PGR vê irregularidades no acordo Telebras/Viasat

[Atualizado] Raquel Dodge entende que Telebras alterou condições do chamamento público de 2017 para fechar acordo com a Viasat, enxerga risco ao erário e à soberania nacional. Telebras diz confiar que poderá esclarecer o assunto no Judiciário.
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O SGDC-1, ainda embalado e dentro do avião em que foi levado para a base de lançamento, na Guiana Francesa, em 2017

A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, emitiu hoje (8) para o STF um parecer sobre o acordo firmado entre a Telebras e a empresa norte-americana Viasat. No texto, recomenda que o contrato siga suspenso, como determinado pela Justiça Federal.

Para a procuradora, sobram estranhezas no acordo. Dodge lembra que a Telebras foi orientada pelo TCU a garantir, ainda no chamamento público de 2017, que houvesse contrapartida social para uso do satélite. A seu ver, essas contrapartidas não foram mantidas no contrato com a Viasat.

“Ao se levar em conta as premissas assentadas pelo Tribunal de Contas da União no citado Acórdão 2033/2017, fica muito difícil não notar irregularidades na parceria em questão, restando claro que a estatal não adotou as recomendações do órgão de contas”, diz.

Pressa

Ela também critica a velocidade com que a Telebras encontrou uma operadora no exterior para explorar 100% da capacidade de banda Ka do satélite SGDC-1. Para Dodge, a Telebras deveria ter feito novo chamamento público antes de firmar acordo com uma só empresa. A estatal também não podia ter alterado as condições de exploração do artefato brasileiro, cedendo 100% da capacidade em banda Ka.

“A Telebras não demonstrou a impossibilidade de repetição da seleção e tampouco manteve as condições estabelecidas no leilão anterior para a contratação direta”, pontua Dodge.

Mais à frente no seu relatório, ela explica: “o edital de chamamento público previa o leilão em lotes, de forma setorizada, para contemplar empresas do ramo de telecomunicações (…) a outorga de 100% da operacionalização da banda de responsabilidade da estatal causa perplexidade e gera dúvidas acerca de possíveis privilégios ao particular, tratamento desigual entre os interessados e prejuízo ao erário”.

PNBL e soberania

A PGR reclama ainda de faltar no contrato, ao menos o quanto foi disponibilizado no processo, garantias de cumprimento do Programa Nacional de Banda Larga – PNBL, uma determinação prévia feita pelo TCU. E soma-se ao coro que enxerga no negócio um risco à soberania nacional.

“É sim temerário que 100% dos dados operacionalizados na banda Ka do satélite brasileiro – incluindo as referidas demandas da Administração Pública – estejam sendo compartilhados com a empresa americana Viasat, principalmente levando-se em consideração que as regras de confidencialidade das informações firmadas entre as parceiras não são conhecidas. Tampouco sabe-se acerca das obrigações da organização estrangeira para com o seu
Estado-nação”, escreve Raquel Dodge.

Para ela, o TRF-1 acertou um barrar o acordo liminarmente, e em mantê-lo suspenso a menos que o STF determine o contrário. Isso porque, ao ver da PGR, os riscos ao Brasil  podem ser maiores que o atraso na execução de políticas públicas de conectividade. “Tal consequência é ditada pela necessidade de, cautelarmente, preservarem-se bens maiores, como a lisura da ação administrativa, o patrimônio público e a defesa da soberania nacional”.

Telebras

[Atualizado] Em nota, a Telebras diz que vai esclarecer as questões no Judiciário. “A Telebras informa que solicitará nova oportunidade junto às instâncias do Judiciário para esclarecer a lisura do processo de parceria com a Viasat e oferecer todas as informações sobre o contrato ao Poder Judiciário. Ciente das suas responsabilidades, a Telebras confia na atuação da Justiça a fim de manter a implementação dos objetivos do Programa Nacional de Banda Larga”, diz a empresa.

Contexto

A Telebras lançou em maio de 2017 o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC-1). No final do mesmo ano, fez um chamamento público para leiloar a capacidade civil em banda Ka do artefato. Com regras de uso mínimo de feixes para o PNBL, o leilão terminou vazio.

No começo deste ano, a estatal anunciou uma parceria com a Viasat. Pelo acordo, a operadora norte-americana poderia explorar comercialmente 100% da capacidade do satélite, além de fornecer serviços para que a Telebras atenda ao programa Gesac, do MCTIC.

Um provedor de acesso do Amazonas, chamado Via Direta, acionou a Justiça e pediu a suspensão do acordo entre a estatal e a Viasat. Alegou que vinha negociando previamente e foi induzido a fazer investimentos para iniciar a exploração de parte da capacidade do satélite. A justiça do Amazonas primeiro, e em seguira, a Federal, cederam liminar à Via Direta suspendendo o acordo.

O caso já está no STF, onde a Telebras pede reversão da liminar. A estatal argumenta que não há ilegalidade no contrato e que a suspensão vem prejudicando as políticas públicas de conectividade Gesac, Educação Conectada e Internet para Todos.

O Sindisat, entidade que representa operadoras de satélite que atuam no Brasil, também move ação para ter acesso ao contrato que a Telebras firmou com a Viasat. O Sinditelebrasil, que reúne operadoras, também foi à Justiça, mas em seu processo questiona a legalidade de a Telebras ter sido escolhida para atender o programa Gesac sem licitação.

[Atualizado às 20h30 com posicionamento da Telebras]

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Rafael Bucco

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