PIS/Cofins: Fazenda Nacional leva decisão sobre interconexão e roaming ao STF
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) protocolou nesta semana um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando o reconhecimento da incidência de PIS/Cofins sobre interconexão e roaming, fatia volumosa nas contas das teles. Na prática, o órgão quer a revisão da decisão emitida em setembro pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que confirmou a exclusão da receita oriunda de tais operações da base de cálculo dos tributos.
O tema ronda o setor de telecomunicações nos últimos anos como um desdobramento da tese firmada pelo Supremo em 2017, de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins” (Tema 69) por conta da justificativa, que é não incorporar o patrimônio do contribuinte. A partir disso, surgiu o questionamento se a mesma tese poderia ser aplicada no caso do roaming e interconexão, por envolver serviços de terceiro e, portanto, tratar de receita que deve ser repassada.
O debate se tornou objeto de processos envolvendo a Oi e a Fazenda Nacional no STJ. A operadora alegou que “na situação de roaming, a remuneração recebida dos usuários é revertida para custear os gastos com a subcontratação do uso da rede de outra operadora”, com isso, tais valores “não são receita sua [da Oi], mas de terceiros”. Já o órgão de cobrança não vê relação direta entre o decidido pelo STF sobre o ICMS com a interconexão e o roaming.
Duas interpretações
A princípio, houve uma divergência sobre o tema no STJ. O debate começou a tomar forma em outubro de 2018, quando a 2ª Turma negou o pedido da Oi para afastar a incidência, adotando o entendimento do relator à época, Mauro Campbell Marques, de que, no caso do roaming e interconexão, “não se está a falar de valor correspondente a tributo arrecadado pela empresa para repasse ao Fisco, mas sim de valor pago pelo usuário à empresa de telefonia que esta usa para pagar o contrato que firmou com outra empresa de telefonia (subcontratação de serviços)”.
Três anos depois, em novembro de 2021, foi a vez da 1ª Turma do STJ, que decidiu favoravelmente a outro pedido da Oi para excluir o PIS/Cofins da base de cálculo das receitas de roaming e interconexão, também por unanimidade. A relatora neste caso, ministra Regina Helena Costa, entendeu que “cuidam-se de somas destinadas a outra operadora daquele sistema, em conformidade com a política regulatória nacional das telecomunicações, não havendo legitimidade para a incidência”. A partir disso, concluiu que a base do tributo “há sempre de guardar pertinência com aquilo que se pretende medir, não podendo conter aspectos estranhos”.
No ano seguinte, em 30 de maio de 2022, a ministra Assusete Magalhães admitiu o recurso da Fazenda que apontou a controvérsia entre a 1ª e 2ª Turmas (embargo de divergência), sendo assim, ficou previsto que os colegiados deveriam decidir juntos sobre o caso, no âmbito da Primeira Seção.
“Fim” da divergência
A controvérsia em questão foi analisada pela Primeira Seção no dia 11 de setembro, sob relatoria do ministro Teodoro Silva Santos, que votou por confirmar a exclusão das receitas de interconexão e roaming da base de cálculo do PIS e da Cofins, e foi seguido por unanimidade. Ele destacou que a operação de compartilhamento é obrigatória pelas concessionárias.
“A empresa de telefonia, ao cobrar em fatura única todos os serviços prestados ao consumidor, deve incluir o valor correspondente à utilização de interconexão e roaming, valores estes que não lhe pertence, mas sim a quem efetivamente prestou o serviço. Ou seja, aquelas outras operadoras do sistema que disponibilizaram suas redes por força de imposição legal para operacionalização das telecomunicações”, disse o magistrado.
O ministro fez referência ao voto da ministra Regina Helena, na 1ª Turma, quanto ao entendimento de que ao decidir pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, o STF “analisou importante aspecto da controvérsia: a definição do conceito de faturamento/receita na qual se insere a parcela do numerário que embora ingresso no fluxo de caixa não se incorpora ao patrimônio do contribuinte”.
“Portanto, os valores arrecadados dos usuários pelas operadoras de telefonia referente à interconexão e roaming a serem repassados a outras operadoras pelos serviços prestados, por não integrarem o patrimônio de contribuinte, não configuram receita/faturamento e, portanto, não compõem as bases de cálculo das contribuições para o PIS/Cofins”, afirmou Santos.
Sobre o alcance da interpretação do STF, o relator ressaltou que “é inadequado o argumento de que seria necessário expressa previsão legal para excluir os valores em discussão da base de cálculo das contribuições, uma vez que se tais valores não configuram faturamento, não há o que se falar em exclusão mais pura e simplesmente em caso de não incidência”.
Argumentos da Fazenda
Durante o julgamento no STJ, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, representada pelo procurador Euclides Sigoli, detalhou os questionamentos do órgão. A principal alegação é pela necessidade de se estabelecer uma diferenciação entre lucro e faturamento, com base na jurisprudência do Supremo, no sentido de que o faturamento é “a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza”.
“O termo faturamento, portanto, diz respeito à receita bruta operacional que, nada mais é, do que o conjunto de ingressos oriundos da realização do objeto social da empresa na sua atividade principal. Já o lucro, por sua vez, é o faturamento menos os custos desembolsados pela empresa. E no presente caso, a contribuinte [Oi] pretende aproximar o faturamento do lucro, na medida em que ela pretende subtrair do faturamento uma de suas despesas. E essa pretensão promoveria uma distorção no desenho constitucional que se faz do fato gerador e da base de cálculo estabelecidos pela constituição federal”, afirmou Sigoli em sustentação.
Na visão da procuradoria, “o usuário tem uma relação contratual apenas com a empresa de telefonia que ele contrata” e “não com a concessionária da rede visitada”, justamente isso “evidencia que o faturamento é tido pela empresa contratada”, pois seria ela quem fatura.
“Um outro dado importante é que o valor recebido do usuário muitas vezes não é totalmente repassado à concessionária da rede visitada. Então, cobra-se determinado valor do usuário e se repassa um valor menor. Isso evidencia que quem fatura, efetivamente, é a empresa contratada pelo usuário. Ela inclusive aufere lucro dessa atividade de intermediação”, acrescentou o procurador na ocasião.
A defesa da Fazenda também aponta um precedente do STF ao analisar as operações de cartões de crédito (Tema 1024), que poderia ter a mesma lógica aplicada às operações de interconexão e roaming.
“O Supremo decidiu nesta matéria que o valor retido pela administradora de cartão de crédito, ali no ato do pagamento, ainda compõe o faturamento da empresa que fornece o serviço ou a mercadoria […] Inclusive, no julgamento do Tema 1024, o voto do ministro Luiz Fux, de forma bastante precisa, registra que o tema não se confunde com a razão de decidir do Tema 69 de repercussão geral, que tratou de ICMS na base de cálculo de PIS/Cofins”, exemplificou.
No STF, o recurso da Fazenda Nacional foi autuado nesta quinta-feira, 21, e não tinha relatoria distribuída até a última atualização desta reportagem.