Juiz desafia a LGPD e manda Anatel regulamentar quebra de sigilo cadastral sem ordem judicial

Agência coloca em consulta pública por apenas 10 dias alteração do Regulamento Geral dos Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações que obriga operadoras a cederem dados de usuários originadores de chamadas a usuários destinatários, sem necessidade de ordem judicial.

Obrigada por uma decisão judicial, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) inicia hoje, 18, consulta pública sobre inclusão em regulamento de permissão para operadoras quebrarem o sigilo cadastral de usuários sem que seja preciso qualquer ordem judicial.

A mudança deverá aparecer no Regulamento Geral dos Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações – RGC. Pelos termos da consulta, será acrescentado ao artigo 3º do regulamento inciso que autoriza o “acesso, independentemente de ordem judicial, quando for titular de linha telefônica destinatária de ligações, a dados cadastrais de titulares de linhas telefônicas que originaram as respectivas chamadas”.

Além disso, a consulta pública prevê que a prestadora deverá fornecer “nome completo e CPF ou CNPJ do originador da chamada, ao passo em que o titular da linha telefônica deverá fornecer à Prestadora, no mínimo, a data e o horário da chamada que foi dirigida à linha de que é titular e em relação à qual se quer obter os referidos dados”.

O texto é exatamente o que foi exigido pelo juiz 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe, que condenou a Anatel a criar tal norma, em dezembro de 2018, após uma série de recursos impetrados desde 2010, quando se deu a primeira sentença.

A consulta ficará disponível por dez dias. O prazo, menor que os 45 dias  exigido na Lei das Agências, deve-se à obrigação de agência cumprir ordem judicial até o final de janeiro. Uma vez aprovada pelo conselho diretor da agência e publicada no Diário Oficial, o que não tem prazo para ocorrer ainda, a redação passaria a vigorar em 180 dias.

Sigilo

O alerta de que a decisão do juiz do Sergipe tem implicação direta nos direitos à privacidade das pessoas e empresas foi feito, tanto ao juiz, como ao longo de todo o trâmite do processo dentro da Anatel.

“Apesar da referida decisão judicial entender que, juridicamente, não se trata de quebra de sigilo, em termos técnicos o processo acima descrito é exatamente o utilizado no processo de quebra de sigilo judicial”, escreveu a área técnica da agência em um dos informes do processo e na avaliação preliminar de impacto regulatório.

Uma AIR definitiva não chegou a ser feita sob argumento de que a ordem deveria ser obedecida independente do resultado do impacto regulatório.

Os técnicos da agência alertaram, ainda, para possíveis ilegalidades da decisão. “Para que seja possível à prestadora fornecer os dados cadastrais de acesso pertencentes a usuário de outra prestadora, esta última teria que ceder os dados à primeira, o que poderia configurar uma quebra ilegal do sigilo dos dados cadastrais deste usuário, vez que esses dados teriam de ser fornecidos primeiramente a uma parte não legítima para detê-los”, consta da AIR preliminar.

A agência tentou refutar a decisão, alegando que tem uma agenda regulatória a ser cumprida e trâmites internos que devem ser seguidos em função da Lei das Agências. Um representante chegou a se encontrar com o Juiz, sem, no entanto, conseguir reverter a ordem. No final, acordou em produzir o regulamento e colocá-lo em consulta pública ainda este ano, o que foi feito nesta sexta-feira.

A mudança do RGC, passando a prever a quebra facilitada de sigilo telefônico, mereceu crivo da Procuradoria Federal Especializada, que avaliou não haver saída uma vez que a nova regra decorre de sentença judicial.

Justiça irrefletida

Em seu voto sobre o assunto, dado na última reunião do conselho diretor, ontem, 17, o relator Moisés Moreira concordou que não seria possível desobedecer a ordem judicial. Mas chamou a decisão da Justiça de invasão sobre competência da agência.

“Não bastasse isso, a decisão judicial, sem qualquer justificativa plausível, concede um prazo extremamente exíguo para a regulamentação da matéria, ignora os prazos médios de um processo normativo, assim como o prazo mínimo legal de 45 dias para consulta pública previsto na Lei das Agências Reguladoras”, relatou Moreira.

Ele ressaltou que haverá custos para as operadoras cruzarem dados de CDRs entre si, o que já seria ilegal diante da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada ano passado, “vez que esses dados teriam de ser fornecidos primeiramente a uma parte não legítima para detê-los”. Lembra que há ainda implicações técnicas quase impossíveis de resolver, como quando chamadas são originadas fora do país.

“Há questões de ordem técnica, procedimental e legal envolvidas que não foram sopesadas pela sentença, não sendo permitido, porém, que a Anatel o faça, uma vez que o mérito já foi determinado e não há prazo suficiente para esmiuçar os impactos da matéria com o Setor, senão no intervalo da Consulta Pública”, concluiu.

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Rafael Bucco

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