5G vai mudar bastante o MVNO, avalia Gomes, da Cullen
Compartilhamento é a palavra de ordem para a implantação das redes da telefonia móvel e de transferência de dados de quinta geração. Para André Gomes, analista sênior da Cullen Internacional, a nova tecnologia irá também mudar substancialmente o MVNO e a ocupação do espectro, que passará a ser dinâmica.
“O grande diferencial da tecnologia 5G provavelmente está na forma de implantação de infraestrutura, compartilhada entre operadores desde o início em países como o Japão e a China”, afirmou Gomes, ao defender que o compartilhamento como uma alternativa para viabilizar os investimentos das operadoras para transformar a nova tecnologia em realidade. “Do ponto de vista da demanda, não está claro como várias redes sobrepostas podem se remunerar no curto prazo”, observou.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Tele.Síntese: Há novos modelos de regulação em 5G que estão sendo experimentados no exterior? Isso já aconteceu nos leilões já realizados, por exemplo, na Europa, EUA, Coreia.
André Gomes: Os leilões de espectro para 5G em outros países, na essência, têm sido bastante similares aos leilões para outras tecnologias realizados tradicionalmente. São definidos blocos de radiofrequência para certas áreas com preços mínimos, com ou sem obrigações de cobertura, e se sucedem rodadas de lances entre os interessados.
O grande diferencial da tecnologia 5G provavelmente está na forma de implantação de infraestrutura, compartilhada entre operadores desde o início em países como o Japão e a China. No futuro, espera-se um diferencial também na gestão da capacidade disponível a partir do fatiamento da rede (ou network slicing) e na alocação dinâmica do espectro para prevenir ou mitigar interferências de forma mais eficiente.
Tele.Síntese – Quais incentivos econômicos podem ser dados aos agentes para atuar em compartilhamento?
Gomes: No caso do 5G, entendo que os incentivos econômicos são dados pela estrutura da oferta e da demanda por conectividade. Até o momento, tudo indica que oferecer serviços 5G é bastante caro, e implantar infraestrutura de maneira compartilhada faria sentido, do ponto de vista econômico. Apesar das iniciativas do poder público, a dificuldade de obter licenciamento para implantação de infraestrutura é outro fator que contribui para que a infraestrutura seja
implantada de forma compartilhada. Do ponto de vista da demanda, não está claro como várias redes sobrepostas podem se remunerar no curto prazo.
Tele.Síntese – O superintendente de Competição da Anatel, Abraão Balbino, defendeu novos modelos de acesso ao espectro, como o semi-licenciado. Há outros modelos?
Gomes: O setor provavelmente fará uso de modelos variados de acesso ao espectro. Uma combinação entre modelos (licenciado, não licenciado e semi-licenciado) foi a opção adotada nos EUA, por exemplo. A ideia básica de acesso semi-licenciado diz respeito a diferentes níveis de prioridade no acesso ao espectro. No modelo de acesso licenciado ao espectro, há somente dois casos: os que têm direito exclusivo ao espectro e os que não têm direito algum à proteção contra interferência.
Especificamente no modelo americano, há três categorias de licenciamentos com uma hierarquia de prioridade. Na categoria mais alta está o uso militar, que tem prioridade sobre os demais. Na segunda categoria, o espectro é leiloado para operações comerciais, que precisam ceder espaço ao uso militar se necessário. Na última categoria, outros interessados podem usar o espectro que não esteja sendo ocupado de fato em dado momento. Um sistema centralizado garante que essa ordem de prioridade seja respeitada.
Tele.Síntese – Como usar o modelo RAN Sharing de forma mais agressiva?
Gomes: Isso já está acontecendo. A quantidade de acordos de RAN sharing aprovada pela Anatel cresceu bastante nos últimos anos, e há outros acordos em negociação. De um lado, a indústria percebeu que o compartilhamento é um bom negócio. De outro, foram esclarecidas perante as autoridades as condições para prevenir possíveis efeitos anticompetitivos na prestação do serviço ao usuário final. Esse movimento tende a se aprofundar com a tecnologia 5G.
Tele.Síntese: Por que o modelo de MVNO ganha um diferencial no 5G?
Gomes: Porque o fatiamento das redes favorecido pelo 5G e a simplificação de interfaces permitirá a criação mais fácil de MVNOs “plug and play”. Espera-se que novos agentes possam explorar nichos de maior valor agregado com oferta de serviços customizados, o que deve modificar substancialmente o modelo de negócio de MVNOs.
Tele.Síntese :Há necessidade de uma entidade neutra para gerir os compartilhamentos de espectro dinâmico? Por quê?
Gomes: Atualmente, os modelos de compartilhamento dinâmico de espectro utilizam geralmente uma entidade centralizada, neutra para gerir dinamicamente o espectro, conforme o uso e a necessidade efetiva de quem compartilha. Essa entidade é necessária para garantir que dois equipamentos não tentem ocupar a mesma frequência, ao mesmo tempo em dado local, o que causaria interferência e prejudicaria a comunicação.
Mas já estão em desenvolvimento tecnologias avançadas, usando inteligência artificial, que pretendem eliminar a necessidade de uma entidade centralizada para gerenciar o espectro. Uma vez implementada, essa tecnologia permitiria que os equipamentos “entendessem” por si mesmos quais frequências podem ser ocupadas em certo espaço e por quanto tempo.
Tele.Síntese: Por que o compartilhamento pode criar mais complexidade para os reguladores?
Gomes: Se a expectativa se confirmar, teremos mais atores compartilhando redes utilizando serviços mais complexos e difíceis de precificar. A solução de conflitos, responsabilidade dos reguladores, se tornará mais difícil e será mais urgente.
Tele.Síntese:Como as operadoras podem virar broker de capacidade?
Gomes: Se chegarmos a um nível de compartilhamento tal que as redes se tornem praticamente uma só, o papel das operadoras seria gerenciar as diversas fatias da rede que atendem aos variados segmentos de mercado para otimizar ao máximo o uso de capacidade. Nesse sentido é que se tornariam “brokers” de capacidade. O processo para se chegar lá provavelmente levará algum tempo.
Tele.Síntese: A experiencia da Argentina para áreas rurais pode ser aplicada no país?
Gomes: O Brasil é um país com grandes áreas rurais carentes de conectividade, um caso de uso considerado ideal para a tecnologia de white space. Acredito que o Brasil deve considerar e abrir espaço para todas as alternativas de tecnologia, priorizando aquelas que têm candidatos para oferta efetiva de serviço.