Qualcomm quer ser o chip do metaverso, que vê decolar em cinco anos

Hugo Swart, executivo da Qualcomm para o desenvolvimento do metaverso, defende regulação técnica e comercial para garantir que o novo ambiente digital tenha interoperabilidade e seja aberto a todos, como a internet.

A Qualcomm é fabricante do processador mais utilizado em smartphones no mundo, mas já está de olho nas oportunidades que o metaverso, a realidade virtual, a realidade aumentada, proporcionarão em grande escala. Nesta entrevista, Hugo Swart, vice-presidente para a área de XR, que engloba tais tecnologias, falou com o Tele.Síntese sobre o desenvolvimento do mundo virtual, quão perto está de nós e se é possível imaginar um futuro sem ele.

Segundo ele, atualmente estes produtos são de nicho, utilizados para aplicações profissionais e por gamers. Mas em cinco anos, acredita, já será considerado um produto de massa.

Ele defende que os governos precisam agir tanto para que os países não percam o bonde, como para garantir que o metaverso se torne diverso e aberto como é a internet de hoje em dia, com qualquer um podendo entrar, criar seu site, sua plataforma, ter seu endereço e participar.

“Será que em um primeiro momento o governo também não poderia entrar e tentar estimular esses produtos a entrarem no Brasil com um preço mais acessível?”, questiona, a respeito dos óculos utilizados para navegar no metaverso. Confira abaixo a conversa.

Tele.Síntese:  O que é o XR do seu cargo?

Hugo Swart, vice presidente de XR da Qualcomm: O XR é um termo que a gente usa para encapsular realidade aumentada, realidade virtual e também algo que a gente chama de mixed reality (realidade mista). Então, mais ou menos, XR é esse termo que a gente usa para identificar todas essas variantes de tecnologias imersivas.

A gente usa mixed reality [realidade mista] para identificar um dispositivo de realidade virtual, com câmeras que para enxergar o mundo real. Você passa a imagem da câmera para o display, então consegue ver a realidade aumentada em um dispositivo fechado.

No futuro isso tudo vai convergir. Obviamente, hoje os dispositivos já estão melhores que antigamente, mas a gente tem uma jornada e eles vão ficar com uma resolução mais alta, mais leves, com performance melhor. Isso está muito atrelado à visão do metaverso, a essa ideia de que você tem um mundo virtual, persistente, que todo mundo pode usar. Mas tem a versão de realidade aumentada e de realidade virtual.

Tele.Síntese: De que forma a Qualcomm investe nisso?

Swart: A Qualcomm, basicamente, tem quatro pilares de investimento. O primeiro é o nosso chip snapdragon, o nosso processador. O Snapdragon vai nesses dispositivos. Por exemplo, no óculos Meta Quest 2, que impulsionou muito a realidade virtual  para games como também para fitness (exercícios físicos) fora do Brasil. O chip que vai nele é o XR2. A gente tem duas linhas de produtos: XR1 e XR2.

A realidade virtual ou aumentada não servem só para aplicações de consumer, como jogos e fitness, mas também para aplicações comerciais, como treinamento de funcionários. Por exemplo, treinamento com maquinário, dá para disponibilizar uma máquina perigosa e colocar o funcionário em uma situação de risco virtual. Em fisioterapia, muitas vezes o paciente não consegue ir todos os dias na clínica, mas com a realidade virtual você pode fazer aplicações para estimular de forma remota o paciente a se movimentar. Enfim, já tem muitas aplicações hoje e vai só aumentar.

Tele.Síntese:  Isso já é pensando que a rede 5G vai ser capaz de entregar a capacidade de dados exigida para esse tipo de equipamento?

Swart: Isso tudo se baseia na conexão WiFi, mas obviamente o 5G será incluído. A vantagem do 5G para isso é que você pode fazer o processamento não só no dispositivo da sua cabeça, mas distribuir o processamento. Um pouco do processamento na nuvem, um pouco de processamento no aparelho.

Mas já se usa com o 5G em alguns casos. Por exemplo, um modelo de óculos da Lenovo tem um chip da Qualcomm XR1 que se conecta com o telefone e o telefone está conectado com a rede 5G. Apesar de o 5G não estar nos óculos ainda, a gente já usa 5G com realidade aumentada. Esses óculos se conectam por cabo ao celular, mas temos um modelo de referencia, que a Qualcomm disponibiliza para os fabricantes, que se conecta com o 5G e WiFi 6, e faz uma distribuição de processamento entre o óculos/telefone e telefone/nuvem.

Tele.Síntese:  São aplicações mais profissionais no 5G?

Swart: Sim e não. Hoje basicamente são profissionais, comerciais. Um exemplo clássico é o de assistência remota. Você tem um técnico em campo, com um equipamento e não consegue resolver, ao invés de voltar e chamar alguém com mais experiência, com esses óculos ele manuseia o equipamento, mandando um sinal por câmera para uma pessoa mais experiente no escritório. Então ele vê em tempo real, mas também pode fazer uma anotação virtual na frente do técnico e fazer uma sessão virtual conjunta. Esse é um exemplo clássico de realidade aumentada, mas a visão é que isso passe para o mercado consumidor também. Tanto na realidade virtual como na aumentada, o ponto que a gente quer chegar são interações sociais. Poderíamos estar tendo essa conversa aqui, eu em San Diego, representado por um avatar e você também para mim. Isso poderia ser feito tanto em realidade virtual como realidade aumentada. Esse é o caminho. Não só a Qualcomm, mas diversos players no mercado.

Tele.Síntese: Já tem empresas usando dessa forma?

Swart: Já está em uso. Os óculos da Lenovo é um produto comercial. Tem empresas usando. Os próximos vão ficar menores, mais capazes, mais inteligentes.

Tele.Síntese:  Quem usa óculos geralmente não gosta de usar óculos. Porque você acha que as pessoas vão abraçar um acessório deste tipo? Usar o óculos, ter que carregar o óculos, a dificuldade de limpar…

Swart: Eu não gosto de carregar isso no meu bolso, mas eu carrego porque tem um valor muito grande para mim. Vai chegar o momento em que a pessoa vai falar “o valor de eu usar é muito maior do que eu perder essa experiência”. A questão é que, não necessariamente você precisa de um dia para o outro. Pode ser uma coisa mais gradual. Agora eu vou jogar um jogo de tabuleiro digital, eu coloco os óculos. Agora vou fazer um trabalho. Agora vou desenhar em 3D, uso os óculos. O valor de usar por um tempo de 2 horas, por exemplo, é muito maior do que o de não usar nunca. É uma evolução natural.

Tele.Síntese:  É uma mudança cultural? Daqui quantos anos você acha que a nossa cultura estará abraçando essa ideia?

Swart: Não tenha dúvida! De zero ano, porque já existe, já são vendidas milhões de unidades desse produto. Tem gente o suficiente que já vê o valor, hoje. Quantos anos para todo mundo usar, na mesma distribuição que é o smartphone hoje? Não mais que cinco anos. Veja bem: smartphone é de 2005. Na época eu já trabalhava com telecomunicações e todos viam os benefícios, os cases… Mas pensávamos: vamos querer carregar um negócio grande assim? Vou querer ter câmera? Câmera é uma das principais funções do telefone atualmente. É uma mudança cultural e tecnológica que naturalmente vão acontecer, porque o valor é muito grande para o usuário.

Pode começar com aplicações corporativas, pode começar com nichos de mercado, mas com isso você vai gerando adoção e causa depois de alguns anos, uma revolução, que é o que aconteceu com o smartphone. Em 2007 você já tinha smartphone. Não era para todos, mas algumas pessoas pagavam a mais. É muito similar o que a gente espera que vá acontecer. Uma grande diferença do smartphone para XR, é que o smartphone continuou sendo uma tela retangular em duas dimensões. Quando a gente fala em realidade virtual e realidade aumentada, estamos falando na junção do espaço físico com o espaço digital.

Tele.Síntese:  Vocês tem o metaverso do Meta (Facebook) como o padrão desse espaço virtual?

Swart: É um grande cliente nosso, que tem investido enormemente e graças a isso estamos onde estamos hoje. Mas a Qualcomm também investiu bastante, foram mais de dez anos investindo em tecnologias de imersão, desde realidade aumentada (em telefone), onde desenvolvemos certos algoritmos que hoje passamos para os óculos. A Lenovo está começando. Na China, a Bytedance, dona do Tik Tok, comprou uma empresa chamada Pico. Há rumores que a Microsoft vai entrar.

Tele.Síntese:  A tecnologia que vocês desenvolvem é agnóstica, vai funcionar com qualquer um desses desenvolvedores?

Swart: Voltando àqueles quatro pilares de inovação. O primeiro, que falei, O nosso chip Snapdragon e as tecnologias, algoritmos que permitem controlar a experiência imersiva através da sua mão. Depois você tem rastreamento da posição da sua cabeça; imagina um objeto digital, que gera em tempo real um “quadro”, se você muda a posição da sua cabeça, o “quadro” tem que mudar também, então esse rastreamento do movimento da sua cabeça é muito importante. Nós temos algoritmos para isso. Em terceiro, fazemos modelos de referência, depois vem um cliente nosso e faz o design o dispositivo dele. E por fim, o mais interessante, e até por isso estou no Brasil, é discutir com desenvolvedores de conteúdos e aplicativos. Temos uma plataforma chamada “snapdragon spaces”, que é uma plataforma para desenvolvedores. Temos o SDK, que é um software que o desenvolvedor baixa para começar a desenvolver.

Tele.Síntese:  O mundo virtual vai estar à disposição de qualquer desenvolvedor?

Swart: Há uma discussão bem aquecida com relação a quão centralizado ou decentralizado vai ser o metaverso. Uma das discussões é com relação à APP Store. Nosso approach aqui é aberto, não estamos forçando ninguém a usar uma determinada APP Store. A intenção é realmente que consiga fazer para diversos dispositivos.

Tele.Síntese:  Qual é o Sistema Operacional? Cada um tem um?

Swart: Basicamente Android, quando eu tenho os óculos conectados ao telefone, uma vez que o processamento é distribuído.

Tele.Síntese:  Não vai ter óculos que não dependa de celular ou computador?

Swart: Vai ter! Tanto é que a realidade virtual é standalone e na maior parte das vezes em Android também. O HoloLens, da Microsoft, é standalone. A questão é a seguinte, se você quer fazer ele pequeno, é muito difícil fazer standalone porque é tudo uma questão de consumo de potência. Quanto maior a potência, mais calor gera. Se você quer fazer óculos pequenos, não pode gerar muito calor. Então, por isso faz-se essa distribuição de processamento, é possível fazer uma aplicação muito mais rica, porque você esta gerando pouco calor nos óculos e a maior parte no telefone.

Os óculos de realidade virtual são bem maiores. Qual a vantagem? Conseguem dissipar muito mais calor. Qual a desvantagem? Tamanho. Num futuro a gente espera que tenha 5G nos óculos e você vai fazer o mesmo tipo de distribuição de processamento, mas agora é entre o óculos e a nuvem.

Tele.Síntese:  Vocês veem esse form factor como um substituto de celular futuramente?

Swart: Em um futuro distante. Eu acho que ainda tem muito para ser desenvolvido para substituir o celular, mas não tenho dúvida que seja o dispositivo que pode substituir todos os demais. Vai ser uma transição. Agora, sempre tem uma vantagem de você ter algum processamento local. Você sempre vai consumir menos potência transmitindo para um dispositivo local do que para uma antena que está distante. Se você puder, você vai usar processamento em proximidade. A visão é que o mundo vá para um modelo de processamento distribuído, dinâmico e transparente para o usuário. O usuário não saberá onde está acontecendo o processamento, se é nos óculos, se é no computador, se é na rede.

Tele.Síntese: Isso pode se tornar barato a ponto de ser um produto para as massas?

Swart: Como toda tecnologia de ponta, quando o mercado é menor, naturalmente o preço é maior, então, fica esse ciclo de quanto maior a escala, os preços tendem a diminuir. No mercado brasileiro é um ponto importante a se olhar. Será que logo de cara vamos fazer produção local? Será que em um primeiro momento o governo também não poderia entrar e tentar estimular a esses produtos entrarem no Brasil com um preço mais acessível? Tem o fator da indústria, que é uma indústria recente, tem muitos componentes novos, por exemplo, os displays, partes ópticas. Precisa chegar em uma escala para baratear e tem as politicas locais, que podem incentivar a terem estes dispositivos no mercado local.

Tele.Síntese:  Que tipo de regulação comum, de característica comum que tem que ser definida para o dispositivo “vingar” no mundo todo?

Swart: São várias, técnicas e comerciais. Do ponto de vista técnico são as APIs, que precisam ser padronizadas. Em termos comerciais, são questões de interoperabilidade. Se estou em um ambiente no metaverso  com uma roupa digital comprada ali, por exemplo, e vou para um outro metaverso, eu posso levar a roupa?

Tem alguns paralelos com o mundo real, por exemplo, a relação entre países são relações comerciais, tem taxa, tem restrições. Essa discussão está bem insipiente, mas a parte técnica é importante, justamente para ter aquele fator de escala.

Tele.Síntese: O metaverso na visão de vocês tem que ser aberto e descentralizado?

Swart: A definição da Qualcomm para o metaverso é mais ou menos igual ao falar da internet. Têm duas internets, três internets? Não. Internet é internet. Mas você tem mundos, você tem só website, você tem só plataforma. Metaverso é um, mas você pode ter plataformas, você pode ter mundos, e aí a questão é se eu posso fazer um paralelo com games, por exemplo, se eu tenho algo digital nesse game, como eu faço para levar para outro game? Você tem esse problema hoje mesmo com a internet. O que a Qualcomm quer é conseguir harmonizar os pilares, porque não estamos nós mesmos fabricando esse mundo, mas a gente estimula o mercado se tem coisas em comum que facilitam o desenvolvedor, facilitam o fabricante, e ai ganha mais escala.

Tele.Síntese:  Eu entendo que o Facebook está promovendo mais o Metaverso. A visão do Google, por exemplo, é mais de realidade aumentada e menos realidade virtual, não? Que disputa industrial existe entre esses universos digitais, e na sua perspectiva qual vai prevalecer?

Swart: O metaverso é um só. O Facebook mudou o nome dele para Meta. Obviamente a empresa esta investindo bastante em tecnologias como computação espacial, Metaverso, está tudo mais ou menos relacionado em XR. Eu acho que o mais interessante é procurar os CEOs dessas empresas e ver o que eles falam, e se você procurar vai ver que a grande maioria das empresas de tecnologia vê o metaverso como uma grande oportunidade, assim como a internet foi.

Tele.Síntese:  Mas não está em disputa um modelo definitivo, se vai ser mais imersivo em realidade virtual, ou mais baseado em realidade aumentada?

Swart: Vai ter um espectro de realidades. Totalmente digital, realidade virtual, realidade aumentada. Vai ser cada vez mais difícil distinguir um em relação ao outro. Você tem caminhos que vão em paralelo, mas a visão da junção do mundo digital com o virtual é bastante similar. Acho que ninguém vai disputar isso.

Tele.Síntese:  E o papel da Qualcomm é fornecer o chip, os algoritmos, que é o que faz tudo isso funcionar, não importa em qual desses universos. Mesmo que eles se consolidem, vai estar a Qualcomm por trás.

Swart: O que não é algo novo para a Qualcomm. A Qualcomm no geral tem o papel de possibilitar novas indústrias com a nossa tecnologia e nossos produtos. Smartwatchs, automóveis, o móvel, obviamente. Então o papel da Qualcomm é investir cedo para poder criar produtos e tecnologias para possibilitar novas indústrias. E é o que estamos fazendo aqui.

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Rafael Bucco

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