Cientistas pedem suspensão de consulta pública sobre o CGI.br
O mal-estar em torno da consulta pública feita pelo governo para rever o funcionamento do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), continua. Hoje, um grupo de associações e entidades que representam cientistas emitiu um duro comunicado, se posicionando contra a forma como a consulta foi convocada e pedindo seu imediato cancelamento, com a retirada do site Participa.br.
A nota afirma que “o atual governo, sem qualquer debate ou mesmo elementar aviso prévio, abriu uma consulta pública visando redefinir a composição, métodos e objetivos do CGI”.
A comunidade acadêmica questiona os motivos que levaram o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), responsável pela consulta, a colocá-la no ar.
Para as entidades que assinam o manifesto, a iniciativa precede o interesse do governo em mudar a correlação de forças dentro do CGI. A tese é que o objetivo final é reduzir o poder de representantes da academia, e ampliar o de empresas.
A consulta, dizem, “conduzirá em seguida a alguma decisão também unilateral de governo, via decreto presidencial, modificando a composição e a própria natureza do CGI, decisão esta que visará enfraquecer a participação acadêmica e não-empresarial no Comitê”.
O governo nega essa possibilidade. Segundo Miriam Wimmer, diretora de Políticas e Projetos Setoriais de TICs, qualquer mudança na composição do CGI manterá a influência dos diferentes setores da sociedade. E manterá o governo como minoria.
O que está em jogo
O governo federal, a partir de iniciativa da Secretaria de Informática do MCTIC, abriu em 8 de agosto uma consulta pública sobre a governança da internet brasileira. O texto pede contribuições sobre como atualizar o texto da lei 4.829, de 2003. A lei define a estrutura da governança da internet no país.
Atualmente, o CGI.br é o ente responsável pela governança da internet brasileira, que através do NIC.br, seu braço executivo, executa políticas para o melhor funcionamento da rede (como a criação de pontos de troca de tráfego e distribuição de nomes de domínio).
O CGI.br também participa de foros internacionais de normatização e definição da governança mundial e de preceitos técnicos. Também estão sob o guarda-chuva do CGI o Cetic.br, responsável por realizar pesquisa sobre o uso da rede no país, e o Registro.br, que comercializa nomes de domínio com terminação .br, entre outros. E tem um uma receita anual de quase R$ 130 milhões. Ano passado, as operações tiveram um superávit de R$ 12,5 milhões.
A partir da publicação do decreto que regulamentou o Marco Civil da Internet, o CGI ganhou ainda nova atribuição. Passou a ser considerado ente responsável por formular as diretrizes de funcionamento da web no país.
O CGI é formado por representantes do governo (9), da comunidade acadêmica (3), terceiro setor (4) e de empresas (4), além de um nomeado por notório saber. Após a publicação do regulamento do Marco Civil, empresas de telecomunicações deixaram claro seu interesse em mudar a composição do Comitê.
Íntegra do manifesto
Leia, abaixo, a íntegra do texto divulgado hoje pelas entidades que representam cientistas brasileiros.
ASSOCIAÇÕES CIENTÍFICAS QUEREM IMEDIATA SUSPENSÃO DE CONSULTA E A PARTICIPAÇÃO DO PLENÁRIO DO CGI NA CONSTRUÇÃO DE NOVA PROPOSTA
O Brasil é modelo e referência internacional na gestão pública da internet. Os pilares da nossa gestão pública da internet são o Marco Civil da Internet (MCI) e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Criado ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, a constituição do CGI foi aperfeiçoada no início do governo Lula quando ganhou sua atual composição multissetorial, com participação minoritária de representantes do governo e majoritária de representantes eleitos da Academia, do empresariado e da sociedade civil não empresarial.
O CGI traça as regras gerais de gestão técnica da internet executada pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br (NIC.br), define os rumos estratégicos da internet brasileira, participa ativamente em foros internacionais onde se discute a evolução da grande rede. Nesses foros, cumpre notar, cresce o desconforto ou mesmo oposição ao domínio de fato exercido pelos Estados Unidos ou por grandes corporações estadunidenses na internet, debatendo-se diferentes alternativas para tornar o governo da internet verdadeiramente multilateral e mundial.
Devido à sua natureza multissetorial, as decisões no CGI são sempre tomadas após exaustivas discussões que buscam fazer convergir e consensar interesses muitos diversos. Nessas discussões, os representantes do governo e, particularmente, o representante do MCTIC (até 2016, MCTI) e coordenador do CGI.br, sempre tiveram atuação proativa na busca de mediar conflitos e favorecer a tomada de decisões que pudessem expressar a vontade conjunta da sociedade e do Estado brasileiros.
No final do ano passado, com participação de mais de 600 entidades e associações, foram eleitos ou reeleitos os atuais representantes da sociedade, com mandato de três anos. Entretanto, no momento em que esses novos eleitos ou reeleitos iriam assumir suas cadeiras, o atual governo, sem qualquer debate ou mesmo elementar aviso prévio, abriu uma consulta pública visando redefinir a composição, métodos e objetivos do CGI. A necessidade, a oportunidade ou os termos dessa consulta não foram antes transparentemente discutidos e elaborados no plenário do CGI.
Logo, o governo não esclareceu quais são suas reais intenções ou objetivos, nem as razões dessa iniciativa. E como esse governo tem implementando clara ofensiva contra instituições participativas da sociedade também em outras áreas, tais como Educação e Saúde, é lícito supor-se que a consulta assim aberta unilateralmente, rompendo com toda a tradição das práticas multissetoriais do CGI, conduzirá em seguida a alguma decisão também unilateral de governo, via decreto presidencial, modificando a composição e a própria natureza do CGI, decisão esta que visará enfraquecer a participação acadêmica e não-empresarial no Comitê, bem como sua missão na construção de uma internet aberta e democrática além de, internacionalmente, sob efetiva direção multilateral.
As associações e sociedades científicas abaixo assinadas, tendo participado do último processo eleitoral do CGI.br e estando nele, pois, representadas, manifestam-se contra a continuidade dessa consulta pública e exigem sua imediata suspensão e retirada do sítio Participa.br. Se for necessário redefinir a composição, método e objetivos do CGI.br, considerando-se a evolução da internet nos últimos anos, que os termos de alguma consulta pública sejam previamente elaborados e discutidos no plenário multissetorial do Comitê, respeitando-se e reforçando-se a prática coletiva que tem recebido avaliações positivas em todo o mundo e vem garantindo, já há mais de década, o bom funcionamento em permanente expansão da internet brasileira.
Entidades científicas
O manifesto é assinado por: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC; Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação – SOCICOM; Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias – ESOCITE.BR; Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura – ABCiber; Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas – ABRAPCORP; Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação – ABPEducom; Associação Nacional de Política e Administração de Educação – ANPAE; Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação – ANCIB; Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED; Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte – CBCE; Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM; União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura – Capítulo Brasil – ULEPICC-Br.