Revisão de normas para geração distribuída deixa teles em alerta
Os executivos das operadoras de telecomunicações estão atentos à provável mudança das normas que regulamentam o setor de geração distribuída (GD) de energia. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) iniciou este ano a revisão da resolução 482/12, causando tensão nas empresas. Todas as teles estão investindo pesado no conceito a fim de reduzir a dependência do mercado cativo, mais caro.
“Acho estranho que a Aneel queira discutir isso sem que a GD tenha se desenvolvido no Brasil”, diz João Pedro Neves, diretor de Suporte Financeiro ao Negócio da Claro Brasil. Para ele, haveria pressões das distribuidoras de energia para inviabilizar o conceito, uma vez que têm de conectar as usinas e compensar a auto-geração.
A seu ver, em vez de modificar as regras do segmento, a agência deveria se debruçar sobre outros problemas. “Nosso projeto vale R$ 2 bilhões e vem com um monte de inovações, é moderno e descentralizado, mas hoje as distribuidoras não obedecem prazos. Temos três usinas paradas há três meses porque a distribuidora não faz a conexão. A Aneel precisa tomar atitude em relação a isso, pois na resolução não há o que ajustar”, diz.
Na Vivo, a percepção é de que quanto menor a intervenção no modelo atual, melhor. “Acho que se o governo não dificultar, a gente segue num caminho bom. Mudar a regra do jogo gera instabilidade e as empresas cortam investimentos. Que não mude a regra do jogo. Nossa maior preocupação é, agora que estamos andando, que algo mude freando os projetos”, afirma Caio Silveira Guimarães, diretor de patrimônio.
Bruno Gentil, VP de Recursos Corporativos da TIM Brasil, reconhece que existem ruídos nas relações entre geradoras e distribuidoras, mas diz acreditar que isso acontece porque o mercado de GD ainda é incipiente. “É uma negociação, não é simples, mas não é complicada. Como uma linha de negócio nova, obviamente existe uma curva de aprendizado por parte dos parceiros”, defende.
A revisão da resolução 482 gera alguma apreensão, mas na sua opinião as empresas que investiram até aqui estão blindadas. “A legislação efetivamente nos deu permissão para fazer as usinas, sem nenhum risco jurídico. Temos investimentos de longo prazo, contratos longos, e o ambiente jurídico ajudou para que acontecessem. Os contratos estão válidos, até agora não tivemos nenhuma mudança nem alteração nas normas. Estas consultas são rotina”, afirma.
Early adopter
A mineira Algar Telecom foi a pioneira entre as operadoras a investir em geração distribuída. Seu primeiro site a usar energia solar foi ativado em 2013, ano seguinte à publicação da resolução 482 que definiu o conceito de GD. Na época, a geração devia se dar no local de consumo, e assim foi feito, em Uberlândia.
Em 2015, assim que foi publicada a resolução 687, que autorizou a compensação por geração remota, ativou mais 10 sites no entorno da cidade. Poderia comprar a energia de fontes mais distantes, mas preferiu apostar na proximidade entre a produtora e o local de consumo.
“É uma questão de sustentabilidade, que é um pilar que defendemos. Poderíamos investir em uma usina distante, mas não faz sentido, pois a distância eleva as perdas ao longo da rede, e queremos o máximo de eficiência”, diz Luis Lima – diretor de tecnologia e operações da Algar Telecom. De olho na oportunidade, a operadora ainda se tornou sócia da Alsol Energias Renováveis, empresa especializada em geração de energia a partir de fontes fotovoltaicas que acelerou como startup do programa Algar Ventures.
Hoje a tele mineira tem 12 sites rodando com energia solar. Metade do consumo da companhia vem do mercado cativo, 32% vem do mercado livre, e 18% da geração distribuída. A empresa consome 6,4 MW médio, e também espera que a Aneel não desestimule investimentos com as mudanças.
“A consulta pretende impor a cobrança pelo uso dos fios. Não é o momento de mudar. O mercado ainda é muito novo, deve ser mantido como está pois a penetração é muito baixa. Vamos apresentar na próxima audiência nossa proposta, que é não fazer mudanças, mas acrescentar uma modalidade de geração com compensação remota, mas junto de grandes cargas”, diz Gustavo Malagoli, presidente da Alsol.
Aneel
A agência já realizou duas audiências públicas para debater mudanças na resolução 482/12. Entre as quais há a previsão de cobrança de taxas para o gerador individual que deseja compensar o uso de energia própria ou jogar excedentes na rede nacional. Uma terceira, e derradeira, audiência acontecerá em Fortaleza (CE), em 11 de abril. O recebimento de contribuições vai até 21 de abril.
Finda esta etapa, a Aneel vai elaborar a minuta da resolução que dará lugar à norma 482, mas antes de votá-la, fará uma consulta pública. “A ideia é aprovar no final do ano para entrar com a nova regra no começo de 2020”, explica Rodrigo Limp, diretor da Aneel e responsável pela revisão da resolução na agência.
Segundo ele, esta revisão já estava prevista, foi pactuada entre a agência e representantes do mercado ainda em 2015, quando da publicação da resolução 687 (que permitiu a criação de consórcios para geração distribuída remota).
Limp afirma que, ao menos por enquanto, a autarquia foca o debate na compensação pelo uso da rede da distribuidora. A seu ver, as geradoras precisam pagar alguma coisa por usar a rede construída para benefício de toda a sociedade.
Na segunda metade do ano, com minuta pronta, a agência vai ainda ouvir propostas sobre os arranjos que permitem a consórcios explorar a GD remotamente. “Nesse caso, queremos simplificar o acesso, pois poucos consórcios foram viabilizados”, diz o executivo.
Operadoras terão de se adequar
Limp explica que projetos existentes não serão afetados logo no início, mas precisarão ser modificados com o tempo. “A mudança do modelo de compensação deve ser feita por gatilhos, conforme o potencial instalado por área de compensação. Um gatilho que estamos sugerindo seria de 3,3 GW médios para GD local e 1,25 GW médios para geração remota. Em nenhum estado o gatilho seria ativado já em 2020. Na média, eles deverão ser atingidos em 2024 para geração local, e em 2022 para a geração remota”, avalia.
Minas Gerais é o estado onde a GD está mais disseminada. Por isso, deve ser o primeiro estado a chegar no limite. Ali, todas as operadoras têm alguma iniciativa, o que as obrigará a adequar os projetos que têm por lá. E, apesar do aumento dos custos que haverá pelo pagamento da conexão com a rede da distribuidora, Limp calcula que os preços dos insumos da GD vão cair em poucos anos.
“Os preços de fabricação das unidades solares tendem a cair, o que tem trazido o payback para valores baixos. O payback tende a subir com a mudança na resolução, mas a queda nos preços dos cabos tende a compensar isso”, afirma.
Segundo ele, cobrar pelo uso da rede é um caminho sem volta para garantir que a GD seja sustentável no Brasil e para evitar que o consumidor de residências e empresas que não recorrem à produção própria pague o aumento das despesas das distribuidoras. “Hoje são 66 mil unidades geradoras no Brasil. É pouco, não tem impacto significativo no sistema, mas no longo prazo, calculamos que vão haver de 500 mil a 1 milhão de UGRs. Aí deixa de ser sustentável”, completa.