Na pandemia, o uso do telemarketing tornou-se abusivo
Na pandemia, o uso do telemarketing tornou-se abusivo. A avaliação foi feita pelos especialistas que participaram do seminário “Combate ao Telemarketing Abusivo” promovido pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) nesta sexta-feira, 25.
O conselheiro da agência, Emmanoel Campelo, disse que o crescimento do telemarketing na pandemia para alcançar consumidores foi resultado de uma tentativa das empresas de manterem os ganhos em um cenário econômico em crise, e causou um comportamento predatório. “Hoje, eu chamo essa prática de telemarketing de abusiva e predatória, porque é algo insustentável e insuportável”.
Na abertura, Campelo ressaltou que, no início deste mês, a Anatel estabeleceu a regra de identificar as ligações de telemarketing com o 0303 na frente do número. Para chamadas de celulares, a regra está valendo. As linhas fixas terão o serviço a partir de junho.
O diretor da União Internacional de Telecomunicações (UTI) para as Américas, Bruno Ramos, informou que algumas práticas de marketing completamente obsoletas durante a pandemia chegam a ser abusivas. “As taxas de conversão vindas de telemarketing são baixas, além de ineficientes, se tornam abusivas porque não terem padrão para contato com o cliente e por quantidade de vezes que expõem os mesmos à situação”, explicou.
Perspectiva do consumidor
No painel sobre as iniciativas da Anatel, o conselheiro Carlos Baigorri disse que não existe “bala de prata” para resolver a questão e que novas medidas devem continuar a ser desenvolvidas nos próximos anos. “Um ponto que sempre reitero e penso é que devemos fazer a regulamentação da perspectiva do consumidor, mas inevitavelmente creio que precisaremos usar o enforcement estatal, o peso da caneta do Estado”.
A superintendente de Relações com Consumidor da Anatel, Elisa Leonel, ressaltou que esse é um problema multifacetado. “Embora o painel seja sobre o telemarketing, a questão é mais ampla e geralmente as ligações inoportunas abusivas estão relacionadas a fraudes, crimes, roubo de dados pessoais e assim por diante”, destacou.
Segundo Vinicius Caram Guimarães, superintendente de Outorga e Recursos à Prestação da Anatel, o 0303 é um ótimo recurso para empoderar o cliente. “Criamos e começamos a usar o recurso do 0303 com mais 7 dígitos, o que dá a possibilidade de 10 milhões de números, o código 0303 era muito pouco utilizado e oferecia grande quantidade de números”.
A Anatel está trabalhando em uma regulamentação para autenticação das ligações feitas com números “mascarados” de outros. “A gente entende que precisa ser mitigada com fatores de identificação de chamadas, de fato nós precisamos criar uma credibilidade mais das chamadas e isso está em estudo por parte da Anatel”, explicou Gustavo Borges, superintendente de Controle de Obrigações da agência.
Cenário internacional
A analista da Cullen International, Teresa Félix, apresentou um estudo realizado em dez países europeus sobre a implementação de serviços de identificação de chamadas para evitar ligações não solicitadas. Na República Tcheca, França, Holanda, Reino Unido, Itália, Irlanda, Portugal, Espanha, Suécia e Alemanha, apenas os quatro primeiros têm uma lei ou regulação nesse sentido.
Em outros países, como Irlanda, Portugal, Suécia e Itália, assim como na França e Reino Unido, foram criadas listas de consumidores que não desejam receber ligações de telemarketing.
Segundo ela, uma das soluções encontradas foi a criação de listas em que os consumidores podem registar e manifestar se desejam ou não ser contatados por parte de empresas para fins comerciais.
Patrick Webre, vice-chefe do Bureau Internacional da Federal Communications Commission (FCC), a agência de comunicações dos Estados Unidos, disse que o governo vem criando regras para diminuir os problemas com telemarketing e fraudes desde 2017. Conta que golpistas chegaram a utilizar o próprio número do FCC, que não é usado para ligações, para aplicar fraudes. O problema foi resolvido ao colocar o número da agência em uma lista de números que não podem fazer chamadas.
Ligações repetitivas
A diretora da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Miriam Wimmer, citou casos ao redor do mundo em que empresas de telemarketing não trataram corretamente dos dados pessoais, ressaltando que o problema tem várias frentes e as soluções precisam de várias abordagens. “O maior problema que nós temos hoje no telemarketing não é o primeiro contato, mas os contatos repetidos, abusivos, ainda que o titular de dados claramente manifeste que não tem interesse nesse tipo de comunicação”, ressaltou.
Para o professor da Faculdade de Direito da PUC/SP Jacintho Arruda Câmara, mesmo a Anatel assumido o papel de combater o telemarketing abusivo, a agência enfrenta dificuldades, porque a prática não é restrita ao setor regulado pela agência de telecomunicações.
Em sua fala, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, disse que ele pessoalmente sofre com as ligações não solicitadas de telemarketing, assim como toda a sociedade. “Não há um consumidor hoje em dia que não tenha sido alvo de ligações, operadoras de telemarketing, representando assim as mais variadas empresas, ligações essas que são oferecidos serviços e produtos que na maior parte das vezes nunca foram solicitados”, desabafou.