Para AGU, compartilhamento de dados com os EUA tem limite
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quarta-feira, 28, o julgamento da ação que discute acordo de compartilhamento de dados entre Brasil e Estados Unidos, em sessão que contou com manifestação da Advocacia Geral da União (AGU). O representante da União defendeu que a legislação brasileira está acima do acordo, embora este seja válido.
O caso analisa a constitucionalidade do MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty), sigla em inglês que representa, no caso, o Acordo de Assistência Judiciária-Penal entre os governos brasileiro e estado-unidense.
O MLAT é o mecanismo que deve ser acionado pelo judiciário para obter dados de usuários hospedados por empresas com servidores nos Estados Unidos, por exemplo.
Na sessão desta tarde, a Advocacia Geral da União (AGU) defendeu atribuir caráter apenas “complementar” ao MLAT para que a legislação brasileira, especialmente o Marco Civil da Internet (MCI), seja predominante no caso de provedores de conteúdo que tenham representantes no Brasil.
O tema está em debate no âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 51, ajuizada pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional), com objetivo de validar o Decreto 3.810/2001, que promulgou o MLAT. Para a entidade, a regra tem que ser utilizada quando autoridades judiciais precisarem do acesso a dados de usuários que são gerenciados por provedores de aplicativos com sede no exterior, como o Facebook.
O principal objetivo da Assespro é evitar que os pedidos de informações ocorram de formas diversas como ocorre atualmente, como quando as empresas são intimadas diretamente, sem o intermédio do Ministério como previsto no acordo.
A associação cita que o MLAT não tem sido seguido pelas autoridades judiciais “por entenderem que essas normas não constituem a via processual cabível”, mas que o acordo está em conformidade com o que prevê o Marco Civil da Internet (MCI) pois ele “ordena que os princípios por ele estabelecidos não excluem outros previstos no ordenamento jurídico ou em tratados e acordos internacionais”.
O que diz o MLAT
O texto do acordo define o Ministério da Justiça como “Autoridade Central” nas solicitações de dados a serem feitas pelo Brasil e coloca o Procurador-Geral nos EUA “ou pessoa por ele designada” como destinatário dos pedidos.
O MLAT prevê que “o Estado Requerido (Brasil ou EUA) pode fornecer, mesmo que não disponíveis ao público, cópias de quaisquer registros, incluindo documentos ou informações que estejam sob a guarda de autoridades naquele Estado, na mesma medida e nas mesmas condições em que estariam disponíveis às suas próprias autoridades policiais, judiciais ou do Ministério Público”.
Ao validar o acordo como guia nas solicitações de dados, os processos estariam considerando as possibilidades de negativa de acesso previstas no texto, que são quando:
- a solicitação referir-se a delito previsto na legislação militar, sem contudo constituir crime comum;
- o atendimento à solicitação prejudicar a segurança ou interesses essenciais semelhantes do Estado Requerido; ou
- a solicitação não for feita de conformidade com o Acordo (que exige, entre outros pontos, declaração detalhada da finalidade, sempre destinadas a matéria de investigação, inquérito, ação penal, prevenção de crimes e processos relacionados a delitos de natureza criminal)
Posicionamento da governo
O advogado da União, Adriano Martins de Paiva, representando a Presidência da República na sessão desta quarta-feira no STF, afirmou que “não há oposição à declaração de constitucionalidade do MLAT”, porém, “desde que reconhecido o caráter complementar do MLAT e das disposições do código de processo civil de carta rogatória, uma vez que a vigência destas não exclui a aplicação da lei brasileira processual e disciplinadora de proteção de dados”.
Para a AGU, caso o MLAT se tornasse predominante nos processos de compartilhamento de dados, “crimes praticados com todas as suas fases ocorridas no solo brasileiro, por exemplo, puramente nacionais, seriam impactados negativamente com a restrição, deixando-se de aplicar por inteiro a jurisdição brasileira segundo o que prescreve o Marco Civil da Internet (MCI), privilegiando-se a legislação, por exemplo, dos EUA”.
Para questionar a efetividade do acordo, Paiva citou dados da Polícia Federal, que demonstram “insuficiência e lentidão na cooperação que se amparam unicamente nos canais de tratado ou em rogatórias”, pois “somente 26% dos pedidos foram atendidos a contento, com mais de 10 meses de espera”.
Desta forma, a AGU propôs duas hipóteses:
- Quando se tratar de empresa estrangeira (inclusive dos EUA) com subsidiária no Brasil, e que ao menos um dos atos de operacionalização de dados ocorram no solo brasileiro, aplica-se a via da solicitação direta, com fundamento no artigo 11 no MCI.
- Na segunda hipótese, no caso de empresa estrangeira sem subsidiária no Brasil e que nenhum dos atos de operacionalização dos dados ocorra no solo brasileiro, aplica-se o MLAT ou carta rogatória.
A ação está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, que ainda não apresentou voto. O julgamento segue nesta quinta-feira, 29. O Facebook é uma das empresas protocoladas como interessadas e que pretende se manifestar sobre o tema.