Após debate, projeto de lei que proíbe “fair share” sai de pauta
O presidente da Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados (CCom), deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), decidiu não pautar o projeto de lei que proíbe a implementação por parte das operadoras de uma taxa de rede a ser cobrada das plataformas digitais (PL 469/2024), que poderia ser analisado nesta semana. O objetivo é possibilitar mais tempo para que os dois lados sejam ouvidos pelos parlamentares.
“Vou retirar de pauta porque percebo que nós podemos melhorar muito o debate que envolve essa proposição de lei”, afirmou o deputado, após audiência pública sobre o tema, na tarde desta terça-feira, 3.
O adiamento da deliberação leva em conta a curta tramitação prevista para o projeto de lei, que passaria apenas pela CCom e pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sem necessidade de ir ao Plenário da Câmara. O entendimento é de que as duas últimas sessões do ano não seriam suficientes para “amadurecer” o projeto ainda no colegiado de Comunicação.
Apesar de deixar o tema fora de pauta por enquanto, há intenção de reincluir posteriormente. Para Silas Câmara, o Legislativo pode contribuir para um desfecho.
“Fair share” na Câmara
A cobrança de uma taxa de rede – também conhecida como fair share – é defendida pelas operadoras como forma de custear o investimento em infraestrutura demandado pelo tráfego das principais plataformas utilizadas no país, como de vídeo sob demanda (VoD) e redes sociais.
O projeto de lei em discussão, de autoria do deputado David Soares (União-SP), sugere alterar o Marco Civil da Internet para inserir a proibição da implementação da cobrança como uma forma expressa de “assegurar a manutenção dos princípios da neutralidade de rede”. Relatório já apresentado pela deputada Silvye Alves (União-GO) é pela aprovação.
Um dos impactos do projeto seria a impossibilidade de criação de uma cobrança apenas via regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), já que limita as possibilidades de tarifação do uso da infraestrutura de rede apenas ao que for previsto em lei.
Nesta tarde, uma audiência pública reuniu as diferentes visões sobre o tema. De um lado, as grandes operadoras, que defendem o fair share, e do outro os provedores regionais e plataformas digitais, contrários.
Opiniões
O presidente-executivo da Conexis, Marcos Ferrari, apresentou números que refletem os investimentos já pagos pelas operadoras, calculado em R$ 38 bilhões apenas em 2023 e, se considerados os últimos 23 anos, um montante de R$1,3 trilhão.
Os dados são usados para embasar uma das alegações, de que a taxa seria necessária para equilibrar a assimetria regulatória, no sentido de que as plataformas digitais dependem da rede para seus serviços mas não estariam pagando impostos proporcionais ou sujeitas a compromissos de investimento.
“O PL 469 encerra qualquer debate que possa haver para a melhoria do ecossistema. É o paradoxo do escorpião: ‘O escorpião não pode matar os sapos, senão os dois morrem afogados no rio’, aqui é a mesma coisa”, disse Ferrari.
Do lado daqueles que defendem o fair share, também falou Lucas Gallitto, diretor para América Latina da associação internacional de operadoras de telefonia (GSMA, na sigla em inglês).
“O futuro digital não é um destino que está garantido, precisa ser construído. É hora de repensar os privilégios e a lógica nascidos numa época em que a conectividade móvel era uma novidade em expansão. Colocar travas nessa discussão pode representar um grave retrocesso na redução de gaps digitais“, disse Gallitto.
Do outro lado do debate, o diretor-presidente da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), Mauricélio Oliveira, entende que as big techs já contribuem com a infraestrutura a partir dos CDNs (centros de distribuição de conteúdo). “Só dando um exemplo, seria como se as estradas com pedágio resolvessem cobrar uma taxa dos postos de gasolina, [sendo que] para passar pelas estradas é preciso abastecer”, comparou Oliveira.
Alessandro Molon, diretor executivo da Aliança pela Internet Aberta (AIA), que reúne plataformas digitais, reforçou os estudos já apresentados pela entidade, que estimam uma desaceleração no aumento da demanda de tráfego, e reforçou o argumento de que as big techs já estariam contribuindo com CDNs e cabos submarinos.
“Acabaria custando caro no bolso do usuário. […] Não é um mercado de dois lados, é uma dupla cobrança para um único serviço“, criticou.
Questionado pelo Tele.Síntese sobre o Congresso Nacional entrar na discussão antes que a Anatel apresente uma análise dos estudos apresentados pela AIA e pelas operadoras sobre o tema, Molon afirmou que “o Congresso tem toda a liberdade para dispor sobre isso também”. “A possibilidade de legislar jamais poderia ser negada ou adiada“, complementou.
Ainda de acordo com Molon, o texto atual do projeto de lei já seria satisfatório.
O consultor da Associação Neo, Aníbal Diniz, por sua vez, criticou alguns pontos da proposição.
“O PL não apresenta uma contrapartida social clara que justifique a intervenção. Qualquer medida que limite a liberdade econômica entre os agentes de mercado deveria ser respaldada por benefícios sociais amplamente demonstrados, como a universalização do acesso à internet ou a redução de custos para o consumidor final. Sem esses elementos a proposta corre o risco de criar barreiras artificiais para o desenvolvimento do mercado digital brasileiro em vez de promovê-lo”, concluiu Diniz.