Decreto que regulamenta Marco Civil prevê fiscalização “tripartite”
O decreto que regulamentará o Marco Civil da Internet já está pronto. O novo texto, elaborado pelo Ministério da Justiça após uma série de consultas públicas, teria sido enviado ontem à Presidência da República. Segundo a Casa Civil, no entanto, o texto ainda não chegou, pois antes precisa do crivo de outras pastas. A redação procura endereçar as exceções à neutralidade de rede, atribui responsabilidades de guarda de dados e de fiscalização das empresas que fornecem o acesso à internet no país. A solução foi dividir o poder fiscalizador entre Anatel, MJ e Cade, cada um dentro de sua alçada – telecom, consumidor e ordem econômica.
Gerenciamento de rede
Pelo texto mais recente da minuta, as operadoras podem gerenciar o tráfego na rede restringindo a circulação de mensagens em massa (spam), ou para lidar com situações “excepcionais” de congestionamento de redes, como “redistribuição de carga, rotas alternativas em casos de interrupções da rota principal e gerenciamento em situações de emergência”. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deverá fiscalizar e apurar as infrações, com base em diretrizes do Comitê Gestor da Internet (CGI.br). As empresa também podem gerenciar as redes com o objetivo de preservar a “estabilidade, segurança e funcionalidade”, segundo parâmetro regulatórios da Anatel e diretrizes do CGI.br.
As operadoras deverão trazer nos contratos e divulgar claramente informações sobre suas práticas de gerenciamento de rede. Deverão descrever que práticas adotam, como isso afeta a qualidade do servições e justificar porque precisam realizar tais práticas. A priorização de tráfego só será permitida a serviços de emergência, e de forma gratuita.
Fiscalização
O decreto prevê quatro entes fiscalizando a aplicação das regras do regulamento. A Anatel faria a regulação, a fiscalização e a apuração de infrações conforme a LGT. A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, fará também fiscalização e apuração de infrações, sob a ótica do consumidor. As infrações à ordem econômica ficarão a cargo do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. E órgãos e entidades da administração pública deverão atuar considerando as diretrizes do CGI.br.
Zero-rating
O texto proíbe “condutas unilaterais”, ou seja, alterações nos contratos com o consumidor, que introduzam a priorização de pacotes de dados para fins unicamente comerciais ou que privilegiem aplicações da própria operadora. Abre, no entanto, margem para questionamento ao não deixar claro se acordo entre operadoras e terceiros ficam isentos – o que manteria ofertas de acesso ao WhatsApp e Facebook pelas celulares, por exemplo. A artigo proíbe, ainda, acordos que “comprometam o caráter público e irrestrito à internet”. Presente no artigo 9º do texto, essa redação pode indicar que as empresas não poderiam oferecer planos com oferta de acesso a apps sem desconto na franquia.
Acesso a dados cadastrais
O texto não detalha quais serão as autoridades que poderão pedir a acesso a dados cadastrais de clientes das provedoras de acesso. Diz apenas que a “autoridade máxima de cada órgão da administração pública federal” publicará relatórios com a quantidade de requisições feitas, a quais provedores de conexão, número de usuários afetados e de pedidos aceitos ou negados.
Define, porém, que as operadoras deverão guardar informações como filiação, endereço, nome, prenome, estado civil e profissão dos usuários. As autoridades deverão, porém, fazer pedidos de informação individualizados, ou seja, um pedido para se obter os dados de um cidadão por vez. Ficam impedidas de solicitar dados em massa de modo “genérico ou inespecífico”.
Confira, abaixo, o texto completo da minuta a que o Tele.Síntese teve acesso:
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Este Decreto trata das hipóteses admitidas de discriminação de pacotes de dados na internet e de degradação de tráfego, indica procedimentos para guarda e proteção de dados por provedores de conexão e de aplicações, aponta medidas de transparência na requisição de dados cadastrais pela administração pública e estabelece parâmetros para fiscalização e apuração de infrações contidas na Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014.
Art. 2º O disposto neste Decreto se destina aos responsáveis pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento e aos provedores de conexão e de aplicações de internet, definida nos termos do inciso I do caput do art. 5º da Lei nº 12.965, de 2014.
Parágrafo único. O disposto neste Decreto não se aplica:
I- aos serviços de telecomunicações que não se destinem ao provimento de conexão de internet; e
II- aos serviços especializados, entendidos como serviços otimizados por sua qualidade assegurada de serviço, de velocidade ou de segurança, ainda que utilizem protocolos lógicos TCP/IP ou equivalentes, desde que:
a) não configurem substituto à internet em seu caráter público e irrestrito; e
b) sejam destinados a grupos específicos de usuários com controle estrito de admissão.
CAPÍTULO II
DA NEUTRALIDADE DE REDE
Art. 3º A exigência de tratamento isonômico de que trata o art. 9º da Lei nº 12.965, de 2014, deve garantir a preservação do caráter público e irrestrito do acesso à internet e os fundamentos, princípios e objetivos do uso da internet no País, conforme previsto na Lei nº 12.965, de 2014.
Art. 4º A discriminação ou a degradação de tráfego são medidas excepcionais, na medida em que somente poderão decorrer de requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações ou da priorização de serviços de emergência, sendo necessário o cumprimento de todos os requisitos dispostos no art. 9º da Lei nº 12.965, de 2014.
Art. 5º Os requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações devem ser observados pelo responsável de atividades de transmissão, de comutação ou de roteamento, no âmbito de sua respectiva rede, e têm como objetivo manter sua estabilidade, segurança, integridade e funcionalidade.
§ 1º Os requisitos técnicos indispensáveis apontados no caput são aqueles decorrentes de:
I- tratamento de questões de segurança de redes, tais como restrição ao envio de mensagens em massa (spam) e controle de ataques de negação de serviço; e
II- tratamento de situações excepcionais de congestionamento de redes, tais como redistribuição de carga, rotas alternativas em casos de interrupções da rota principal e gerenciamento em situações de emergência.
§ 2º A Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel atuará na fiscalização e na apuração de infrações quanto aos requisitos técnicos elencados neste artigo, consideradas as diretrizes estabelecidas pelo Comitê Gestor da Internet – CGI.
Art. 6º Para a adequada prestação de serviços e aplicações na internet, é permitido o gerenciamento de redes com o objetivo de preservar sua estabilidade, segurança e funcionalidade, utilizando-se de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais que sirvam ao funcionamento da internet e observados os parâmetros regulatórios expedidos pela Anatel e consideradas as diretrizes estabelecidas pelo CGI.
Art. 7º O responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento deverá adotar medidas de transparência para explicitar ao usuário os motivos do gerenciamento que implique a discriminação ou a degradação de que trata o art. 4º, tais como:
I- a indicação nos contratos de prestação de serviço firmado com usuários finais ou provedores de aplicação; e
II- a divulgação de informações referentes às práticas de gerenciamento adotadas em seus sítios eletrônicos, por meio de linguagem de fácil compreensão.
Parágrafo único. As informações de que trata esse artigo deverão conter, no mínimo:
I- a descrição dessas práticas;
II- os efeitos de sua adoção para a qualidade de experiência dos usuários; e
III- os motivos e a necessidade da adoção dessas práticas.
Art. 8º A degradação ou a discriminação decorrente da priorização de serviços de emergência somente poderá decorrer de:
I- comunicações destinadas aos prestadores dos serviços de emergência, ou comunicação entre eles, conforme previsto na regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel; ou
II- comunicações necessárias para informar a população em situações de risco de desastre, de emergência ou de estado de calamidade pública.
Parágrafo único.A transmissão de dados nos casos elencados neste artigo será gratuita.
Art. 9º Ficam vedadas condutas unilaterais ou acordos entre o responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento e os provedores de aplicação que:
I- comprometam o caráter público e irrestrito do acesso à internet e os fundamentos, os princípios e os objetivos do uso da internet no País;
II- priorizem pacotes de dados em razão de arranjos comerciais; ou III- privilegiem aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento ou por empresas integrantes de seu grupo econômico.
Art. 10º As ofertas comerciais e os modelos de cobrança de acesso à internet devem preservar uma internet única, de natureza aberta, plural e diversa, compreendida como um meio para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória.
CAPÍTULO III
DA PROTEÇÃO AOS REGISTROS, AOS DADOS PESSOAIS E ÀS COMUNICAÇÕES
PRIVADAS
Seção I
Da requisição de dados cadastrais
Art. 11º. As autoridades administrativas a que se refere o art. 10, §º 3 da Lei nº 12.965, de 2014 indicarão o fundamento legal de competência expressa para o acesso e a motivação para o pedido de acesso aos dados cadastrais.
§ 1º O provedor que não coletar dados cadastrais deverá informar tal fato à autoridade solicitante, ficando desobrigado de fornecer tais dados.
§ 2º São considerados dados cadastrais:
I- a filiação;
II- o endereço; e
III- a qualificação pessoal, entendida como nome, prenome, estado civil e profissão do usuário.
§ 3º Os pedidos de que trata o caput devem especificar os indivíduos cujos dados estão sendo requeridos e as informações desejadas, sendo vedados pedidos coletivos que sejam genéricos ou inespecíficos.
Art. 12º. A autoridade máxima de cada órgão da administração pública federal publicará anualmente em seu sítio na internet relatórios estatísticos de requisição de dados cadastrais, contendo:
I- o número de pedidos realizados;
II- a listagem dos provedores de conexão ou de acesso a aplicações aos quais os dados foram requeridos;
III- o número de pedidos deferidos e indeferidos pelos provedores de conexão e de acesso a aplicações; e
IV – o número de usuários afetados por tais solicitações.
Seção II
Padrões de segurança e sigilo dos registros, dados pessoais e comunicações privadas
Art. 13º. Os provedores de conexão e de aplicações devem, na guarda, armazenamento e tratamento de dados pessoais e comunicações privadas, observar as seguintes diretrizes sobre padrões de segurança:
I- o estabelecimento de controle estrito sobre o acesso aos dados mediante a definição de responsabilidades das pessoas que terão possibilidade de acesso e de privilégios de acesso exclusivo para determinados usuários;
II- a previsão de mecanismos de autenticação de acesso aos registros, usando, por exemplo, sistemas de autenticação dupla para assegurar a individualização do responsável pelo tratamento dos registros;
III- a criação de inventário detalhado dos acessos aos registros de conexão e de acesso a aplicações, contendo o momento, a duração, a identidade do funcionário ou do responsável pelo acesso designado pela empresa e o arquivo acessado, inclusive para cumprimento do disposto no art. 11, § 3 da Lei nº 12.965, de 2014; e
IV – o uso de soluções de gestão dos registros por meio de técnicas que garantam a inviolabilidade dos dados, como encriptação ou medidas de proteção equivalentes.
§ 1º Cabe ao CGI promover estudos e recomendar procedimentos, normas e padrões técnicos e operacionais para o disposto nesse artigo, de acordo com as especificidades e o porte dos provedores de conexão e de aplicação.
§ 2º Tendo em vista o disposto nos incisos VII a X do caput do art. 7 da Lei nº 12.965, de 2014, os provedores de conexão e aplicações devem reter a menor quantidade possível de dados pessoais, comunicações privadas e registros de conexão e acesso a aplicações, os quais deverão ser excluídos:
I- tão logo atingida a finalidade de seu uso; ou
II- se encerrado o prazo determinado por obrigação legal.
Art. 14º. Para os fins do disposto neste Decreto, considera-se:
I- dado pessoal – dado relacionado à pessoa natural identificada ou identificável, inclusive números identificativos, dados locacionais ou identificadores eletrônicos, quando estes estiverem relacionados a uma pessoa; e
II- tratamento de dados pessoais – toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração.
Art. 15º. Os dados de que trata o art. 11 da Lei nº 12.965, de 2014 deverão ser mantidos em formato interoperável e estruturado, para facilitar o acesso decorrente de decisão judicial ou determinação legal, respeitadas as diretrizes elencadas no art. 13 deste Decreto.
Art. 16º. As informações sobre os padrões de segurança adotados pelos provedores de aplicação e provedores de conexão devem ser divulgadas de forma clara e acessível a qualquer interessado, preferencialmente por meio de seus sítios na internet, respeitado o direito de confidencialidade quanto aos segredos empresariais.
CAPÍTULO IV
DA FISCALIZAÇÃO E DA TRANSPARÊNCIA
Art. 17º. A Anatel atuará na regulação, na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997.
Art. 18º. A Secretaria Nacional do Consumidor atuará na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Art. 19º. A apuração de infrações à ordem econômica ficará a cargo do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, nos termos da Lei n° 12.529, de 30 de novembro de 2011.
Art. 20º. Os órgãos e as entidades da administração pública federal com competências específicas quanto aos assuntos relacionados a este Decreto atuarão de forma colaborativa, consideradas as diretrizes do CGI, e deverão zelar pelo cumprimento da legislação brasileira, inclusive quanto à aplicação das sanções cabíveis, mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, nos termos do art. 11 da Lei n° 12.965, de 2014.
Art. 21º. A apuração de infrações à Lei n° 12.965, de 2014, e a este Decreto atenderá aos procedimentos internos de cada um dos órgãos fiscalizatórios e poderá ser iniciada de ofício ou mediante requerimento de qualquer interessado.
Art. 22º.Este Decreto entra em vigor trinta dias após a data de sua publicação.