Marco Civil da Internet: no STF, organizações civis cobram cautela
O Supremo Tribunal Federal (STF) promoveu dois dias de debate sobre a responsabilidade civil de provedores de conteúdo pelos ilícitos cometidos pelos usuários por meio das plataformas digitais. O entendimento mais comum entre as entidades, pesquisadores e autoridades do poder público, é pelo “aprimoramento” das regras atuais.
O debate foca principalmente na constitucionalidade e interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet, o qual diz que “o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências”.
No primeiro dia de debates, nesta terça-feira, 28, houve a participação de representantes das principais big techs – Google, Meta, Twitter, TikTok – além de órgãos como MCom e Anatel.
Associações setoriais
No último bloco de expositores, realizado nesta quarta-feira, 29, a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel) se manifestou pela busca de “equilibrar as assimetrias existentes entre as empresas de mídias sociais e as empresas de mídia tradicional”.
“Essa assimetria é vista especialmente na atividade de vinculação publicitária. Enquanto as empresas de radiodifusão cumprem com todo rigor o arcabouço jurídico existente para veiculação publicitária, os provedores de aplicação ignoram a legislação”, afirmou o representante da associação, Aislan Vargas Basílio.
Já a Associação Brasileira de Internet (Abranet), por meio do advogado Carlos Affonso Souza, destacou que diversas empresas serão afetadas por qualquer mudança no artigo 19 e se posicionou em meio termo. “Soluções simples não vão resolver esse problema. Tanto é assim que é possível, e essa é a posição da Abranet, ser favorável à posição de constitucionalidade do artigo 19 e ao mesmo tempo ser favorável à regulação. Que exista aqui uma sensibilidade para que determinados assuntos precisam ser atualizados”, disse Souza.
No mesmo sentido de lembrar que outros setores podem ser afetados, a Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), representada pela advogada Cristiane Sanches de Souza Corrêa, defendeu que a regulação das plataformas siga princípios da prudência, “no sentido de se tomar uma decisão com cautela sem prejudicar a inovação”; da legitimidade, “no sentido de obter dessa regulação as bases democráticas”; e da conexão, que é “entender que a regulação de plataformas e a noção de responsabilidade civil nas redes ela vai além do que está principiologicamente previsto no Marco Civil”.
“Um dos preceitos básicos do conceito de conectividade significativa é justamente a atitude nas redes. Então, todos nós somos responsáveis […] A partir do momento em que a gente garante que o artigo 19 e a sua constitucionalidade seja preservada e mantida no meio digital, a gente permite que esses outros princípios e todos esses outros ganhos de confiança que são hoje discutidos no âmbito da Unesco sejam aprimorados no sentido de construção coletiva”, disse Corrêa.
A Assespro, representada por Adriele Pinheiro Reis Ayres de Britto, pontuou que eventual alteração deveria ser feita pelo Legislativo. “Criar judicialmente hipóteses sancionadoras, não previstas em lei ou até mesmo descartadas durante o processo [de construção], sob um argumento de uma pretensa inconstitucionalidade, trará para o setor que a Assespro tanto protege e tanto defende uma imensa insegurança jurídica”, disse ela, complementando ainda possibilidade do Judiciário “inibir o desenvolvimento de novos agentes que queiram empreender”.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), com o expositor Walter José Faiad de Moura, defendeu a constitucionalidade do artigo 19, com a manutenção da interpretação especificamente dada à relação de consumo. “O Idec defende a manutenção na interpretação conforme, ou seja, na constitucionalização do artigo 19, que haja uma interpretação conforme ao arcabouço do microssistema de proteção à defesa do consumidor, em especial a responsabilidade civil solidária e objetiva”.
“O celular na mão de uma criança hoje é um mecanismo de consumo […] Nós não podemos apagar da perspectiva a existência ainda de falhas de segurança no meio virtual, contas abertas sem o titular acionar a conta no serviço bancário, a publicidade abusiva ou enganosa, a publicidade contra a infância, a publicidade que é contra questões raciais ou de credo”, exemplificou Moura.
O diretor do Núcleo de informação e coordenação do Ponto BR (NIC.br) e Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Demi Getschko, também foi ouvido nesta tarde, defendendo a manutenção do artigo 19.
“Na minha leitura do artigo 19, ele não impede a remoção de conteúdo, muito pelo contrário. […] Devíamos evitar jogar fora algo que foi muito bem criado”, afirmou Getschko.
Pesquisadores
O STF também ouviu pesquisadores. O Instituto Internet no Estado da Arte (ISTART) e Instituto Norberto Bobbio (INB), por meio da advogada Patrícia Peck, entendem que “o artigo 19 do Marco Civil da Internet está em desconformidade legal”, por diversos motivos, entre eles, “ferir o princípio da proteção da dignidade humana e não prever claramente prazo razoável de atendimento de titular e de ordem judicial, por desbalancear o equilíbrio necessário entre os direitos fundamentais e por estimular ganho econômico em cima de monetização da demora do tempo transcorrido”.
Já Francisco Brito Cruz, Diretor Executivo, da InternetLab, defendeu que “a derrubada do artigo 19 sem a construção de boas definições de mecanismos que previnam o uso desse conceito contra a expressão legítima crítica e, mesmo a expressão de grupo socialmente menorizados, pode levar a uma situação de indefinição que será pior para os mesmos problemas que se quer resolver”.
A decisão sobre o tema caberá aos ministros do STF, que vão analisar o caso em Plenário, ainda sem data definida.