Telecom terá desafios em 2020 que vão muito além da 5G

A partir de novembro de 2020 começa a vencer a primeira outorga da frequência da banda A. A Anatel tem que decidir rápido se fará nova licitação, ou se estipulará preço para a renovação sucessiva, como querem as operadoras.
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O ano de 2020 promete ter muitas decisões econômicas, políticas e regulatórias que vão afetar diretamente as prestadoras de serviços de telecomunicações grandes e pequenas que atuam no país e, é claro, os consumidores desses serviços, que são quase toda a população brasileira.

Para além do  grande debate que ocorreu em 2019 sobre o maior leilão de venda de frequências já promovido pela Anatel, que vai continuar em 2020, principalmente quanto às questões não resolvidas sobre a modelagem da venda das frequências de 5G (entre os principais temas na berlinda estão a solução para a interferência nas antenas parabólicas de TV aberta por satélite e se haverá ou não tratamento especial para os ISPs participarem da disputa), questões cruciais para os consumidores, investimentos, investidores e empresas estarão também na pauta.

Fora da seara do regulador, o Congresso Nacional poderá ser o primeiro protagonista, se resolver mesmo antecipar a Reforma Tributária. Se o setor de telecomunicações parece ter escapado da intenção original dos formuladores das duas propostas de reforma em tramitação no Legislativo de continuarem a carregar o “imposto seletivo”, com elevação de mais de 30% na alíquota, a intenção de subir substancialmente o PIS/Cofins permanece, e essa medida impactará diretamente os serviços de telecomunicações. Vão ficar muito mais caras a banda larga e o celular. As grandes operadoras deverão ser afetadas também com a intenção da cobrança de impostos sobre lucros e dividendos, mas nesse caso, elas se igualarão às demais empresas dos outros setores.

Os ISPs, poderão, por sua vez, ser diretamente afetados em seus negócios, se a área econômica insistir em acabar com Simples, a principal base de enquadramento fiscal de 90% desses operadores.

Ainda no Legislativo, a Proposta de Emenda Constitucional que está em tramitação sobre o fim dos Fundos Setoriais, é outra área para a preocupação do setor, já que os fundos de telecomunicações (Fust, Funttel, Fistel, do Cinema), com bilhões de reais disponíveis, poderão ser extintos, mas as taxas não.

Há ainda projetos de lei que deverão ter novos desdobramentos. Aquele que, no último instante, foi aprovado pela Câmara dos Deputados em novembro e voltou para o Senado Federal e destina o dinheiro arrecadado  pelo Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) para a área rural brasileira deve ser acompanhado de perto. Afinal, o agrobusiness poderá, finalmente, usar um Fundo que as telecomunicações reivindicam a utilização de seus recursos há mais de 15 anos.

Há ainda o projeto que desonera a taxa do Fistel dos chips de IoT (sem o qual muitos interlocutores afirmam que  não haverá Internet das Coisas no Brasil) e todos aqueles que tratam de mudar a lei do SeAC (Serviço de Acesso Condicionado).

O debate sobre as obrigações que as operadoras de TV paga carregam (e pagam) para comercialização dos canais de TV em grade e a TV na internet, versus a inovação  do streaming e a transmissão do conteúdo em qualquer tela irá continuar por muito tempo no parlamento, visto que os atores são muitos e os interesses, poderosos.

Executivo

O governo federal, por sua vez, tem em suas mãos duas decisões de grande relevância para o setor e para a sociedade. Deve publicar as diretrizes gerais que regulamentarão a nova lei de telecomunicações, e precisa indicar os nomes que irão compor a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), sem a qual, a LGPD ficará inoperante. Mas o governo pode também adiar a  entrada em vigor da lei.

O não funcionamento da autoridade e o adiamento da aplicação da Lei trará muitos transtornos não apenas para  nós, brasileiros e internautas, que continuaremos a ter os nossos dados manuseados a bel prazer das corporações, como também para as próprias grandes corporações, que precisam estar enquadradas pela Lei para ter os seus bens e serviços comercializados no rico mercado da União Europeia.

Regulador

Como todos os anos, porém, o muito a ser feito depende mesmo da Anatel.

E um dos imediatos desafios virá da telefonia móvel, antes mesmo da definição da modelagem do leilão.

A partir de novembro de 2020 começa a vencer a primeira outorga da frequência da banda A, da Vivo, vendida ainda à época da Telebras estatal. Embora a nova lei das teles (lei 13. 879/19) permita a renovação sucessiva dessas outorgas (a um preço a ser definido pela agência), diferentes agentes do governo entendem que a renovação, sem licitação de frequências, só pode ocorrer para vendas futuras, já que nos leilões passados o  prazo de validade da outorga de 30 anos estava precificado nos Editais.

A Anatel tem que decidir essa questão rapidamente, pois se prevalecer a tese da licitação, o edital terá que ser lançado ainda no primeiro semestre do próximo ano. Logo depois da licença da Vivo, vem o fim das outorgas das frequências das demais empresas.

As celulares alegam que a Anatel pode decidir rapidamente essa questão, já estipulando o preço da renovação, tendo em vista que a lei das teles aprovada, se foi feita para a migração das atuais concessões de telefonia fixa, não poderia fazer diferente para as atuais outorgas de espectro.

Em paralelo a essa debate, o foco estará mesmo no valor dos bens reversíveis que será incorporado às obrigações de investimento em banda larga para as empresas que migrarem para o regime privado.

Mas também, a revisão do plano de universalização, qual o custo afinal das metas substituídas ao longo dos tempos, qual será o novo desenho da competição a ser estabelecido no plano de outorgas e, mesmo, como ficarão as regras para as concessionárias que não quiserem mudar de regime. A perpetuação da concessão da telefonia fixa pode ser uma realidade? Perguntas que precisam ser respondidas pelo órgão regulador.

Ainda, a agência terá que se posicionar sobre o já intenso debate da insustentabilidade ou não da concessão de telefonia fixa, e de seu equilíbrio econômico ou não.

Em outra frente, precisa avançar na definição de preço e ocupação dos postes e demais infraestruturas, questão que é de dificílima solução, e que poderá contar com um empurrão do Poder Executivo, se conseguir pacificar os diferentes setores de infraestrutura. A agência precisa também continuar em sua peregrinação para que as leis  municipais liberem as instalações das antenas.

Avançar na regulação responsiva e avançar na modelagem de aferição dos dados de qualidade das operadoras com poder de mercado também deve estar no radar da agência, além é, claro, de já começar a analisar quais são os mercados relevantes que precisam ser regulados no futuro, já que as tecnologias avançam e com elas os modelos de negócios mudam drasticamente.

E a agência deverá, por fim, com o ingresso do novo Conselheiro, Carlos Baigorri, buscar apaziguar os ânimos. Baigorri talvez consiga fazer com que volte a ser formada maioria por concordâncias técnicas e de modelos de desenvolvimento do setor, o que parece ser hoje um dos maiores desafios do colegiado.

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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