do respeito às diferenças e características técnicas da rede e seus protocolos de internet, independentes do meio físico de transmissão operado no universo das telecomunicações”, acrescenta.

Por fim, concorda com Rede Telesul e Abranet em relação ao tratamento tributário reservado à internet e considera inadequada a intervenção do regulador, que defende preponderância da incidência do ICMS.

“Confundir as esferas de atuação dos serviços de telecomunicações e dos serviços de valor adicionado, como o serviço de conexão à internet, resulta em uma insegurança regulatória prejudicial para o setor. Essas categorias de serviços são autônomas e distintas e, como reforçado pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT), cumprem um papel que
vai além da mera lógica tributária”, afirma no texto.

CGI.br

O Comitê Gestor da Internet no Brasil também é contrário ao fim da norma 4. O colegiado emitiu posição sem 2022 sobre o tema, a qual permanece válida e atual, informou sua assessoria a este noticiário. O entendimento ali é que o fim da regra não resulta em uma simplificação regulatória positiva.

Na nota de 2022 sobre o assunto, defende que a regra de 1995 permanece relevante para a expansão e ndemocratização dos serviços de conexão à internet no país.

E acrescenta: “o modelo de SVA vigente pela Norma 004/1995 é basilar para o surgimento de novos modelos de negócios e à inovação tecnológica, potencializando efeitos positivos para todo o ecossistema baseado em conectividade”.

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Rafael Bucco

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