Ancine admite falhas no Fundo Audiovisual, como apontou TCU

Ancine afirma em nota que a agência liberou muito mais recursos do que a sua capacidade operacional em fiscalizar os projetos, mas teme não conseguir rever no prazo de 12 meses a prestação de todas as contas.

A Agência Nacional do Cinema (Ancine) disse, em nota divulgada nesta segunda-feira, 1º, que ainda não foi noticiada da decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que determinou a suspensão dos repasses de recursos públicos ao setor de audiovisual. A agência, mesmo baseada em ‘rumores’ admite problemas na análise das contas das entidades beneficiadas e afirmou que, nos últimos 10 anos, a movimentação de projetos na autarquia foi alavancada de forma muito superior à sua capacidade operacional. “Foram anos e anos aprovando e liberando recursos para projetos em limite acima do possível de ser operacionalizado, principalmente no tocante à análise das contas”, diz a nota.

A Ancine pede calma ao mercado regulado do setor de audiovisual, afirmando que é necessário, após recebimento formal do acórdão, avaliar  os impactos técnicos e jurídicos, bem como as necessidades de ajuste que se farão necessárias. “O TCU não realizou um comando direto de interrupção. No entanto, uma enorme carga de mudanças se faz necessária para que consigamos atender à todas as determinações e recomendações do órgão de controle”, ressalta a agência na nota. Diz também que a indústria audiovisual tem crescido a incríveis 9% ao ano e todo esforço será realizado para mitigar os impactos.

No acórdão, o TCU determinou ao Ministério da Cidadania e a Ancine  só celebrarem novos acordos para a destinação de recursos públicos ao setor audiovisual quando dispuserem de condições técnico-financeiro-operacionais para analisar as respectivas prestações de contas. O Tribunal condiciona ainda a liberação de novos recursos pela agência se efetivamente fiscalizar a execução de cada ajuste, “ante a possibilidade de responsabilização pessoal do agente público pelas eventuais irregularidades perpetrada, com ou sem danos ao erário, em desfavor da administração pública”. E quer também a apuração de prejuízos ao Tesouro por parte de diretores da agência.

O processo é resultado de uma auditoria realizada na Ancine, durante o período de 1º a 25 de agosto de  2017, com o objetivo de verificar o Ancine+Simples empregada para a análise das prestações de contas dos recursos públicos. Os aportes são de dois tipos: (fomento indireto) ou de repasses provenientes da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) (fomento direto).

A área técnica do órgão fiscalizador constatou que, além de contrária à legislação aplicável, a nova metodologia não alcançaria os seus objetivos, em face da queda pouco expressiva no estoque de processos pendentes de análise. Para o TCU, essa nova sistemática” ignoraria a ocorrência de falhas identificadas e possibilitaria a aprovação da prestação de contas sem a adequada comprovação dos dispêndios declarados”.

Diante desses resultados, o TCU, além da determinação ao Ministério da Cidadania, fez uma série de exigências à Ancine, como de realizar os ajustes sobre as normas internas em substituição à IN Ancine nº 124, de 2015.

O Tribunal quer evitar que as falhas materiais sejam classificadas como meras falhas formais resultantes de ressalvas; evitar também que a comprovação de contrapartida ocorra por meio de doação ou sem a devida nota fiscal certificadora; ou que tomada de decisão seja fundada em informações meramente declaratórias do beneficiário dos recursos públicos. Conforme o Tribunal, foram encontradas irregularidades nos projetos auditados, como: (“O Barco”, “Movie com Jaú”, “Motel”, “Orlando”, “Quatro Histórias e Meia”).

A Ancine deve apresentar ao TCU, no prazo de 60 dias contados da notificação, plano de ação para a reanálise das prestações de contas de todos os projetos audiovisuais aprovados, sem ou com ressalvas, nos termos da IN Ancine nº 124, de 2015, garantindo que a nova análise se desenvolva pela conferência de todos os documentos comprobatórios das despesas realizadas.

O plano de ação deve conter, no mínimo, a relação das medidas a serem adotadas, com os responsáveis, e o prazo para a sua implementação, não superior a 12 meses. Por ocasião da reanálise das prestações de contas dos projetos audiovisuais aprovados,  as empresas que ganharam os recursos públicos devem comprovar o recolhimento de impostos.

A autarquia não pode ainda permitir o indevido uso de recursos públicos para o pagamento de tributos pessoais, a exemplo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), como verificado nas prestações de contas do projeto “É proibido proibir”.

A Ancine deve ainda proibir pagamentos em seu próprio favor e, especialmente, de pagamentos a empresas com coincidência entre os quadros societários ou entre os endereços empresariais, além de endereços incompatíveis com a atividade exercida.

Blockchain

O TCU quer ainda que a Ancine adote novas tecnologias da informação, a exemplo do uso de blockchain, para análise das prestações de contas.

Exige ainda que integrantes do Comitê Gestor do FSA, o Ministério da Cidadania, o Ministério da Educação, a Casa Civil da Presidência da República e a Agência Nacional do Cinema dimensionem a quantidade de convênios  para o repasse de recursos federais ao setor audiovisual em patamar compatível com a capacidade operacional e com a efetiva capacidade de fiscalização.

Para a sua área técnica, o TCU determina que adote as seguintes medidas: promova a audiência de Andrete Cesar Santos da Silva, Débora Regina Ivanov Gomes, Luís Mauricio Lopes Bortoloti, Manoel Rangel Neto, Marcial Renato de Campos, Roberto Gonçalves de Lima, Rosana dos Santos Alcântara e Thainá Domingos Albernaz,  para que, no prazo de 15 dias, apresentem as suas razões justificativas sobre a não-apuração das irregularidades identificadas nos projetos auditados (“Cristo Redentor”, “Histórias de amor duram apenas 90 minutos” e “Moscou”), além do não-encaminhamento dos referidos projetos à análise financeira complementar.

Os técnicos do TCU também irão abrir tomada de contas especial para a identificação dos responsáveis e a apuração do dano ao erário decorrente das condutas fraudulentas  dos projetos (“Motel”, “É proibido proibir” e “Totalmente inocentes”).

Segundo o TCU, há  fortes indícios de pagamentos em favor das próprias proponentes, realização de “autocontratos” com empresas “noteiras”. Além dos indícios, ainda, de danos ao erário no âmbito do projeto “À Deriva”).

Íntegra da nota da Ancine:

“Como foi amplamente noticiado, o Tribunal de Contas da União – TCU emitiu um Acórdão direcionado à Ancine na última quarta-feira. A instituição ainda não recebeu formalmente o documento, mas rumores já começaram a se espalhar sobre uma possível interrupção do Fundo Setorial do Audiovisual – FSA.

Estes rumores também se fizeram presentes em 2018, quando o TCU, em processo relacionado a este, avaliou um pedido de medida cautelar para paralisar imediatamente o Fundo Setorial do Audiovisual. Na ocasião, a medida foi indeferida e o órgão de controle solicitou a apresentação de um Plano de Ação para enfrentar a dura realidade vivida pela Agência. Apesar do presente Acórdão ter solicitado este Plano novamente, o mesmo foi criado e entregue em 04 de setembro de 2018, complementado em 03 de dezembro de 2018 após debates com o próprio TCU, e ainda aguarda avaliação pelo órgão.

Neste momento, é importante que o mercado regulado tenha calma, uma vez que é necessário, após recebimento formal do Acórdão, avaliar todos os impactos técnicos e jurídicos, bem como as necessidades de ajuste que se farão necessárias.

O TCU não realizou um comando direto de interrupção. No entanto, uma enorme carga de mudanças se faz necessária para que consigamos atender à todas as determinações e recomendações do órgão de controle.

A indústria audiovisual tem crescido a incríveis 9% ao ano e todo esforço será realizado para mitigar os impactos que forem identificados.

Primeiramente, cabe ressaltar que este Acórdão é fruto de uma auditoria realizada no ano de 2017, que identificou, na visão do TCU, diversas irregularidades. As indicações se concentram em três vertentes principais:

1- Condenação da metodologia Ancine+Simples

O órgão de controle condenou a metodologia Ancine+Simples, estabelecida por decreto em 2014 e regulamentada em 2015 com as Instruções Normativas 124 e 125. Nesta metodologia, as análises são realizadas em duas profundidades diferentes – 95% dos projetos a partir de um determinado método e 5%, definido através de plano amostral, com análise em escopo mais profundo.

Neste sentido, a gestão atual da Ancine concorda com o TCU.  É possível utilizar uma metodologia mais apropriada para análise das contas dos projetos. Essa metodologia foi elaborada entre maio e dezembro de 2018, e está em vias de ser implementada, com a revisão da Instrução Normativa 124/2015, provavelmente em abril.

2 – Necessidade de alterações de regramentos

Junto à alteração da metodologia central, o TCU entende que diversas alterações de regras sobre a execução de recursos são necessárias.

Neste ponto, a Ancine concorda parcialmente com o TCU. Algumas dessas regras já estão sendo alteradas na revisão das Instruções Normativas 124 e 125, ambas publicadas originalmente em 2015.

Entendemos que alguns pontos ainda merecem um maior debate, tendo em vista as especificidades do modelo de negócios audiovisual. Esse debate com o órgão será desenvolvido enquanto for possível, como foi feito ao longo de todo o ano de 2018, quando o relatório de auditoria chegou ao conhecimento da Ancine.

3 – Superação do passivo de prestação de contas e necessidade de celebrar novas avenças de forma proporcional à capacidade operacional

O terceiro eixo de indicações, que consideramos mais sensível, é a necessidade de superar o passivo de projetos em situação de prestação de contas em um prazo exíguo e ainda somente celebrar avenças (aprovar, acompanhar e fiscalizar projetos) na medida da capacidade operacional.

Não há, novamente, como discordar do órgão de controle neste ponto. É bastante óbvio que uma empresa só pode produzir na medida de sua capacidade. A Ancine só deveria gerir projetos dentro de sua capacidade.

No entanto, ao longo dos últimos 10 anos, a movimentação de projetos na autarquia foi alavancada de forma muito superior à capacidade operacional da Agência. Foram anos e anos aprovando e liberando recursos para projetos em limite acima do possível de ser operacionalizado, principalmente no tocante à análise das contas.

Além disso, o setor de prestação de contas e outras áreas de controle foram preteridas em termos de equipe. A primeira reposição representativa de pessoas foi realizada em 2018, através de uma relocação (parte voluntária e parte mandatória) de 33 servidores para as áreas de controle da Agência, principalmente a Coordenação de Prestação de Contas.

Para superar esse desafio, a gestão atual da Ancine acredita ser necessário negociar um prazo realista para vencer o passivo de prestações contas já existente. Em conjunto com essa medida, a Ancine implementará soluções tecnológicas para que os novos projetos aprovados tenham o acompanhamento de prestações de contas realizado em tempo real.

Cumprindo com a devida transparência que a situação requer, a Ancine se compromete a atualizar o mercado durante todo esse processo.

Adicionalmente, no intuito de identificar todas as conquistas de 2018, apresentamos o Relatório de Gestão 2018, que demonstra o quanto se andou de janeiro de 2018 até aqui. Os desafios foram muitos, mas as conquistas ainda superiores. Para 2019, os desafios serão ainda maiores e a vontade de superá-los, também.”

Leia aqui o relatório do TCU

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Lúcia Berbert

Lúcia Berbert, com mais de 30 anos de experiência no jornalismo, é repórter do TeleSíntese. Ama cachorros.

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