Ex-presidente da Anatel propõe trocar rede privativa por conexão nas estradas
Depois do insucesso do leilão da faixa de 700 MHz, que foi devolvida pela Winity, Leonardo de Morais, ex-presidente da Anatel, defende aqui nessa entrevista que as obrigações de cobertura das estradas federais, que estavam vinculadas a esse espectro, sejam atendidas com os recursos já arrecadados no leilão alocados atualmente para a rede privativa do governo.
O ex-presidente entende que bastaria um decreto para mudar essa política pública, e a Anatel e o Gaispe passariam a contratar a conexão das estradas, por leilão reverso, medida que ele considera muito mais socialmente vantajosa.
Tele.Síntese – Embora esteja dedicado a outro setor, você continua pensando telecomunicações. E está propondo novidades para a rede privativa do governo. Pode detalhar?
Leonardo de Morais, ex-presidente – Uma vez que a dinâmica do edital 5G ainda está em curso, entendo que é válido explorar a possibilidade de promover melhor eficiência alocativa desses recursos. Em particular, para projetos de conectividade certamente mais conectados (com o perdão do trocadilho) ao interesse público: é o caso da cobertura de rodovias federais. Parece-me não apenas possível, mas totalmente pertinente explorar esse caminho sem descurar da devida observância dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade. Poderia haver mecanismos distintos para operacionalizar a ideia. Como exemplo, um leilão reverso (do tipo holandês) organizado sob a tutela do Gaispi.
Tele.Síntese – Mas essa obrigação está explicitada no edital, não seria difícil alterá-la?
Morais – Conquanto o edital seja instrumento vinculante, essa obrigação não se confunde com os demais compromissos (por exemplo de ampliação de infraestruturas e conectividade; migração de faixa sistemas dos sistemas de recepção; ou as medidas para solucionar interferências prejudiciais identificadas sobre serviços fixos por satélite em operação na Banda C, considerando formas de assegurar a recepção do sinal de televisão aberta e gratuita pela população efetivamente afetada). De outra forma, cinge-se a uma indicação de “separação/reserva de recursos” e que, revistas as prioridades de política pública, poderia ser redirecionada.
Tele.Síntese – A Anatel teria poderes para alterar essa regra?
Morais- Tal possibilidade não poderia prescindir de alteração da política pública vigente, preferencialmente do Decreto de Políticas Públicas e, por consequência, da Portaria que fixou diretrizes para o certame. Curiosamente, é fato que a área técnica do TCU questionou exaustivamente tanto a natureza dessa obrigação (rede privativa para o Governo num Edital de espectro como “burla” do dever do Estado de licitar suas obras / aquisições) quanto a especificação de seu valor (ausência de critérios). Seria, de toda sorte, prudente que tal alteração fosse objeto de consulta à Corte de Contas, demonstrando-se o maior atendimento ao interesse público com destinação alternativa para o recurso. Enfim, com isso o Governo estaria corrigindo o curso da política pública, assegurando recursos para algo mais bem relacionados ao interesse público.
Tele.Síntese – Como essa questão surgiu no edital do 5G?
Morais – O Decreto de Políticas Públicas setorial (Dec. nº 9612/2018 com posteriores modificações) prevê a chamada “rede privativa”. A previsão de que ela seja considerada pelas licitações de espectro da Anatel está em Portaria do Ministério das Comunicações, a Portaria nº 1.924/2021. Por meio da Nota Técnica Conjunta nº 5/2021/SEI-MCOM, a Pasta provocou a Agência para que considerasse a destinação de até R$ 1 bilhão para a implantação, em prazo não superior a 48 meses, da chamada Rede Privativa de Comunicação da Administração Pública Federal, obrigação de que trata o art. 2º, inciso VIII, da referida normativa.
Tele.Síntese – À época, havia resistência da Anatel e outros setores a essa proposta, até porque era muito mais uma questão geopolítica do antigo governo, que queria fazer frente à produção de produtos “made in China”…
Morais – Aqui é sempre válido lembrar que, nos termos da legislação vigente, com destaque para a Lei Geral de Telecomunicações, a Anatel tem dentre suas competências , “implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações”. A formulação da política cabe a outros órgãos do Poder Executivo, nomeadamente a Presidência da República, via Decreto – como o vigente Decreto nº 9.612/2018; e o Ministério das Comunicações, via portaria. Logo, o espaço de discricionariedade da Agência encontra limites em suas competências, como órgão integrado ao restante da Administração Pública. Nesse sentido, dentro de sua competência de implementar a política pública, a Agência seguiu a diretriz fixada pelo Mcom, uma vez exercida sua função de fixar tal política. Por essa razão, as vencedoras de determinados Lotes do Edital 5G ficaram obrigadas a alocar os recursos para implementação da rede privativa em valores determinados (como está no Anexo IV-A do edital). E, como se sabe, a previsão é de sua implementação pela Entidade criada como decorrência do Edital (formada pelos vencedores), ou por terceiros, sob diretrizes do Grupo também dele decorrente (presidido pela Anatel, com participação do MCOM) (Anexo IV-A).