OAB pede no STF derrubada da MP 954, que ameaça a privacidade dos usuários de telefonia

Conselho Federal da OAB argumenta que MP 954 viola direito constitucional à privacidade, sigilo telefônico dos brasileiros, e não deixa claro de que maneira o IBGE usará os dados pessoais dos clientes das operadoras.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de invalidar a MP 954/2020. Publicada na última sexta-feira, 17, pela Presidência da República, a MP determina que as operadoras móveis e fixas entreguem ao IBGE nome, CPF, endereço e número telefônico de todos os seus clientes. O IBGE, diz o texto da MP, usará os dados para realizar pesquisas telefônicas.

A medida provisória foi editada apenas uma semana após o presidente Jair Bolsonaro barrar iniciativa conjunta do MCTIC e das operadoras de criar mapas de calor com informações de deslocamento de celulares nas cidades, alegando risco à privacidade. Os mapas permitem observar se a população está aderindo às recomendações de isolamento durante a pandemia de Covid-19 e é empregado em diferentes cidades e estados.

A OAB solicita que o STF conceda medida cautelar urgente, antes mesmo de consultar os órgãos citados na MP 954. No entender da entidade, há “fumaça do bom direito” (fumus boni juris) e risco com a demora da tomada da decisão (periculum in mora) uma vez que a MP tem efeitos imediatos e as lesões ao sigilo dos dados, uma vez efetivadas, dificilmente serão reparadas.

Uma vez concedida a liminar de suspensão da MP, a OAB pede que então o STF se reúna para, em plenário, julgar a constitucionalidade da norma proposta pelo governo.

O que diz a OAB

Na ADI, protocolada ontem, 19 (veja a íntegra do texto aqui), o Conselho Federal da OAB argumenta que a MP viola os artigos 1º e 5º da Constituição Federal. Estes artigos asseguram  asseguram, respectivamente “a dignidade da pessoa humana; a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas; o sigilo dos
dados e a autodeterminação informativa”.

Na avaliação da entidade, a MP 954 determina a violação de dados sigilosos, inclusive telefônicos, dos brasileiros. O escopo para produção de estatística oficial é genérico e impreciso. Não há detalhes sobre a finalidade do uso dos dados, que tipos de pesquisas serão feitas, nem com qual frequência ou objetivo.

A OAB diz também que a guarda dos dados no âmbito do IBGE não permite o controle por parte do Judiciário, do Ministério Público ou da sociedade civil. Alega, ainda, que apesar de o governo ter editado uma medida provisória, instrumento usado para abordar questões urgentes, não apresentou razões para a urgência e relevância.

Os advogados lembram que a MP não esboça qualquer mecanismo de segurança para minimizar o risco de acesso e o uso indevido de dados. O texto do governo fala em relatório de impacto após o uso dos dados, e não previamente ao compartilhamento, “impedindo a avaliação efetiva dos riscos”. Também não apresenta a necessidade da pesquisa que o IBGE fará para justificar a partilha de tal volume de dados, nem explica porque os dados são indispensáveis para a realização de pesquisa estatística pelo IBGE.

Relevância

Diante desses problemas, a OAB afirma que a MP padece de “inconstitucionalidade formal, no tocante à ausência de preenchimento dos pressupostos constitucionais de urgência e relevância”, conforme o artigo 62 da Constituição Federal.

Também vê “inconstitucionalidade material” por conta da violação dos artigos 1º e 5º, que tratam da dignidade da pessoa humana, da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, e do sigilo dos dados, ” bem como por violação ao princípio da proporcionalidade”.

A OAB ressalta que instrumentos do Executivo como a medida provisória estão sujeitas ao escrutínio dos demais Poderes. Por isso cabe ao presidente da República justificar as razões para a emissão de cada MP. “Após a Constituição de 1988, o Brasil passou a edificar um Estado Democrático de Direito, no qual todos os atos emanados de quaisquer autoridades podem se submeter a controle. Não há mais espaço para a voz única do autoritarismo ou para o poder imperial do Presidente da República”, resume.

E destaca que a MP não diz que os dados serão usados para o enfrentamento da causa da situação de emergência, a pandemia de Covid-19. “O que se tem é apenas que o período de vigência da MP coincide com o da pandemia. Ou seja, os dados coletados a partir da quebra do sigilo pessoal, poderão ser utilizados para as mais diversas pesquisas, com as mais variadas finalidades que não possuem qualquer urgência ou relevância que justifique a violação de um direito fundamental para a sua realização”, ressalta a entidade.

Privacidade

Quanto à violação da privacidade dos brasileiros, a OAB lembra que a Constituição determina a inviolabilidade do sigilo de dados e comunicações telefônicas, salvo a obtenção por ordem judicial.

“A MP deveria ter estabelecido uma governança colegiada em relação aos dados, com a participação do Poder Executivo, Ministério Público, Advocacia, setor privado, academia e sociedade civil. Em não o fazendo, a Medida viola o postulado da proteção efetiva do cidadão, sua privacidade e sigilo de dados pessoais”, argumenta a OAB.

Os advogados questionam a capacidade de o IBGE proteger os dados dos cidadãos e aventa o risco de vazamentos. “O fato de a estrutura do IBGE ser formada essencialmente por cargos em comissão, de livre nomeação pelo chefe do Poder Executivo, não permite concluir que a sociedade brasileira estará segura (…) Isso porque os cargos de nomeação política trazem em si um compromisso político entre o nomeado e o nomeante”, frisa.

Coloca em questão ainda a proporção do pedido em relação à crise enfrentada. “Não se pode aceitar a violação irrestrita ao direito à privacidade em nome do combate à pandemia do coronavírus, menos ainda, com objetivos abstratos contidos na Medida Provisória, que sequer vincula a utilização dos dados coletados para pesquisas especialmente voltadas ao enfrentamento da doença”, argumenta. O pedido de liminar e ADI é assinado pelo presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, por Marcus Vinicius Coêlho e Karoline Martins.

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Rafael Bucco

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