” A adaptação da concessão não é grátis”, afirma Coimbra, da Anatel

O conselheiro Artur Coimbra diz que o valor de R$ 22,6 bilhões encontrado pela Anatel adotou como premissa apenas a restrição de uso dos bens das concessionárias, e considera "diversionismo" se falar sobre a propriedade desses bens.
O conselheiro assinala ainda que tema não comporta discutir propriedade dos bens. Crédito: Ulisses Dumas. Tele.Síntese

O conselheiro Artur Coimbra afirma que a conta de R$ 22, 6 bilhões apresentada pela Anatel considera apenas a restrição de uso dos bens das concessionárias, e não o bem como um todo, mas assinala que  “a adaptação da concessão não é grátis. Tem um valor econômico”, completa. Para ele, é diversionismo tentar falar em propriedade desses bens, pois as regras atuais só se referem a posse e cessão de uso. E retruca também as críticas de que os preços encontrados são muito maiores do que os valores de mercado de algumas empresas, pois, para ele, as métricas devem ser outras.

Hoje o portal Teletime publicou em mais detalhes as alegações da Telefônica e Oi para se insurgirem contra a conta apresentada pela agência, que consideram bem salgadas. Para Coimbra, no entanto, a conta é justa. Associando a uma compra de apartamento, ele assinala que, no caso das concessões, esse apartamento já tem um inquilino instalado em um dos quartos, que não pode ser desalojado, a não ser que as concessionárias mudem os seus contratos. Se não migrarem, terão que, obrigatoriamente, ceder esse mesmo bem para outro inquilino.

“As concessionárias já sabiam que, quando assinaram os contratos, haveria um idoso naquele quarto. Elas já sabiam disso. Isso é a reversibilidade. É indiscutível. Já está embutido no preço”.

Leia aqui a entrevista:

 

Quais foram os critérios da Anatel para achar a dívida de R$ 22,6 bilhões das concessionárias com a União? Da pequena, Sercomtel às grandes, todas se  surpreenderam com o alto valor..

Artur Coimbra – São três componentes principais. O primeiro componente, se refere aos compromissos regulatórios que deixariam de existir. Por exemplo, teríamos do PGMU V ( Plano Geral de Metas de Universalização V) em algum momento, nessa adaptação deixa de valer, e ao deixar de valer, as obrigações que ainda não foram debitadas viram parte do valor econômico, além de outras obrigações. O segundo componente se refere a alterações contratuais, que têm implicação financeira mais direta, como o fator X, que vai deixar de existir, o ônus bienal e talvez outras alterações que vão deixar de acontecer entre hoje e a data da adaptação.

E o terceiro componente da avaliação?

Artur Coimbra – A parcela mais significativa se refere ao valor residual, ao valor contábil líquido proporcional aos bens reversíveis. Quer dizer, é a lista dos bens reversíveis, conforme constam nas relações de bens reversíveis informadas pelas próprias operadoras. Foram feitos ajustes de proporção de uso, de lacunas, etc. Mas a base são as RBR [ Relação dos bens reversíveis] informadas pelas próprias operadoras. E aí pegamos o valor não depreciado dos bens reversíveis na sua respectiva proporção de uso para o STFC (serviço telefônico fixo). Esses três componentes somados geram esse valor econômico.

No argumento da Telefônica, publicado hoje pelo portal Teletime, a operadora entende que os bens são dela e  “serão objeto de contrato de cessão de direito de uso, em condições econômicas justas e razoáveis, entre a Companhia e o novo Concessionário ou a União, caso estes queiram fazer uso de tais bens para manter a continuidade da prestação do STFC em regime público”. Entendo que com esse argumento, a operadora alega que a conta da Anatel está cobrando pelo bem em si, e não pela POSSE do bem..

Artur Coimbra – Isso é um diversionismo. A Anatel não está cobrando o bem, se estivesse cobrando o bem, estaria cobrando o VALOR INTEGRAL do bem reversível. Estou cobrando a proporção de Uso do STFC que corresponde à posse para o STFC.

Vou dar um exemplo que usei com a própria operadora. Imagina que você quer comprar um apartamento de três quartos. Custa um milhão. E você achou outro apartamento muito parecido, também de três quartos. Só que nesse segundo apartamento, há um idoso que mora no terceiro quarto, e você vai ter que ficar com ele nesse apartamento, se quiser comprá-lo. Ou seja, vai comprar o ap, mas não vai poder usar esse terceiro quarto, porque o idoso vai ficar lá. Você pagaria a mesma coisa pelo segundo apartamento?

Claro que não.

Artur Coimbra – Então, a adaptação é a mesma coisa. A concessão é isso: você tem um apartamento e um idoso no terceiro quarto. Se eu reverter o bem estarei dizendo que: o apartamento é de sua propriedade, mas você vai ter que aguentar aquele idoso no terceiro quarto por bastante tempo. Agora, se você adaptar o seu contrato, o idoso se muda, e o terceiro quarto fica para você.

Então, se entendi, a Anatel estaria cobrando só pelo terceiro quarto?

Artur Coimbra – Exatamente. E isso não tem nada a ver com propriedade. Isso é um diversionismo, porque a propriedade pode ser sua, mas acima dela muita coisa pode acontecer com o bem: comodato, usufruto, cessão de direito de uso, alugado, cessão real de uso. Pode ser uma propriedade, com restrição de uso de uma parte desse bem. E é isso que estamos falando.

A alegação das operadoras então, é que a Anatel está cobrando muito por essa restrição de uso…

Artur Coimbra – Estranhamente seria se eles afirmassem que a gente está cobrando barato… Para encontrarmos esse valor, utilizamos método já testado em todos os continentes do mundo, em termos de proporcionalidade de uso. Estou apenas cobrando pela proporção de uso do STFC. Estaria cobrando caro se estivesse cobrando todo o valor residual do bem.

Se também entende que a propriedade do bem é da concessionária..

Artur Coimbra – Estou partindo da premissa da Telefônica

Mas você concorda com essa premissa?

Artur Coimbra – O regulamento fala em posse e em uso compartilhado. Não fala nada sobre propriedade.

Mas o debate sobre a propriedade não está abrangendo também a reversibilidade do bem?

Artur Coimbra – Para esse debate, ficar falando de propriedade, posse ou qualquer outra coisa, não tem impacto nenhum. Não faz a menor diferença. Não está se cobrando propriedade ou não. Está-se cobrando uma restrição de uso de bem, que é o idoso no seu quarto. O regulamento de continuidade da Anatel, em seu artigo 25, diz “ será garantido a cessão de direito de uso”, não fala em propriedade.. “ dos bens de uso compartilhado, em condições econômicas justas e razoáveis. Caso o Poder concedente queira fazer uso de tais bens para manter a continuidade do serviço”. Ou seja, vai ter que haver uma cessão de direito para o idoso continuar a morar no quarto. E esse apartamento vai valer menos.

Mas você fala em seu exemplo que poderia valer mais, sem essa cessão. O oposto do que alegam as empresas…

Artur Coimbra – A divergência, de fato, está na expressão “em condições econômica justas e razoáveis”. A Telefônica entende que ela teria o direito de alugar aquele bem para o idoso. O entendimento da Anatel é outro. É de que o direito de uso de bem de terceiro é garantido pela reversibilidade.

Quais seriam, então, as condições “justas e razoáveis” para se ocupar o bem de terceiros?

Artur Coimbra – O que o idoso consumir, como um pouco da conta de luz do quarto, o café da manhã que ele quiser tomar. São condições justas e razoáveis no sentido de repor os custos com facilidades prestadas pela empresa, dona do bem, que ele está se beneficiando.

E onde se dará esse encontro de contas pelo pagamento do café da manhã, da luz?

Artur Coimbra – É uma relação que terá que ser estabelecida entre a nova concessionária e a dona do bem.

Bom, mas isso no caso de existir uma concessionária, né?

Artur Coimbra – Sim, mas as condições do artigo 25 que citei é só para o caso de haver nova concessionária. Ou seja, acabou o contrato do STFC, um novo concessionário está no mercado e esse novo concessionário vai poder usar o quarto do apartamento da Telefônica, por meio de cessão de direito de uso, em condições econômica justas e razoáveis.

Se entendi, o preço que vocês estão cobrando é pelo aluguel do suposto terceiro quarto para o idoso. E a dona do apartamento não tem outra escolha a não ser manter esse idoso?

Artur Coimbra – Isso mesmo. As concessionárias já sabiam que, quando assinaram os contratos, haveria um idoso naquele quarto. Elas já sabiam disso. Isso é a reversibilidade. É indiscutível. Já está embutido no preço.

Com essa conta, salgada, na visão das empresas, quais seriam as vantagens para elas migrarem seus contratos?

Artur Coimbra – Vejo muitas. A adaptação não é grátis. Tem um valor econômico. Mas tem muitas vantagens. Traz a segurança jurídica sobre a posse dos bens; traz possibilidade da exploração econômica dos bens diversa das obrigações previstas no contrato de concessão. Muitas oportunidades surgirão a partir da adaptação.

O argumento da Oi, também conforme a matéria do Teletime, é de que o preço cobrado pela Anatel é muito  maior do que o valor da própria empresa….

Artur Coimbra – O valor de mercado de uma operadora não tem correlação muito grande com o investimento, fluxo de caixa ou patrimônio líquido. Se olharmos o histórico da Oi, ela fechou 2020 com patrimônio líquido de 7 bilhões. Em 2021, seu patrimônio líquido foi negativo, porque ela estava quebrada. Em 2022, volta a ter patrimônio líquido positivo. Mas se pegarmos os investimentos que ela fez nesses anos, está em média de 5 bilhões. A conta da Oi que chegamos é de mais ou menos 12 bilhões. Serão convertidos em investimentos por dez anos. Daria um bilhão e duzentos por ano. Ora, se ela investe quatro bi e meio por ano…. Qual é o problema? Não pode pegar um bi e duzentos e fazer o investimento? Ela está investindo muito mais do que estamos sugerindo.

E se ninguém adaptar seus contratos. Esses valores mudam?

Artur Coimbra – Eles mudam com o tempo. Mas se ninguém migrar o que vai acontecer é a reversão dos bens.

E aí, reverte-se o quarto? Ou todo o patrimônio?

Artur Coimbra – Se o bem é usado só para o STFC, reverto o bem todo. Se o bem é usado para o STFC e outros serviços, o que acontece com a maioria (uma central atende vários serviços), aí vou ter que olhar a natureza desse bem. Se ele é divisível, faz-se a cessão de direito de uso. Se ele é indivisível, vou reverter tudo.

Então, há um risco maior de haver mais reversibilidade de bens, se não houver migração.

Artur Coimbra – Se não houver a migração, a União vai colocar uma pessoa para ocupar aquele quarto. E se não puder dividir o bem, vamos ter que reverter tudo.

Em relação à longa distância, a Anatel tem sinalizado que pode mudar as áreas de tarifação, e isso pode afetar a decisão da Embratel em migrar ou não, pois não seria possível de calcular. Como você vê essa questão?

Artur Coimbra – Hoje não existe uma posição da Anatel sobre tirar a longa distância do regime público. Não há qualquer posição formal sobre isso.

Sim, mas há estudos em propostas da Anatel de pelo menos mudar as áreas de tarifação, como para as do celular. Isso não pode impactar a decisão?

Artur Coimbra – Isso, na verdade, traz impactos para faturamento da empresa. Pois poderia ser fazer uma menor variação de preço. Mas é só.

Com essa conta, salgada, na visão das empresas, quais seriam as vantagens para elas migrarem seus contratos?

Artur Coimbra  Vejo muitas. A adaptação não é grátis. Tem um valor econômico. Mas tem muitas vantagens. Traz a segurança jurídica sobre a posse dos bens; traz possibilidade da exploração econômica dos bens diversa das obrigações previstas no contrato de concessão. Muitas oportunidades surgirão a partir da adaptação.

Há críticas também, da Coalização de Direitos na Rede, de que o valor estaria subavaliado e, por isso, as entidades reunidas nessa coalização alegam que irão recorrer à justiça.

Artur Coimbra – Não conheço o interior teor das alegações, só o que li na imprensa. Mas as premissas alegadas são diferentes das premissas que a gente utilizou. E estamos convictos de nossas contas e premissas. E é isso que vamos defender na justiça.

Por que a Anatel não adotou o terceiro cenário sugerido pela consultoria, de valor mais alto, cerca de R$ 35 bilhões?

Artur Coimbra – O cenário 1 tem um valor menor, o dois esse que definimos, e o terceiro, maior. O cenário 1 pega o valor líquido contábil dos bens e cobra. O cenário 2 fez a revalorização dos imóveis, para refletir o valor de mercado. Foi trabalhado cidade a cidade e foi aplicado o índice de valorização. O cenário 3 aplicou a valoração de outros bens além dos imóveis, como postes, cabos de cobre, etc. Mas constatamos que havia problemas com esse cenário. Exemplo: considerou-se que  o valor do cabo de cobre seria o mesmo do valor do cobre revendido no mercado. Mas em outros países, constatamos que muitas vezes o custo para tirar esse cabo é muito mais alto do que o cobre. As premissas de valorização eram então muito frágeis.

O Direito de passagem não foi considerado?

Artur Coimbra – Não tinha como valorar, pois os contratos são de uso compartilhado e não há um mercado claro para valorar isso. Até entendo que em alguns mercados poderiam ter valor

Em relação ao TCU. Qual a expectativa?

Artur Coimbra – Já fizemos uma apresentação técnica. Mas ainda não sabemos se o  ministro Bruno Dantas, que seria o relator, e vai assumir a presidência do Tribunal, vai continuar com o processo.

E quando vocês esperam o aval do TCU?

Artur Coimbra – O TCU nos pediu um cronograma. Nós sugerimos 90 dias. Mas a questão é que esse não é um processo de desestatização, que tem prazo determinado, como o edital de radiofrequência.

Esse valor da concessão decidido vai para arbitragem?

Artur Coimbra – Ele não irá para arbitragem. Poderá apenas haver um valor a se contrapor a este.

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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