Publicada Medida Provisória que interfere no funcionamento de redes sociais
Foi publicada na tarde desta segunda, 6, em edição extra do Diário Oficial da União a Medida Provisória 1.068. O texto altera o Marco Civil da Internet. Intervém no ambiente privado das empresas ao impedir que as redes sociais retirem do ar conteúdos que consideram ferir seus termos de serviço sem justificativa – exceto para casos de “justa causa”, como nudez, pedofilia ou terrorismo.
A MP se restringe às redes sociais e afirma expressamente que mensageiros digitais, como Whatsapp, Telegram, Signal e afins não se enquadram nas regras.
Determina que as redes sociais informem de maneira clara suas políticas de moderação ou limitação de alcance das publicações dos usuários, incluindo os critérios e procedimentos utilizados para a decisão humana ou automatizada.
“É vedada aos provedores de redes sociais a adoção de critérios de moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa”, diz o texto.
Ordena ainda que a remoção de conteúdo deve ocorrer apenas mediante oportunidade de defesa e recurso do usuário, devendo a plataforma ter um canal eletrônico dedicado a isso. Veda a exclusão de perfis se não houver “justa causa”. No caso, são consideradas justa causa para a exclusão os perfis falsos, contas geridas por robôs ou que façam propaganda de produtos que violem propriedade intelectual.
Também são justa causa para exclusão de posts ou perfis material que viole o Estatuto da Criança e do Adolescente, quando houver nudez ou representações de atos sexuais, prática ou incentivo a suicídio, crimes de pedofilia, terrorismo, tráfico; apoio ao recrutamento a organizações criminosas; incitação à violência; entre outros.
Nos casos de exclusão de perfil, suspensão, exclusão ou suspensão de posts, o usuário deve ser informado pela rede social. Esta deve deixar claros os motivos que levaram ao ato. A rede social que for autuada receberá de advertência até multa de 10% do faturamento do último exercício. Também há previsão para suspensão temporária ou mesmo proibição total das atividades no país.
A MP é assinada pelo presidente Jair Bolsonaro e também por Anderson Gustavo Torres, ministro da Justiça, Gilson Machado Guimarães Neto, ministro do Turismo – onde fica a Secretaria de Cultura, que elaborou a primeira redação do que era previsto para ser um decreto -, e Sergio Freitas de Almeida, secretário-executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia. Deve ser analisada pelo Congresso em 60 dias, prorrogáveis por mais 60.
Críticas
A edição da MP, às vésperas do feriado de 7 de setembro e em meio a um embate institucional entre o presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral, gerou múltiplas críticas à iniciativa nas redes sociais.
A Safernet Brasil, dedicada à segurança digital, a educação e defesa dos Direitos Humanos na Internet, publicou uma série de comentários no Twitter em que diz receber com grande preocupação a publicação da MP. Para a organização, o resultado prático não será a criação de um espaço digital mais seguro e democrático, mas o contrário.
“A MP limita a autonomia das plataformas em desenvolver e aplicar suas políticas e tecnologias de detecção e combate a abusos online”, diz. E resume que, pelo texto da MP, em 30 dias não haverá moderação sobre conteúdos “desinformativos, enganosos ou fraudulentos, inclusive sobre a COVID-19; SPAM, clickbait e ads fraud, usados para monetização desses conteúdos; veiculação da suástica, de símbolos e emblemas neonazistas, e usados para negação do holocausto e defesa da eugenia”.
Também ficam liberadas mensagens para a venda de armas e munições, inclusive de uso exclusivo das forças armadas, e os crimes de assédio, ameaça, ciberbullyng. “A MP inverte o ônus para a vítima, ao obrigá-la a buscar uma ordem judicial para remover conteúdos que hoje são removidos voluntariamente pelas plataformas durante o processo de detecção de abusos e ilícitos”, frisa a Safernet.
A entidade lembra que a MP também beneficia redes sociais pequenas de ultradireita, já que redes com menos de 10 milhões de usuários não estão sujeitas às regras.
CGI.br imobilizado
Quando ainda era um decreto, o texto ora transformado em MP gerou reação de diferentes organismos da mesma forma que agora. Um destes organismos foi o Comitê Gestor da Internet no Brasil, o CGI.br. À época, maio, o comitê criou um grupo dedicado a debater a questão e solicitou à Secretaria de Cultura do Ministério do Turismo para ser ouvido, uma vez que essa prerrogativa existe no Marco Civil da Internet. A Secretária de Cultura, no entanto, nunca respondeu ao CGI.
Internamente, tentou-se costurar um texto para pressionar a Secretaria de Cultura a interagir com o CGI, mas as tentativas naufragaram por divergências com os representantes do governo no Comitê. Assim, a organização de onde surgiu o decálogo que resultou no Marco Civil da Internet foi completamente ignorada ao longo da tramitação do texto, conduzida a portas fechadas pelo governo Bolsonaro.
Mais críticas
Para a Coalizão Direitos na Rede, que reúne mais de 50 entidades da sociedade civil, ativistas e academia, Bolsonaro intervém unilateralmente nas redes sociais ao editar a MP.
“Ao estabelecer o que seria “justa causa” para a ação das redes sociais, a MP revela-se arbitrária, insuficiente e atécnica. A numerosa lista de exceções trabalha com temas vagos e deixa de fora situações cuja resposta célere das redes sociais tem se mostrado relevante, como é o caso de conteúdos que incentivam ódio ou práticas de desinformação”, diz.
O grupo questiona, ainda, se a publicação de Medida Provisória pelo Presidente da República atende aos “requisitos formais de relevância e urgência, que não ficam claros no texto em questão”. E sugere também que o Parlamento brasileiro rechace o texto.