Especialistas criticam medidas contra desinformação do relatório da CPI da Covid
O projeto de lei sugerido no relatório final da CPI da Covid para o combate da desinformação gerou críticas por parte de entidades e especialistas. Após seis meses de CPI, o relatório de autoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi entregue ontem, 20, ao Senado.
O documento propõe penalidade de seis meses até dois anos de prisão para quem divulgar ou produzir notícias falsas. Na visão do coletivo Intervozes, a medida criminaliza o cidadão, em vez de atingir a indústria da desinformação. “Milhões têm esses planos pré-pagos de franquias baixíssimas em que praticamente só têm acesso ao WhatsApp e Facebook e não conseguem checar se uma noticia é falsa ou não. Atribuir a essas pessoas culpa é um absurdo”, defende Flávia Lefèvre, integrante do coletivo.
De acordo com Lefèvre, essa é mais uma das várias tentativas do Congresso de alterar o Marco Civil da Internet sem base técnica e atropela debates já existentes sobre fake news e milícias digitais.
Hoje, o Projeto de Lei das Fake News (PL 2630/2020) está em discussão na Câmara, depois de passar pelo Senado. Por isso, Ramênia Vieira, do Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede, opina que o melhor seria deixar para o PL 2630 as propostas contra desinformações contidas no relatório da CPI, que está sendo discutido há mais tempo.
Outra recomendação legislativa exige que o usuário registre seu CPF para fazer postagens em sua rede social a fim de que as redes sociais pudessem identificar autores de postagens falsas. Isso fere o Marco Civil da Internet, diz Vieira, e cria uma camada a mais de vulnerabilidade para os dados pessoais.
Além do CPF, os provedores de rede social também precisariam obter acesso ao número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Economia. As plataformas também irão acessar informações presentes em bancos da Receita Federal, como dados biométricos. “A gente não vê outro país tendo essa abertura dos dados de seus cidadãos com outra plataforma que não fosse do seu próprio país”, critica Vieira.
Conceitos inconsistentes
Especialistas também afirmaram que os conceitos definidos pelo relatório da CPI da Covid não têm consistência técnica. A designação de mensagens, por exemplo, está atrelada especificamente às redes sociais, o que pode deixar serviços de mensagens, como o WhatsApp, de fora. “Além de tudo a proposta tem furo. Não vai atender à sua finalidade”, cita Flávia Lefèvre.
No Twitter, a representante do 3º setor no CGI.br, Bia Barbosa, escreveu que o documento tenta definir notícia falsa de forma subjetiva, abrindo espaço para arbitrariedades na justiça. “O problema é tão grande que nem o #PLdasFakeNews propôs uma definição para o termo, entendendo que o combate à prática passa por outros caminhos.”
O diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Carlos Affonso Souza, também se debruçou sobre o assunto na rede. Segundo ele, um dos problemas é que o texto menciona apenas notícias falsas como crime, sendo que a desinformação também vem de outras formas. O diretor também criticou a definição de rede social como aplicações de internet com pessoas conectadas “por meio de vínculo de relacionamento”. “Parabéns para você que segue alguém nas redes. Agora vocês já têm um relacionamento”, ironizou Souza.