Julgamento no STF sobre compartilhamento de dados com big techs é suspenso
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vistas no julgamento da ação que analisa a adoção do Acordo de Assistência Judiciária-Penal entre os governos brasileiro e norte-americano (o Mutual Legal Assistance, MLAT, na sigla em inglês) como procedimento padrão para a solicitação de dados feitas por autoridades brasileiras a empresas com sede nos EUA. O magistrado prometeu “tratar rapidamente” do caso para então retomar a votação em Plenário em breve.
O caso chegou ao STF por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 51, ajuizada pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro), com objetivo de declarar a constitucionalidade do Decreto 3.810/2001, que promulgou o MLAT e evitar que os pedidos de compartilhamento de dados destinados aos provedores de conteúdo ocorram diretamente a seus representantes no Brasil e que, na visão da entidade, oneram as empresas que armazenam dados fora do país (saiba mais abaixo).
Moraes afirmou que o pedido de vista é para “delimitar as diferenças” entre a ADC 51 e outras ações que já passaram pela Corte com a mesma temática, entre eles o processo que bloqueou o Telegram no Brasil em março deste ano por descumprimento de medidas no combate à desinformação.
Apesar de ainda não ter apresentado o voto oficialmente, Moraes já declarou que é contra a ação da Assespro.
“Não tenho nenhuma dúvida da controvérsia existente, até porque venho atuando nisso há mais de três anos. Também não tenho nenhuma dúvida do desrespeito de várias empresas com as autoridades brasileiras”, afirmou o Moraes.
MLAT no STF
Na sessão da última quinta-feira, 29, o relator da ação, ministro Gilmar Mendes, declarou a constitucionalidade do acordo internacional, mas desde que “sem prejuízo da possibilidade de solicitação direta de dados e comunicações eletrônicas” feita pelas autoridades nacionais a empresas de tecnologia nas hipóteses já previstas no artigo 11 do Marco Civil da Internet (MCI) e do Artigo 18 da Convenção de Budapeste, o que contraria o pedido da Assespro.
O artigo 11 do Marco Civil da Internet diz que “em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional [ou ainda pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil], deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros”.
O mesmo dispositivo do MCI cita que a solicitação direta pode ocorrer “mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil”.
Além disso, o artigo também estabelece que “os provedores de conexão e de aplicações de internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações”.
A Convenção de Budapeste, por sua vez, prevê que os países devem regulamentar leis que permitam suas autoridades “ordenar a um fornecedor de serviços que preste serviços em seu território, que comunique os dados na sua posse ou sob seu controle, relativos aos assinantes”.
Outro ministro que já se manifestou no caso é o André Mendonça. Ele destacou que a Assespro não tem legitimidade para propor a ação ao Supremo e que a ADC não é o meio adequado para o questionamento. Sendo assim, votou contra a ação e acolheu parcialmente o mérito proposto por Gilmar Mendes, quanto ao fato de que o acordo é legítimo, mas a Justiça pode fazer solicitações sem intermediários, com base na lei brasileira.
Ao retomar o julgamento, nesta quarta-feira, 5, o ministro Nunes Marques votou com o mesmo entendimento de Mendonça e criticou a Assespro, afirmando que “a presente ação direta está sendo exercida mais como um mandado de segurança coletivo, com vistas a assegurar supostos direitos subjetivos das empresas associadas à autora”.
“Suponhamos que a empresa de tecnologia resolvesse hospedar seus servidores em alto mar, em uma região não sujeito à jurisdição de nenhum país ou até mesmo fora do planeta, em algum satélite artificial, o que hoje não é mais ficção científica, então ela ficaria soberana para decidir a quais solicitações atenderia a despeito de sua atividade gerar efeitos em nosso país”, afirmou Marques no voto.
Sendo assim o julgamento foi suspenso com 3 votos contra o pedido integral da Assespro.
O MLAT
O texto do MLAT define o Ministério da Justiça como “Autoridade Central” nas solicitações de dados a serem feitas pelo Brasil e coloca o Procurador-Geral nos EUA “ou pessoa por ele designada” como destinatário dos pedidos, prevendo um rito de intermediadores entre a Justiça e as empresas.
Ao validar o acordo como guia nas solicitações de dados, os processos estariam considerando as possibilidades de negativa de acesso previstas no texto, que são quando:
- a solicitação referir-se a delito previsto na legislação militar, sem contudo constituir crime comum;
- o atendimento à solicitação prejudicar a segurança ou interesses essenciais semelhantes do Estado Requerido; ou
- a solicitação não for feita de conformidade com o Acordo (que exige, entre outros pontos, declaração detalhada da finalidade, sempre destinadas a matéria de investigação, inquérito, ação penal, prevenção de crimes e processos relacionados a delitos de natureza criminal).