Operadoras querem cobrar de quem pedir quebra de sigilo cadastral sem ordem judicial

SindiTelebrasil defende medida para ajustar custos que as operadoras terão ao estabelecer formas de entregar informações de originadores de chamadas a pessoas que solicitarem. Idec vê alteração ao RGC como inconstitucional.

Terminou na semana passada a consulta pública 61, da Anatel, sobre regra para permitir a uma pessoa que receber ligações ter acesso a dados cadastrais do originador da chamada sem necessidade de ordem judicial. A consulta, feita a contragosto pela agência, é resultado de um processo transitado em julgado no qual a autarquia foi sentenciada a modificar o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC).

A mudança proposta previa acrescentar um parágrafo ao regulamento, pelo qual as operadoras passam a ser obrigadas a ceder os dados cadastrais de originadores de chamada aos recebedores das ligações, mediante solicitação e sem necessidade de ordem judicial.

Ao todo, a agência recebeu apenas 10 contribuições, dentre as quais, do SindiTelebrasil, de algumas operadoras individualmente (Algar, Telefônica), do Idec, e de outras pessoas cuja empresa não foi identificada. A maioria das contribuições reclama da quebra do sigilo cadastral.

SindiTelebrasil

O SindiTelebrasil, que reúne as operadoras de telecomunicações do país, diz que a decisão judicial foi tomada sem que as partes afetadas fossem ouvidas, ignorou a autoridade da Anatel para regular o setor e a impossibilidade de a agência de criar normas que afetem outros direitos, como a privacidade dos clientes. Defende que a exigência judicial para a mudança no RGC fere também os princípios da reserva de juridição, de independência e harmonia entre os poderes, e o da segurança jurídica.

Ainda assim, as operadoras apresentaram sugestões de mudanças e pediram que o novo texto do RGC traga previsão de que o usuário peça a quebra do sigilo de terceiros, sem ordem judicial, a partir de um cadastrado em um site da operadora. Neste cadastro, esse cliente deverá comprovar ser o titular e indicar número, dias e horários das ligações que motivam a consulta.

Querem também que a Anatel defina um prazo para a guarda dessas informações pelas operadoras, de no máximo 30 dias, e que seja limitado o pedido de informação a um número por ligação para se evitar usos indevidos da ferramenta. A entidade diz que o armazenamento vai onerar as empresas, uma vez que essa obrigação pode “alcançar um patamar de demandas gigantesco”. Por isso pede prazo estrito, a fim de reduzir tais custos.

O SindiTelebrasil propõe também que seja possível cobrar uma taxa de serviço de quem solicita a quebra do sigilo para repassar esse custo adicional que será gerado ao usuário que solicitar tal informação. “O custo deste procedimento para o SAC das prestadoras será elevado, portanto, inadmissível imaginar que tal custo deva ser absorvido pelas prestadoras sem que seja repassado ao usuário, sobretudo porque estar-se-ia falando de obrigação que não estava prevista quando da celebração dos atuais Contratos de Concessão e assinatura dos Termos de Autorização do SMP”, diz.

A entidade diz que a medida poderá elevar os atuais custos de serviço de atendimento ao consumidor em dez vezes. Além do custo propriamente dito do SAC para receber e responder à demanda, “ainda haverá custos sistêmicos para disponibilizar a informação para um contingente maior de empregados, treinamentos, implementações de práticas e regras para garantia do sigilo dos dados dos usuários, evitando fraudes de toda sorte, inclusive internas, entre outros custos ainda não estimados nesse momento. Estima-se, a depender do comportamento dos usuários, que os custos com SAC podem se elevar em até dez vezes o custo atual, se esta obrigação for implementada”, alega.

Idec

O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), também considera que a mudança no regulamento é problemática. Defende que a consulta pública não pode contar com um resultado pré-definido por conta de haver decisão judicial prévia.

Para evitar isso, sugere que a Anatel aprofunde “a forma e as condicionantes para que usuários dos serviços possam solicitar a quebra de sigilo de outros consumidores, para garantir que o atendimento às futuras solicitações sejam baseadas em critérios razoáveis e não criem um ambiente de alto risco ao se permitir o acesso irrestrito a dados protegidos”.

A organização critica também a decisão judicial que obrigou a agência a mudar o RGC. Diz que “interfere de forma indevida” nas atribuições que deveriam ser da agência reguladora, desconsiderando ritos e procedimentos comuns a processos de regulação.

Diz ainda que permitir a quebra do sigilo cadastral sem ordem judicial fere o direito constitucional à privacidade, a Lei Geral das Telecomunicações, que garante a inviolabilidade das comunicações, e leis que surgiram após a primeira sentença, emitida em 2010. Tais leis são Lei de Acesso à Informação, Marco Civil da Internet e LGPD.

Considera a exigência de acesso aos dados “desproporcional”. E alerta que a medida, “se mal regulamentada”, pode resultar em mais fraudes contra o consumidor. “É necessário que o procedimento de acesso a esses dados garanta a
confirmação da identidade do consumidor que de fato recebeu as chamadas”, defende o advogado da entidade, Diogo Moyses.

Por fim, sugere que o novo RGC passe a valer apenas depois de formada a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais. Esta terá o papel de regular a aplicação da LGPD no país, a partir de agosto de 2020.

Nextel

A Nextel também enviou contribuição. Nela, propõe que não seja necessário à operadora disponibilizar o dado cadastral de usuário que não seja cliente da própria operadora. Pede ainda que haja cláusula permitindo à operadora avaliar o pedido e recusá-lo caso ele seja “manifestamente ilegal”. Cita ainda a Lei Geral de Proteção de Dados para defender que a proposta da Anatel vai gerar insegurança jurídica.

Telefônica

A Telefônica Brasil enviou contribuição em que reforça a interpretação de que o no RGC fere o direito à privacidade previsto na Constituição Federal, além de leis de processo civil e criminal. Acrescenta ainda que traz dificuldades técnicas, como a necessidade de procedimentos para o caso de informações sobre uma determinada ligação não forem localizadas ou se refira a usuário com bloqueio de identificação de chamada.

Outras limitações seriam o estabelecimento de regras para a identificação de chamadas de usuário de operadora de pequeno porte, VoIP e até WhatsApp. Além disso, lembra que chamadas feitas de orelhão não devem fazer parte da nova regra, assim como quando o originador é de outro país. Por fim, sugere que não haja alteração no RGC. Mas, se for impossível, que a Anatel crie um grupo de trabalho com as operadoras para definir todos os aspectos técnicos.

Algar Telecom

O comentário da Algar aparece em consonância com o das demais operadoras em quase tudo. Diz que há inconstitucionalidade, violação de leis e invasão de competências entre Judiciário e regulador no caso e que a mudança implicará aumento de custos para as operadoras.

Mas traz um tópico adicional. Lembra que resolução da Anatel estabeleceu a assimetria regulatória para o tratamento das prestadoras de pequeno porte. Portanto, cobra que o RGC não se aplique a essa categoria, na qual se encaixa.

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Rafael Bucco

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