Franquia na banda larga e neutralidade de rede voltam a debate com o “fair share”
O reaquecimento do debate sobre o financiamento das big techs de redes de telecomunicações – o chamado fair share – trouxe à tona um assunto de 2016: a cobrança de franquia na banda larga fixa.
Em debate organizado pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) na noite de ontem, 15, em São Paulo, representantes das operadoras, das plataformas digitais e da Anatel apresentaram posições diversas sobre o fair share. E sinalizaram que a regra de 2016 que impede a adoção de franquia na banda larga fixa é um ofensor à capacidade das operadoras de recuperarem o valor investido nas redes.
O tema foi levantado pelo presidente da Anatel, Carlos Baigorri. Ele não defendeu a cobrança franquias na banda larga fixa, mas reconheceu que essa decisão da agência em 2016 impacta as perspectivas de investimento.
“À medida que o tráfego aumenta, o custo aumenta, e se não repassar para alguém, o negócio não vai parar de pé. Nunca mais se falou em colocar franquia na internet fixa. Não estou dizendo que isso tem que ser feito, mas se um agente não puder repassar esse custo para o consumidor, vai querer passar para o outro lado”, observou.
A Claro e o fair share
José Félix, presidente da Claro Brasil, defende a tese de que a regulação impede as operadoras de obter um retorno condizente ao investimento realizado nas redes. Lembra que o tráfego de rede em crescimento exponencial demanda investimentos na infraestrutura, mas estes investimentos não são feito pelas empresas que geram o tráfego.
“Facebook, Google e Netflix consomem, juntas, 50,2% do tráfego de rede da Claro”, revelou. E mostrou dados indicativos que no mundo todo sete empresas representam metade do tráfego de dados nas redes das operadoras.
“Não existe lugar onde não se cobra pelo gás, pela água, pela energia na proporção da quantidade consumida. Por que é assim com a internet? Isso é uma aberração”, criticou.
O executivo defendeu que uma das primeiras medidas é desregulamentar o setor de telecomunicações, acabando, inclusive, com o veto à cobrança de franquia na banda larga fixa.
Também defendeu acabar com qualquer insegurança jurídica causada pela neutralidade de rede, que a seu ver foi definida em lei para combater um risco que não existe. “Imagina que a Claro um dia quisesse discriminar o tráfego de rede por origem. Nas mesma hora viria a TIM ou a Vivo dizendo para o consumidor que aqui ele é 100% livre. A competição se encarrega, já se encarregou, de mostrar que essa possibilidade não existe”, falou.
O que diz a Telefônica Vivo
Camilla Tápias, vice-presidente para assuntos regulatórios da Vivo, também participou do evento e defendeu que a neutralidade de rede não pode ser entendida como proibição a uma negociação entre operadoras e big techs para organizar o fluxo de dados.
“Uma proposta de fair share não fere a regulamentação de neutralidade de rede. Isso é uma distorção que a gente vem ouvindo. Não estamos falando de degradação ou discriminação, como está descrito no Marco Civil da Internet. Estamos falando em pagamento pela utilização de um serviço, o transporte desse volume de dados”, defendeu.
A seu ver, regulamentar o fair share é uma alternativa para obter recursos às expansão da infraestrutura. Assim como garantir que as operadoras sejam livres para negociar com os grandes geradores de tráfego.
Seja qual for a fórmula escolhida para resolver a equação, Tápias ressalta que o mercado de banda larga deve ser considerado um mercado de dois lados, assim como o do cartão de crédito. Ou seja, um mercado em que existe um intermediador (as operadoras), um cliente empresarial (as big techs) e o final (usuário comum). E como em todo mercado de dois lados, o intermediador precisa ter a liberdade de cobrar em ambas as pontas pelo seu serviço.
“Mas o que se vê é que no mercado de banda larga o pagamento é unilateral, feito apenas pelo consumidor”, destacou.
O que diz a Internet Society
A Internet Society representa interesses de algumas das big techs consideradas grandes produtoras de tráfego, como Amazon e Google. Esteve no debate Paula Bernardi, Assessora Sênior de Políticas da entidade.
A posição defendida é de que nada deve mudar no modelo atual. Segundo Bernardi, o consumidor é responsável pela geração do tráfego ao escolher a plataforma digital que vai utilizar. De outra forma, não haveria o trânsito de dados.
Ela falou que a cobrança das empresas de streaming, por exemplo, resultará em aumento de preços ao consumidor final. Disse ainda que a infraestrutura construída já é bancada pelas assinaturas dos clientes para acessarem a rede.
A seu ver, exigir das grandes empresas digitais aportes em rede vai contra o modelo bem sucedido de internet que existe atualmente, com potencial de inibir a inovação e a entrada de novos competidores capazes de ameaçar as atuais big techs em seu território.
Um entrave ao fair share seria sua aplicação em todo o mundo. Isso obrigaria as empresas de internet a negociar com cada operadora de um país, em todos os países. Como isso é inviável a seu ver, seriam escolhidos mercados de interesse, e a negociação teria de acontecer com todas as operadoras desses mercados, de todos os portes.
“Essas propostas [de fair share] quebram a proposta da internet de ser rede única e global”, falou. Por fim, observou que é injusta a proposta de cobrança apenas de grandes geradores de tráfego, como acontece na Europa, quando se tem uma realidade na qual o conjunto de empresas menores geram também tráfego significativo.
Mais Anatel
Além de Baigorri, o conselheiro Artur Coimbra participou do debate. Ele ponderou que a agência ainda está no início da investigação sobre o assunto. Disse que serão feitos estudos para dizer se o que existe é um caso de poder de mercado por parte das big techs, ou se o que há é uma problema de poder de barganha.
“Por enquanto, o que se tem é uma pretensa solução para um possível problema. Mas se trata de poder de mercado ou de poder de barganha? Já houve um momento em que a força comercial estava do lado das operadoras”, falou.
E ressaltou que a discussão não pode ser vista como tendo dois lados. “Operadoras e OTTs estão do mesmo lado. Se o barco afundar, afunda para todo mundo. Talvez haja espaço para uma solução privada. As condições estão criadas para isso. Mesmo assim, vamos estudar o assunto”, concluiu.