Teles e plataformas expõem divergências em Tomada da Fazenda

Empresas alvo de futura regulação dos mercados digitais tentam levar ao Executivo a tese de que os motivos que levaram outros países a regular as plataformas digitais não se aplicam ao Brasil.
Teles de plataformas digitais encaminharam diferentes contribuições em Tomada de Subsídios do Ministério da Fazenda | Foto: Freepik
Teles de plataformas digitais encaminharam diferentes contribuições em Tomada de Subsídios do Ministério da Fazenda | Foto: Freepik

A Tomada de Subsídios do Ministério da Fazenda sobre as aspectos concorrenciais do mercado digital chegou ao fim na última semana com mais de 300 contribuições. Entre elas estão as visões divergentes das prestadoras de telecomunicações e as plataformas digitais.

De um lado, as teles defendem a regulação dos serviços das big techs destacando a concentração no mercado e os impactos na conectividade, defendendo o conceito de “uso sustentável da rede” com eventuais deveres das plataformas sobre a expansão da capacidade da infraestrutura, como contrapartida ao uso massivo da conectividade (saiba mais abaixo).

Por outro lado, os provedores de aplicações na internet tentam levar ao Executivo a tese de que os motivos que levaram outros países a regular as plataformas digitais não se aplicam ao Brasil.

O Google cita o acesso à internet entre os pontos que diferem o mercado digital brasileiro de outros países, como os membros da União Europeia. “O mercado brasileiro está crescendo, especialmente em áreas como redes sociais e vídeo sob demanda, e atraindo investimentos. No entanto, o país ainda enfrenta gargalos de infraestrutura em termos de acesso/conexão e há uma escassez de trabalhadores qualificados no setor de tecnologia. Essas dificuldades, aliadas à intervenção excessiva do Estado (por exemplo, por meio da regulamentação das plataformas digitais), podem prejudicar o desenvolvimento do mercado e a realização dos inúmeros benefícios da economia digital para o Brasil”, consta na manifestação da empresa.

Para a big tech, “o Brasil deve se revestir de sua legislação atual ou adotar uma abordagem regulatória leve que priorize a flexibilidade, promova o dinamismo do mercado e garanta a igualdade de condições”.

Enquanto as operadoras de telecomunicações e o próprio Ministério das Comunicações entendem que as plataformas digitais podem contribuir mais financeiramente para a inclusão digital no país, o Google entende que “o próspero setor de tecnologia do Brasil é uma razão contrária à adoção de novas regulamentações para plataformas digitais que poderiam afetar a sua capacidade de inovar, crescer e alcançar mais consumidores com melhores produtos e serviços”.

Os argumentos da Meta – proprietária do WhatsApp, Instagram e Facebook – são semelhantes aos apresentados pelo Google, atacando a atração de investimentos no Brasil.

“As empresas almejam operar em jurisdições e economias que possuam ambientes regulatórios transparentes, equitativos e fundamentados em princípios. Desejam evitar obrigações regulatórias excessivas e custos operacionais elevados. Isto é particularmente importante para aumentar a competitividade global das exportações das empresas brasileiras e para atrair investimentos. Do ponto de vista empresarial, surge uma questão fundamental: Qual é a posição estratégica que o Brasil pretende adotar na concorrência global pela atração de investimentos?”, questiona o grupo.

Amazon e Mercado Livre afirmam que o mercado de marketplaces no Brasil é “amplo” e “competitivo”, por isso, defendem a aplicação das leis já existentes.

Quanto ao cenário atual de regras para questões concorrenciais, Google, Meta Amazon e Mercado Livre afirmam que o trabalho já desempenhado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a lei vigente são suficientes. Além disso, dizem  que se caso for designado um órgão como responsável pelos mercados digitais, o Cade é o melhor candidato.

No entanto, o próprio Cade defende a adoção de regras ex ante [de prevenção] contra violações concorrenciais no mercado digital, desde que precedidas de amplo estudo e análise de impacto regulatório (saiba mais aqui).

Sobre a escolha de um regulador, a Meta ressalta que “qualquer hipotético regulador ‘digital’ poderia em breve ser responsável por regular uma vasta gama de atividades que são muito diferentes umas das outras e já contam com suas próprias regulações setoriais, a cargo de agências especializadas, como a Anatel, o Banco Central, a Anvisa, a ANPD e outras. Ter um único “regulador digital” poderia potencialmente criar inconsistências entre setores distintos e introduzir certo grau de atrito no entendimento dos órgãos governamentais sobre diferentes mercados relevantes”

Lobby

Caso o governo decida adotar uma regulação, as plataformas defendem, entre outros pontos, os seguintes:

Google

  • “Eventuais obrigações e proibições devem ser aplicadas a serviços específicos de plataformas digitais cobertas, não à plataforma digital como um todo, […] com base em critérios qualitativos e quantitativos predeterminados”.
  • “Os critérios para identificar uma plataforma digital devem ser independentes do modelo de negócios específico que uma plataforma utiliza, não fazendo distinção entre plataformas que operam modelos de negócios baseados em publicidade, assinaturas, comissões de vendas ou venda de hardware”.
  • “as decisões sobre as plataformas às quais a regulação relevante deve ser aplicada devem se basear em princípios que levem em conta os danos causados pela conduta, e não visar empresas com base apenas em seu tamanho e no fato de atuarem no setor digital”.

Meta

  • “As decisões não devem ser tomadas apenas com base nas ações de jurisdições estrangeiras, pois essa abordagem não capta todo o contexto local”.
  • “É necessário aumentar o acesso e a utilização de plataformas digitais para capacitar os cidadãos e promover mais concorrência”.

Mercado livre:

  • “Se o Brasil considerar que os desafios apresentados pelos mercados digitais requerem algum tipo de regulação ex ante ou ajustes nas leis de concorrência atuais, acreditamos que a experiência de regulamentações da Alemanha, do Reino Unido ou mesmo do México são exemplos que valem a pena ser considerados com atenção”.
  • “Uma regulação assimétrica no Brasil deve ter a proporcionalidade como princípio orientador e deve ser suficientemente flexível para discernir adequadamente as diferenças entre os mercados, suas estruturas e os modelos de negócios dos agentes econômicos. A partir dessa premissa, a regulação assimétrica deve prever aquelas obrigações estritamente relacionadas ao objetivo de promover a concorrência efetiva”.
  • “Os critérios adotados não devem ser meramente quantitativos (faturamento, número de usuários etc.), cujo uso isolado pode acarretar um alto risco de desproporcionalidade, falsos positivos, e impactos negativos no mercado. Os critérios devem ser principalmente qualitativos, em linha com o que foi exposto anteriormente referente à análise e estudos ou investigações de mercados específicos com o objetivo de detectar as falhas e distorções desse mercado”.

Amazon

  • “Se um novo marco regulatório ou conjunto de ferramentas for introduzido de maneira preventiva para se aplicar às empresas que prestam serviços online, incluindo marketplaces online e computação em nuvem, mas sem identificar danos específicos, essas reformas não se aplicarão igualmente a nossos concorrentes nos respectivos espaços, e serão voltadas para setores com diferentes atividades e características competitivas, sendo, portanto, improvável que cumpram a finalidade pretendida”.

Teles

Ao comentar sobre a suficiência e adequação do modelo de regulação econômica e defesa da concorrência atual, a Conexis Brasil Digital, que representa as maiores empresas de telecomunicações do Brasil, afirmou que “há necessidade de uma regulação ex ante [preventiva] complementar à atuação ex post [análise de fatos após o ocorrido] do Cade, de modo a reforçar a garantia de um ambiente concorrencial justo e equilibrado entre todos os atores do ecossistema digital”.

O objetivo de tais medidas, seria “a prevenção de práticas anticompetitivas, ou ainda salvaguardar os interesses dos consumidores e atores envolvidos por meio de padrões de transparência e privacidade”, segundo a Conexis, com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como responsável.

No mesmo sentido, a GSMA (Global System for Mobile Communications) – associação internacional de prestadoras de rede móvel – entende que “uma regulação ex ante é a única capaz de endereçar falhas de mercado advindas de assimetrias regulatórias muito evidentes, como a existente entre operadoras de telecomunicações e plataformas digitais”. Acrescentou ainda que a regulação ex post “deverá ser utilizada para mitigar outras falhas de mercado que possam ser encontradas em casos concretos”.

A Telefônica complementou que ao adotar regras em caráter ex ante, o Brasil deve considerar parâmetros avaliativos dos casos, para fins de aplicação de remédios, o quais:

  • o porte da Plataforma
  • poder de mercado;
  • capacidade de coleta e processamento de dados, nada obstante, as já existentes obrigações que compõem o arcabouço legal e normativo brasileiro, atinente aos direitos dos usuários, que também devem ser incorporados pelas Plataformas – Código de defesa do consumidor e Serviços de atendimento ao consumidor “SAC”.

A TIM, por sua vez, “entende que a abordagem ideal para lidar com as falhas de mercado e a existência de poder econômico significativo por parte das plataformas digitais é a coexistência de regras de caráter ex-ante e ex-post – tal como se observa em diversos outros setores, inclusive o de telecomunicações (e também em outras jurisdições, como a União Europeia, onde o DMA e a legislação antitruste convivem)”.

“Nesse sentido, enquanto a atuação ex-post poderá lidar com abusos específicos cometidos por agentes dominantes, investigando a ocorrência de condutas anticompetitivas e analisando previamente atos de concentração, a abordagem ex-ante teria como objetivo criar normas de comportamento para promover competição e prevenir determinados comportamentos tidos como inerentemente abusivos (que devem ser listados a partir de uma cuidadosa e aprofundada análise)”, defendeu a operadora.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura de telecom nos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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