Anatel não sabe qual bem estratégico da concessionária está com terceiros

A Anatel está prestes a lançar uma nova proposta de regulamento de bens reversíveis. Em recente acórdão, o Tribunal de Contas da União (TCU) fez uma série de exigências que poderá comprometer propostas menos patrimonialistas. O conselheiro Zerbone alerta que à medida em que se aproxima o fim da concessão prevalece o interesse de curto prazo da empresa e o regulador fica com menos recursos para agir

Mudança na regra da  reversibilidade dos bens das concessionárias de telefonia fixa torna-se cada vez mais urgente, à medida em que se aproxima a data do vencimento das concessões, que não poderão ser prorrogadas, em 2025. Esta convicção pode ser abstraída na nova análise do conselheiro Rodrigo Zerbone, sobre o pedido de venda do prédio administrativo da Telefônica, na Martiniano, processo que se arrasta na agência desde 2012. Mais importante do que a reiterada negativa à venda deste imóvel contida no voto do relator está a sua defesa da necessidade urgente de se repensar o modelo de reversibilidade dos bens, tendo em vista a assimetria entre os instrumentos de controle e informação entre o regulador e as empresas reguladas, à medida em que se aproxima o fim a concessão.

Conforme consta em seu relatório, a área técnica da Anatel reconheceu, por exemplo, que não consegue realizar uma “comparação quantitativa com relação ao nível de utilização de bens pertencentes a terceiros na concessão do STFC”. Além disso, admitiu que não há  regulamento da agência que  proíba que qualquer bem – estratégico ou não – possa ser contratado com terceiros.

Essas respostas foram feitas a diligências solicitadas por Zerbone, que considera o risco de  haver, ao final da concessão, e por um desalinhamento de incentivos às concessionárias, “um comportamento oportunista de maximização de ganhos  de curto prazo com a inviabilização econômica e operacional da concessão no longo prazo”.

Para ele, “isso ocorreria, por exemplo, com uma substituição maciça de bens próprios por bens de terceiros, em patamar muito superior ao nível de equilíbrio de médio e longo prazos”.  O conselheiro também não descartou a situação inversa, onde uma gestão que maximizasse o conjunto de bens próprios para além do nível de eficiência poderia colocar em risco  a continuidade do serviço.

 TCU

Embora Zerbone reforce a sua defesa por um amplo entendimento sobre o que seria reversível – “não são reversíveis  só bens no seu sentido jurídico (bens móveis e imóveis, nos termos da legislação civil), mas todos os bens no sentido econômico; assim, atividades e processos são reversíveis (isto é, os softwares, dados, departamentos e quadros de funcionários seriam transferidos a um novo operador); e bens compartilhados com outras atividades são inteiramente reversíveis ao regime público, se indivisíveis” –  ele  não tem a mesma posição patrimonialista recentemente demonstrada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em seu mais recente acórdão.

Ressalta, por exemplo, que, embora a agência ainda não tenha informações suficientes, acha que “os contratos de serviços somam a casa de bilhões de reais até o final da concessão, indicando que provavelmente a utilização de ativos estratégicos detidos de terceiros pode estar sob a forma de prestação de serviços e não a contratação de bens (contratos de aluguel)”.

Para Zerbone, se no decorrer do contrato a concessionária apresenta uma visão de longo prazo, somada às visões de curto e médio prazos, ao final da concessão a única visão que permanece é a de curto prazo. “O interesse de curto prazo se materializa, por exemplo, nos seguintes comportamentos possíveis: (i) deterioração financeira e elevação do endividamento da operação, cujo custo será arcado pelo novo operador; (ii) não realização das manutenções e reparos da rede, imputando tal custo ao novo operador; (iii) redução severa de custos operacionais (inclusive de pessoal), a fim de elevar lucratividade e distribuição de dividendos; (iv) migração de pessoal qualificado para outras atividades do grupo”.

Com este diagnóstico,  afirma  a agência reguladora deve agir, aumentando substancialmente suas atividades de comando e controle ao final da concessão. Mas, alerta o conselheiro, no fundo, a assimetria de informação poderá impedindo a ação mais eficiente em prol do  interesse público.

“ Por mais diligente e eficiente que um regulador seja, simplesmente pode não ser possível superar a barreira informacional, ao passo que, a depender da tecnologia da indústria, os desincentivos criados ao final do contrato podem ser severos, de forma que haja grande conflito entre os interesses da concessionária e o interesse público. Em um setor tecnologicamente dinâmico, como o setor de telecomunicações, que exige pesados investimentos, não só no início da concessão mas durante todo o período (e que há indícios de que são crescentes no tempo, notadamente ao se considerar serviços complementares como o SCM), este descompasso pode ser muito sério e comprometer a eficiência do setor. A depender do grau deste comprometimento, a própria continuidade do STFC em regime público pode ser ameaçada”.

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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