O combate às fake news deve ser com a checagem da informação, defende ABI
Desde as eleições de 2014, a ABI participa de debates e projetos sobre notícias falsas. Inclusive foi parceira de experiência contra a disseminação de fake news em relação à pandemia do novo coronavírus e tem projeto de checagem sobre notícias faltas nas eleições deste ano apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para Arnaldo César Ricci Jacob, dirigente da entidade, “a maneira mais efetiva de combater as fake news é checando a informação”.
Ele observa que a liberdade de expressão e de imprensa necessariamente tem que estar acompanhada de responsabilidade. Mesmo admitindo que a internet “é terra de ninguém”, recomenda que não se dê poder às plataformas da internet para fazerem a censura.
Mas ressalta que as tecnologias a serviço das fake news e da difamação estão se tornando bem mais sofisticadas, como é o caso do uso de tecnologias que vieram dos efeitos especiais do cinema e que estão sendo usadas para trocar um personagem do vídeo, ou colocar outra frase da boca de pessoas, conhecidas como “deep fakes”.
Seguem principais trechos da entrevista:
Tele.Síntese — Qual é sua avaliação sobre os casos recentes envolvendo ações de combate a fake news tanto no Brasil, por conta de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal), quanto no exterior em razão de ameaças do presidente Donald Trump contra as grandes plataformas digitais?
Arnaldo César Ricci Jacob — As grandes plataformas (Google, Facebook, Instagram, Twitter) estão sob acusação de invasão de privacidade, de concorrência fraudulenta, essas coisas. Com relação ao Brasil, nós temos essa investigação que está sendo feita pelo STF e temos no Senado e na Câmara dois projetos para combater as fake news.
Há no Parlamento um esforço grande para aprovar um projeto em uma situação absolutamente caótica. O próprio Parlamento não consegue se reunir regularmente, está se rendendo às videoconferências, e eles estão trabalhando para aprovar esse projeto. E qual é a razão deles para isso? O que está por trás? Os parlamentares precisam de uma ferramenta qualquer para se defenderem da disseminação de fake news nesta eleição que vem aí.
A ABI tem observado o fenômeno das fake news desde as eleições de 2014, que já se fez sob o impacto da Cambridge Analytica, ou seja, foi a utilização das redes sociais para fazer campanha política nos Estados Unidos, que, para a surpresa de todos, elegeu o Donald Trump. O grande problema é que ninguém consegue definir com precisão o que vem a ser as fake news. Então, a maneira mais efetiva de combater é checando a informação.
A ABI, em parceria com o Instituto FioCruz da Bahia e a Universidade Federal da Bahia, criou um grupo chamado COVIDA, formado por jornalistas, cientistas, pesquisadores, infectologistas, professores de medicina. A intenção do grupo é pegar informação científica sobre o COVID-19 e fornecer informações para todos os veículos e combater fake news.
Tele.Síntese — Poderia citar exemplo de fake news sobre a pandemia?
Ricci — A proliferação de fake news na área da saúde é muito grande. Já desmontamos fake fews disseminadas inclusive por Carlos Bolsonaro e assinadas por ele. Como por exemplo, uma montagem feita por ele, sobre o isolamento, e divulgada inicialmente pelo gabinete do ódio para o sul do país, visto que na região se concentra o maior número de apoiadores do Bolsonaro. Nesta fake news, conseguimos percorrer todos os caminhos, a verdade, quem disseminou, o que realmente foi dito e colocamos nas redes uma “vacina” explicando o que era realmente a verdade. Há outros exemplos envolvendo a cloroquina.
Tele.Síntese — Qual é a preocupação com os projetos PL 2630/2020, do senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE), e PL 2927/2020, dos deputados Felipe Rigoni (PSB/ES) e Tabata Amaral (PDT/SP), que tramitam no Congresso brasileiro?
Ricci — Esses projetos defendem que o simples fato da pessoa ir lá, reclamar e provar que é falso, deve fazer a empresa que opera a plataforma retirar do ar. No caso do Trump, o Twitter anunciou, em meados de abril, os critérios utilizados para fiscalizar essas informações produzidas por terceiros na sua plataforma. O conteúdo do presidente foi analisado e concluiu-se que havia potencial duvidoso.
Tele.Síntese — Esses PLs têm chance de vingar se votados agora? Atentam contra a democracia?
Ricci — Essa história é muito recente e estes projetos estão tramitando em uma velocidade espantosa, mas o Parlamento deveria se ocupar de questões essenciais, prioritárias. Sob o ponto de vista da sociedade, esse tema não é prioritário. Sob o ponto de vista dos políticos, eles querem para se proteger nas eleições. As reuniões da Câmara e do Senado acontecem por teleconferência e às vezes tem menos de 20, 30 pessoas, e esse tema será julgado nessas condições.
Ao lado de outras instituições, a ABI defende que esses projetos sejam debatidos em audiência pública com todos os segmentos da sociedade interessados.
Tele.Síntese — Esse combate às fake news, como também a investigação feita no STF, interfere na questão da liberdade de expressão? Até onde vai o poder de liberdade dos aplicativos?
Ricci — Se analisarmos o que está acontecendo na investigação feita pelo ministro Alexandre Moraes, não há somente as informações falsas, mas também outros crimes que podem ter sido cometidos como difamação, invasão de privacidade, chantagem e ameaça de morte. Tanto no Congresso quanto no Supremo acho que há dificuldade em estabelecer o que é uma fake news. Acredito que, no caso da investigação do STF, serão criados mecanismos de proteção dos ministros, mas terá como consequência o desmonte das estruturas brasileiras de financiamento da disseminação das fake news. Tanto que recolheram provas não só de parlamentares, mas também de empresários e jornalistas. Sob o ponto de vista político, a utilização de fake fews nas eleições de 2018, se analisadas e investigadas pelo STF, poderão resultar na anulação das eleições de 2018, que elegeu Bolsonaro e Mourão. E aí surge uma nova crise, um novo problema.
Tele.Síntese — A ABI entende que o direito de expressão do cidadão é absoluto ou pode ser passivo de filtros por significar crimes?
Ricci — A ABI acha que a liberdade de expressão e de imprensa, necessariamente devem estar acompanhada da responsabilidade. Os profissionais de imprensa, quando se expressam utilizam desse direito, precisam estar sempre cientes de que aquilo que estão escrevendo, falando, opinando tem que ter um calço na realidade, na verdade.
A internet é “terra de ninguém”, todo mundo escreve o que bem entende. As pessoas precisam ter responsabilidade. Não é preciso censurar as pessoas, mas é preciso estabelecer fronteiras, isso é o que foi tentado no Marco Civil da Internet. A sensação que eu tenho é que hoje há uma polarização muito grande no Brasil e no mundo, e as pessoas se agridem de uma forma absolutamente irracional porque isso é algo que eles trazem das redes sociais. Lá o cara escreve o que quer, ofende todo mundo.
Tele.Síntese — A liberdade de se dizer o que quiser e ser responsável por isso, deve ser mantida ou não? E as plataformas, devem ser responsabilizadas por veicular esses tipos de insultos?
Ricci — Acho que as pessoas podem falar o que quiserem e respondem pelo que falam. Você precisa ter a noção de que será responsabilizado. No plano pessoal, é uma questão complicada, se as plataformas podem censurar, colocar filtros, é extremamente complexo e delicado. Porque se você der pleno poder para essas plataformas retirarem os conteúdos, você terá problemas de censura.
Tele.Síntese — Mas o Marco legal da internet não prega a neutralidade da internet?
Ricci — Não sei se pode ser classificado como neutralidade a hipótese das redes retirarem o conteúdo. [O Marco Legal] admite a possibilidade de retirar se for efetivamente falso. As mídias da internet podem fazer essas correções, desde que tenham dito para os usuários quais são os critérios. Há determinados conteúdos que não há o que se discutir. Por exemplo, há um consenso da maioria esmagadora da sociedade de que usar essas redes sociais para a promoção e veiculação de pedofilia é inaceitável. Conteúdos que façam apologia ao fascismo, nazismo, ao holocausto, não tem o que se discutir também, mas há outros conteúdos que a questão não é tão simples e cristalina assim.
Hoje, nesta área de fake news há um avanço tecnológico muito grande, por exemplo no qual o cara pega um vídeo e insere características de outra pessoa, pega o áudio e troca, coloca paródia, conhecidas como “deep fakes”. Estão usando softwares de altíssima complexidade a partir de identificação visual, que alteram as imagens e os áudios. A pornografia na internet também usa muito esse recurso.Há conteúdos que são pornográficos e que retira o rosto de um ator e coloca no lugar o rosto de outro ator. Aqui no Brasil essa tecnologia ainda é pouco usada, já que custa muito caro.