Netflix: a pedra no sapato do setor de TV paga

Plataforma é vista como ameaça por conta da estratégia de competir por preço, derrubando margens do setor

A Netflix anunciou crescimento (abaixo das expectativas) e lucro trimestral, mas ainda é alvo de descrédito por parte do mercado tradicional de TV por assinatura. A plataforma de streaming incomoda as empresas do setor pelo modelo de distribuição, pela capacidade de produção de conteúdo e, principalmente, pelo preço – a ponto de as programadoras duvidarem da viabilidade do rival digital no longo prazo.

Durante evento do setor de TV paga realizado hoje (30) em São Paulo, executivos de operadoras e programadoras não mediram palavras para criticar a atuação da concorrente. Alberto Pecegueiro, diretor geral da Globosat, maior programadora de conteúdo nacional do país, destaca que o valor cobrado está muito abaixo do necessário para produzir programação de qualidade. Crítica corroborada pelos balanços da empresa, que acumula aumento de dívida trimestre após trimestre.

“O Netflix tem inúmeras qualidades. Ninguém questiona no aspecto tecnológico ou na capacidade que teve em transformar hábitos. Mas o modelo de precificação adotado é desnecessário. Até atingir um ponto sustentável ainda vai destruir muito valor”, criticou o executivo. Para ele, os estúdios foram ingênuos em aceitar, anos atrás, ceder conteúdo para a plataforma, e agora correm para retirar seus filmes e séries.

Ainda assim, mais de 60% da programação do Netflix é de terceiros. E, se antecedendo à debandada, a plataforma acelera a produção própria. O que vai levar a empresa, ao ver de Pecegueiro, a um choque de realidade. “A gente produziu e comprou muito conteúdo ruim no passado, e aprendemos. Agora, estamos vendo a Netflix passar pela mesma via crúcis, fazendo as mesmas besteiras”, disse.

Luiz Eduardo Baptista, CEO da Sky, concorda. “A ruptura do modelo de TV por assinatura interessa apenas e unicamente ao entrante. O Netflix tem um problema com a saída de grandes estúdios. Sobre sua capacidade de gerar valor, acho que a hora dele [de não ser capaz de se financiar] está chegando”, completou.

Regras de jogo diferentes

Para Bernardo Winik, diretor executivo comercial da Oi, há entraves regulatórios e negociais que afetam as empresas tradicionais do setor. Leis e regras de qualidade de atendimento ao consumidor não afetam também a plataforma de streaming, dando-lhe vantagem competitiva.

“É inacreditável a carga tributária sobre o serviço de TV paga. E em outras frentes, há total falta de isonomia com as OTTs [como Netflix]”, destacou o executivo. Como exemplos, operadoras, programadoras e empacotadoras devem se adequar à Lei do SeAC, que define cotas de produção nacional e conteúdo independente na grade de programação. Também devem entregar índices de qualidade do atendimento e resolução de problemas conforme o RGC, estabelecido pela Anatel.

Mas, para Winik, programadoras deviam negociar contratos mais flexíveis que facilitem a competição com os novos rivais digitais. “Temos que repensar modelos vigentes de empacotamento de conteúdo e pensar em como migrar para um modelo sem destruição de receita. O consumidor quer um jeito de assinar apenas o que quer assistir”, disse. Atualmente, operadoras firmam contratos que obrigam o carregamento de vários canais de uma mesma programadora.

Diferente, mas igual

Alterar os contratos de empacotamento não é algo desejado, no entanto, pelas programadoras, como deixa claro Michel Piestun, gerente-geral da Fox Networks no Brasil. “A Netflix também faz empacotamento. Não dá pra pagar para acessar apenas o conteúdo que você quer ver”, ressaltou. Segundo ele, a perspectiva da Fox é apostar mais no modelo de cobrança por acesso, on demand, em suas plataformas digitais. A rede é uma das que está retirando conteúdos da Netflix a transferindo o acesso a aplicativo próprio.

Daniel Barros, CEO da Net Serviços, considera que a Netflix tem a mesma estratégia de bundling de conteúdo que as operadoras. A Net, por sua vez, quer intensificar a oferta de programação por similaridade. “A Netflix não tem liberdade nenhuma. Tem uma série, que quando o consumidor quer, parece uma solução de série. Quando é um filme, parece solução de filme. Eu tenho hoje, na Net, diversos pacotes de esporte, filmes. Claro que estamos em fase de transição, mas estamos na direção de entregar para o cliente o que ele quer”, afirmou.

 

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Rafael Bucco

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