IA: Relatório preliminar prevê autoridade coordenadora com características de autarquia
O relator da proposta de marco regulatório da Inteligência Artificial (IA), Eduardo Gomes (PL-TO), apresentou nesta quarta-feira, 24, um relatório preliminar na Comissão Temporária Interna Responsável pelo tema (CTIA) do Senado Federal. A versão lida pelo parlamentar sugere a criação do que ele chama de “sistema de fiscalização híbrido”, que leva em conta as agências reguladoras já criadas, mas define uma autoridade para coordenar a integração.
As inovações no texto também trazem exceções que atendem reivindicações de empresas (saiba mais abaixo).
O parecer analisa um conjunto de propostas para a regulação da IA, entre elas o texto formulado pela comissão de juristas protocolado no ano passado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) – PL 2338/2023. O colegiado que reuniu magistrados e especialistas já previa uma “autoridade competente”, definida como “órgão ou entidade da Administração Pública Federal responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento da lei em todo o território nacional”.
O substitutivo apresentado por Gomes modifica esse trecho, conceituando a autoridade competente como “órgão ou entidade da administração pública federal, dotada de autonomia técnica, decisória e financeira, que coordenará o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA)”.
O SIA, por sua vez, é definido como “ecossistema regulatório coordenado pela autoridade competente que busca a cooperação e a harmonização com as demais agências e órgãos reguladores para a plena implementação e fiscalização do cumprimento da lei em todo o território nacional com segurança jurídica”.
Ao comentar a proposta, Gomes descreveu o SIA como “um sistema de fiscalização híbrido, que valoriza e reconhece as agências”.
“Ninguém melhor que o Banco Central para fomentar e regular a IA no sistema financeiro, a Anvisa na área da saúde, a Anatel no setor de telecomunicações, e por aí vai… Ao mesmo tempo, [a IA] é uma tecnologia geral que atravessa os diversos setores, inclusive não regulados, e que precisa de uma coordenação. Por isso, estamos propondo o SIA, que tem por objetivo criar um ecossistema regulatório coordenado por uma autoridade competente a ser designada pelo Poder Executivo”, explicou o relator.
Embora não tenha citado no relatório, Gomes voltou a defender a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) como autoridade competente de IA, e afirmou que esta também é uma vontade de membros do Executivo.
“Registro, desde logo, que vejo com bons olhos o pedido do Executivo de que essa autoridade possa ser a ANPD, desde que reconfigurada e fortalecida. Quero amadurecer e debater essa ideia com a sociedade, ainda mais porque não temos condições, ao meu ver, de criar algo novo, mas de aproveitar o existente”, complementou o senador.
Exceções
Entre os principais pontos da proposta discutidos na comissão, Gomes destacou a admissão de exceções às regras, incorporando o pedido de alguns setores. O texto deixa de fora do escopo da lei os sistemas de inteligência artificial que se caracterizem como:
- desenvolvidos e utilizados exclusivamente para fins de defesa nacional;
- atividades de testagem, desenvolvimento e pesquisa e que não sejam colocados em circulação no mercado, sem prejuízo de observar o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais;
- padrões e formatos abertos e livres, com exceção daqueles considerados de alto risco ou que se enquadrem como modelos fundacionais (treinado com base em dados em grande escala, concebido para uma variedade de resultados e que pode ser adaptado para diferentes tarefas, incluindo aquelas para as quais não foram especificamente desenvolvidos e treinados), de propósito geral (que pode ser utilizado e adaptado para desempenhar funções de aplicação geral, inclusive aquelas para as quais não foi intencional e especificamente concebido, podendo ser incluído em outros sistemas de IA e utilizado em diferentes contextos), e generativos (destinado a gerar ou modificar significativamente, com diferentes graus de autonomia, texto, imagens, áudio, vídeo ou código de software).
A definição de alto risco deve ser objeto de regulamentação específica editada pelo SIA, precedida de consulta pública, considerando critérios como o risco de afetar pessoas de grupo vulnerável, potencial danoso de ordem material ou moral e baixo grau de transparência.
Fomento
O substitutivo de Gomes também prevê que o fomento ao desenvolvimento produtivo e tecnológico e a inovação em inteligência artificial pela administração pública no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluindo percentuais mínimos de aplicação em fundos destinados à pesquisa.
O texto também sugere sandbox regulatório para o desenvolvimento de aplicações em IA em órgãos competentes e programas de certificação para redução do impacto ambiental de sistemas de IA.
Tramitação
A versão preliminar ainda passará por debate no âmbito da comissão temporária, com cronograma a ser definido nas próximas semanas. Nesta fase, podem ser incorporadas as sugestões formuladas no âmbito da comissão de juristas do Código Civil, que aborda, entre outros pontos, imagens geradas por IA, inclusive de pessoas falecidas, ponto que ainda não está presente no relatório.
A leitura do relatório prévio contou com a presença do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Em discurso, ele lembrou que o governo federal também está debatendo o tema, mas com foco em políticas públicas, no âmbito da Estratégia Nacional de Inteligência Artificial, que deve ser apresentado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em junho.
“É muito importante esse esforço do Congresso Nacional em termos um marco regulatório, porque nós queremos atrair cada vez mais investimento privado nacional e internacional sobre esse tema [de IA]”, disse o ministro.