Importação de fibra da China bate recorde e transforma a indústria nacional

Metade do mercado nacional já é atendido por importadoras de fibra óptica, mesmo com a alta do dólar. Fabricantes locais se adaptam investindo para manter participação no mercado e incorporando produtores menores.

A inundação de fibra óptica importada continuou em 2020 e está transformando o mercado brasileiro. Atendendo a demanda dos provedores regionais, importadoras aumentaram as compras externas de cabos ópticos da Ásia, tendo a China como principal país de origem.

Conforme levantamento realizado pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o Brasil importou US$ 154 milhões em cabos de fibra ano passado. A cifra representa um aumento de 29,15% em relação a 2019, e de 66,5% sobre 2018.

Os números mostram não só que a demanda é contínua, vinda na esteira da expansão das redes FTTH, como rivaliza cada vez mais com a produção local. Segundo Marcelo Andrade, vice-presidente do negócio de telecomunicações do Grupo Prysmian, o mercado brasileiro compra cerca de 10 milhões de quilômetros de fibra todo ano. E desse total, metade é feita no país, e a outra metade já vem de fora.

Uma das importadoras que mais se beneficiaram com o aquecimento do mercado decorrente da demanda dos provedores regionais é a OIW Telecom Solutions. A empresa se tornou ano passado a maior importadora. Em 2019 a empresa comprou de fora 306 mil km de fibra. Em 2020, o número saltou para 529 mil km, um crescimento de 72,4%.

Para este ano, Roberto Ferreira, sócio-diretor da OIW, projeta novo crescimento de dois dígitos, da ordem de 50%. “O mercado de ISP segue expandindo as redes de fibra óptica pelo interior do Brasil”, resume Ferreira. As marcas que mais vende aqui são a própria OIWTech, além de Fiberhome, Sumec e HT Cabos.

O enfraquecimento do real frente o dólar, que poderia ter brecado os negócios no exterior, foi compensado pelo barateamento dos produtos da China e pelo uso de ferramentas de proteção cambiais. Ainda assim, ele ressalta que se a alta continuar pode se transformar em um fator de risco para os negócios.

Inundação de cabos asiáticos

Os dados da Abinee, compilados a partir da base de dados do governo federal, o Siscomex, mostram que a participação da China nas importações de cabos ópticos do Brasil cresceu. Em 2019, representava 73% das importações. Em 2020, passou a 80%. Ou seja, dos US$ 154 milhões em cabos ópticos importados ano passado, US$ 123,9 milhões representam negócios com as empresas chinesas. Há ainda participações menores de produtos vindos da Coreia do Sul, Japão, Índia.

Conforme explicou Foad Shaikhzadeh, presidente da fabricante local Furukawa Electric LatAm ainda em dezembro, os fabricantes da China aumentaram a produção nos últimos anos a fim de atender a demanda por digitalização e em preparação à conexão óptica das estações 5G que se multiplicam naquele país. No entanto, a elevação da capacidade foi superior à demanda local.

A partir de então, disse Shaikhzadeh, os fabricantes de lá ampliaram o excedente destinado ao mercado exterior. Isso levou a um tombo nos preços – o executivo diz haver prática de dumping uma vez que o produto é vendido mais barato que o custo de produção.

Mais investimentos

Marcelo Andrade, do Grupo Prysmian, concorda com esse diagnóstico de está sobrando fibra na Ásia. “O mercado mundial consome cerca de 500 milhões de quilômetros de fibra por ano. A China representa metade disso. Não só em 2020, mas em 2019, 2018, os investimentos chineses em telecom não cresceram como os investimentos em cabos e fibras. O mundo esperava uma expansão mais rápida do 5G, e com a pandemia, deu uma atrasada”, avalia.

Segundo ele, o consumo de toda a América Latina equivale a 10% da produção chinesa. “Em um final de semana eles são capazes de atender nosso mercado”, resume.

Os efeitos da abundância mundial de cabos ópticos é a transformação dos mercados locais, inclusive no Brasil.

Conforme Andrade, o mercado está para peixe grande diante da competição com o exterior. A Prysmiam havia aumentado sua capacidade produtiva no Brasil em 25% para 2020, e ocupou toda essa capacidade. Já projeta mais investimentos para expandir a fábrica local.

“A gente imagina que o mercado brasileiro vai crescer ainda de 15% a 20% neste ano, e não queremos ficar para trás”, diz. Vale lembrar que o Grupo Prysmian tem também fábrica na China, onde, segundo Andrade, os custos de produção são cerca de 50% mais baixos.

Competição

A competição com o importado fez com que os grandes produtores, como Furukawa e Prysmian, concentrassem esforços em elevar a produção para não perder market share. Lutar para ganhar mercado pode resultar em uma guerra de preços em que o beneficiado será o importado, avaliam diferentes executivos ouvidos pelo Tele.Síntese.

Todos concordam que o mercado vai crescer, uma vez que a demanda dos ISPs seguirá forte este ano. Mas a ameaça dos importados é grande. A expectativa dos produtores locais é que o cliente valorize o serviço embutido nas ofertas nacionais. Mas reconhecem que pequenos produtores enfrentam dificuldades, enquanto os grandes buscam mater posição.

Pelo menos dois fabricantes menores, Nexans e Huber+Suhner, reviram seus planos para o Brasil nos últimos anos. A Nexans cortou custos e concentrou operações no Rio de Janeiro, após fechar ainda em 2018 unidade fabril no interior de São Paulo. Já a Huber+Suhner vendeu a linha de produção de cabos de fibra óptica para a Furukawa, negócio este aprovado pela Superintendência-Geral do Cade em setembro passado.

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Rafael Bucco

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