IGF 2023 vai emitir alerta contra a fragmentação da internet

No IGF 2023, Anatel participou de painel sobre fair share e ouviu de representante da Coreia do Sul que a regulação sobre o assunto prejudicou o consumidor e provedores
Artur Coimbra, da Anatel, participa do IGF 2023 (Foto: Divulgação)
Artur Coimbra, da Anatel, participa do IGF 2023 (Foto: Divulgação)

A ONU realizou na semana passada o Internet Governance Forum (IGF 2023), que terminou com recomendações para que países evitem a “fragmentação da internet”. O evento anual aconteceu em Kyoto, no Japão, e teve a participação do Brasil, via pesquisadores, do CGI.br, emissários do governo e da Anatel (que tratou de fair share, veja mais abaixo), além da ANPD, que participou remotamente.

O saldo do evento será a publicação de uma carta depois do dia 31 de outubro com uma série de alertas sobre as ameaças quanto ao funcionamento da internet, ao trânsito internacional de dados, ao desenvolvimento de inteligência artificial, à cibersegurança, aos Direitos Humanos e à sustentabilidade digital.

Ao encerrar o IGF 2023, no dia 12 de outubro (feriado aqui no Brasil), o subsecretário-Geral para assuntos Econômicos e Sociais, Li Junhua, cobrou que “seja feito mais para empoderar mais países e stakeholders a buscar um futuro digital inclusivo e equitativo”.

IA na berlinda

O tema que mais se destacou foi a preocupação com desenvolvimento e disseminação da inteligência artificial de todos os tipos, inclusive generativa. Nos debates, os participantes destacaram como as IA vêm sendo desenvolvidas nos países desenvolvidos e, por isso, têm problemas de viés. Apresentaram o temor de que a IA amplie a vantagem competitiva dos países ricos, tornando ainda mais difícil aos países em desenvolvimento crescer e garantir a soberania digital.

Outro ponto relacionado à IA diz respeito às oportunidades. Há um abismo entre o Norte e o Sul globais na capacidade de trabalhar com IA e extrair valor dela, de forma ética e que gere frutos a toda a sociedade. A carta deverá trazer alerta para o desenvolvimento de IA com finalidades pouco humanitárias, para aumentar o controle estatal sobre os cidadãos, por exemplo.

Outra preocupação em relação à IA diz respeito à desinformação. Os participantes do IGF concordaram que a era das deep fakes está chegando, e cobraram maneiras de regular a disseminação de desinformação. Um ponto levantado é a necessidade de desenvolvimento de uma espécie de “contra-IA”, capaz de identificar deep fakes mal intencionadas e filtrá-las das plataformas sociais.

Durante o IGF 2023, o governo do Japão, país que sediou o evento, apresentou plano de elaboração de um Acordo em Inteligência Artificial, para o qual buscará adesão do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido). O acordo trará códigos de conduta para o desenvolvimento de IA Generativa.

Governança dos dados

Outro tema debatido nos painéis do IGF 2023 foi a governança dos dados pessoais. A preocupação é garantir que o alto volume de dados seja utilizado de forma ética, respeitando-se a privacidade, e transitando em segurança pelas redes.

Presente ao evento, o conselho conselheiro da Anatel, Artur Coimbra, acompanhou essas discussões. “Existe muita preocupação quanto a como garantir que os direitos dos titulares de dados regulados em um país sejam respeitados caso os dados sejam enviados a outro país, com lei diferente. Mas não chegou-se a uma conclusão de como garantir isso”, conta.

Anatel debate fragmentação da internet

Aqui, a discussão girou em torno de dois assuntos: a garantia de uma internet aberta e universal e como financiar o acesso. Em relação ao primeiro assunto, que não é novo, a questão central é como evitar que países pratiquem bloqueios ou criem estruturas digitais separadas da rede global. Mas apareceram preocupações a respeito da fragmentação das experiências dos usuários (aplicativos que concentram grandes bases) e falta de coordenação na governança de processos e entidades.

Concluiu-se que os países que regulamentam a internet precisam buscar uma coordenação para evitar a fragmentação e não colocar em risco o conceito de interoperabilidade que fundou a internet, mas não é praticado entre as plataformas que rodam sobre a web.

Coimbra participou de um painel que debateu o fair share e deu sua visão sobre o tema. “Apresentei que para o Brasil a questão ainda está sendo analisada. Defendi que é preciso verificar se, no relacionamento com as operadoras, as OTTs exercem poder de mercado. Caso exerçam, a Anatel precisará intervir. Mas se não houver, então as partes podem negociar entre si”, diz.

Havia representantes de outros países no painel do qual participou, inclusive da Coreia do Sul, que regula o relacionamento comercial entre OTTs e operadoras desde 2016. “Ficou claro na apresentação do representante coreano que o modelo não tem funcionado. A política que obrigou o pagamento das OTTs pelo trânsito dos dados fez com que todas movessem os data centers para o exterior, aumentando os gastos dos ISPs com cabos submarinos, levando a aumento de preços, da latência, e da perda de pacotes, prejudicando o consumidor. Agora está havendo um movimento de negociação das operadoras para trazer o conteúdo das OTTs para dentro da Coreia”, explica.

Essa realidade foi apresentada pelo professor da Universidade da Coreia Kyung Sin “KS” Park. A transcrição em inglês do debate pode ser conferida aqui.

As discussões, é bom destacar, não foram conclusivas, mas apontam caminhos. “O modelo coreano levou justamente à fragmentação da internet, com o OTT tendo que negociar com cada operadora. Para evitar isso, existem muitas intervenções possíveis, como o modelo francês do Digital TAX, criando-se um fundo que recolhe contribuições das OTTs destinadas à infraestrutura”, exemplifica Coimbra.

O documento final do IGF, que está em elaboração, pode ser visto aqui (em inglês). Além dela, editou-se ainda uma proposta de práticas a respeito da Fragmentação da Internet, cujo documento pode ser lido aqui.

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Rafael Bucco

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