“Precisamos mudar a cultura do litígio”, diz Samantha, administradora judicial da RJ da Oi
A assembleia geral dos credores da Oi, promovida na terça-feira passada, 8, seguiu a lógica dos processos coletivos de recuperação judicial em que todos ganham e perdem um pouco quando cedem para o sucesso das negociações. É o que avalia a advogada Samantha Longo, sócia do Escritório Arnoldo Wald, administrador judicial do processo que envolve empresas ligadas ao Grupo Oi. Ela se baseia no fato de que o aditivo recebeu votos contrários de apenas 131 dos 5.194 participantes da AGC.
“Evidentemente que, em um processo de recuperação judicial, todos perdem um pouco; todos têm que ceder”, afirmou a advogada ao Tele.Síntese. “Gosto muito de pensar no modelo de negociação da escola americana de Harvard, onde todos ganham um pouco; você não entra em uma negociação para esmagar o outro lado. Negocia pensando em ajudar a outra parte a também escrever seu discurso de vitória”, complementou.
De acordo com Samantha Longo, o próximo passo do processo será a 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro decidir se homologa ou não o aditamento ao plano de recuperação judicial para permitir a venda de ativos, como a Oi Móvel, até o final de 2021, conforme cronograma apresentado pela Oi, devendo levar manifestações do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), d0 Ministério da Justiça, e da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Segue, abaixo, a entrevista da advogada, que lançou antes da assembleia um livro sobre recuperação judicial e solução de conflitos.
Tele.Síntese: Quem ganhou na assembleia geral dos credores?
Samantha Longo: Acho que não tem vencedor ou perdedor. O Grupo Oi apresentou um aditivo ao PRJ que foi aprovado por um número expressivo de credores. Foram apenas 131 votos contrários, num universo de mais de 5 mil credores. Isso mostra que os credores receberam bem as propostas das companhias. Evidentemente que em um processo de recuperação judicial todos perdem um pouco; todos têm que ceder. Esta é a lógica desses processos coletivos. Gosto muito de pensar no modelo de negociação da escola americana de Harvard onde todos ganham um pouco; você não entra em uma negociação para esmagar o outro lado. Negocia pensando em ajudar a outra parte a também escrever seu discurso de vitória.
Tele.Síntese: Quais os novos riscos para a conclusão do processo de recuperação judicial? Como será monitorado o cumprimento do cronograma do plano? Como serão os leilões das UPIs?
Samantha Longo: Aprovado o aditivo ao plano de recuperação, caberá ao Poder Judiciário exercer o controle de legalidade. Estamos nesse momento: o juízo da recuperação vai decidir se homologa ou não o aditivo. A partir daí, o Grupo irá promover os atos de alienação dos ativos, promovendo os leilões das UPIs [Unidades Produtivas Isoladas]. O Cade e a Anatel também irão se pronunciar. Nós fiscalizaremos o cumprimento do cronograma e prestaremos todas as informações aos credores, ao Ministério Público e ao juízo, através de relatórios mensais apresentados no processo.
Tele.Síntese: O melhor caminho para uma empresa em dificuldades é a RJ?
Samantha Longo: A empresa em dificuldade financeira tem alguns caminhos a seguir. Ela pode se reestruturar em um processo de negociação direta com seus credores, pode se utilizar de uma recuperação extrajudicial e pode requerer o processamento de uma recuperação judicial. Todos são ótimos instrumentos para o soerguimento de empresas e a utilização de um ou de outro depende muito do caso concreto.
Eu, particularmente, acredito muito no momento pré-processual, uma tentativa de negociação prévia ao ajuizamento de um processo. A recente recomendação 71/2020 do Conselho Nacional de Justiça vem nessa linha ao recomendar aos Tribunais de todo o Brasil que criem CEJUSCs Empresariais, um espaço dedicado a solucionar conflitos empresariais.
Tele.Síntese: A AGC da Oi a maior assembleia geral de credores já realizada no Brasil de forma virtual. Como foi essa experiência?
Samantha Longo: Foi uma experiência incrível. Já havíamos realizado em 2017 a maior AGC presencial da América Latina, que contou com a participação, direta ou por representantes, de mais de 36 mil credores do Grupo Oi. Agora, para votarem o aditivo ao PRJ, foram mais de 5 mil credores cadastrados na plataforma virtual. Um grande desafio, já que nunca havia sido feita uma assembleia virtual com tantos acessos simultâneos. Além do número expressivo, a organização também teve que se dar em tempo recorde. Começamos os trabalhos às 8h e encerramos às 23h, com o aditivo aprovado pelos credores e com pouquíssimos credores com dificuldades técnicas, todas solucionadas no curso da AGC.
Tele.Síntese: A recuperação judicial do Grupo Oi tem números que impressionam. Como tem sido atuar como AJ (administrador judicial) neste processo?
Samantha Longo: Os números realmente são chocantes. O processo tem quase 500 mil folhas. Se não fosse eletrônico, teria cerca de 2400 volumes. Listamos, em 2017, na relação de credores, nada menos do que 55 mil pessoas. Já são mais de 42 mil impugnações de crédito apensadas aos autos principais. Examinamos, até agora, 27 mil ofícios encaminhados por juízos onde tramitam processos de credores extraconcursais. Além desse volume gigante de trabalho, que exige muita disciplina e uma equipe extremamente preparada e comprometida, os desafios jurídicos do processo são constantes. Muitas questões inéditas, nunca antes enfrentadas pela doutrina ou vistas na prática, surgiram nesse processo e, com tantos personagens envolvidos, é preciso trabalhar com muita calma e bom senso.
O processo me rendeu duas úlceras, mas, por outro lado, me deu uma experiência única. Participar de um processo onde atuam tantos profissionais competentes é um presente.
Tele.Síntese: A senhora recentemente lançou um livro no qual destacou a mediação como fator de sucesso na recuperação da Oi. Poderia falar a respeito?
Samantha Longo: Sou encantada com os métodos adequados de solução de controvérsias, como a mediação, a conciliação e a negociação e entendo que eles são absolutamente compatíveis com a recuperação empresarial. Como integrante do grupo de estudo criado pelo CNJ, tive a honra de participar da elaboração da Recomendação 58/19 que estimula o uso desses métodos de autocomposição nos processos de insolvência. Acabei de escrever com o magistrado e professor Antonio Evangelista de Souza Netto uma obra que trata justamente do tema: “A Recuperação Empresarial e os Métodos Adequados de Solução de Conflitos”.
Na recuperação do Grupo Oi, as devedoras fizeram mais de 50 mil acordos com seus credores, em plataformas digitais. A mediação presencial também já trouxe inúmeros benefícios ao processo e às partes envolvidas. Mesmo nos casos em que um acordo não foi alcançado, a mediação proporcionou ganhos aos envolvidos.
Precisamos mudar nossa cultura do litígio e formar uma geração de indivíduos que pensem mais na solução pacífica do conflito do que no litígio. O bom advogado não é mais aquele que ganha uma ação judicial para seu cliente e sim aquele que resolve o problema do cliente, de forma inteligente, célere e menos custosa, tanto financeira como emocionalmente.