STF retoma debate sobre histórico de buscas, mas suspende com novas questões

Nova tese em discussão sugere fixar entendimento sobre dispositivo do Marco Civil da Internet de armazenamento de dados.
    STF analisa limites para sigilo do histórico de buscas| Foto: Rosinei Coutinho/STF

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira, 16, a análise de recurso do Google contra decisões judiciais que admitiram a quebra de sigilo do histórico de buscas de usuários na plataforma de pesquisa da big tech (RE 1301250). Após longo debate, a análise sobre quais seriam as hipóteses para o compartilhamento dos dados para fins de investigações puxou diversas questões a serem analisadas pelos magistrados, como a atenção a quais são os registros que devem ser armazenamento e a delimitação de requisitos. 

As decisões contestadas pelo Google foram emitidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a Justiça do Rio de Janeiro no âmbito das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes. No caso, a determinação foi para que a empresa informasse os protocolos de acesso à internet (IPs) ou a identificação de dispositivos que fizeram determinadas buscas no Google, nos quatro dias que antecederam o crime, de termos relacionados à rota identificada na apuração, como “agenda vereadora Marielle”, “Casa das Pretas” ou “Rua dos Inválidos”. 

Ao Supremo, conforme os relatórios, o Google alegou que a ordem é “genérica” e “sobre dados privados de pesquisa a serem disponibilizados sob a perigosa lógica de perfilamento de pessoas por termos de busca inclusive de inclinações políticas através de dados pessoais, para usar a definição legal”. Acrescentou ainda que o lapso temporal proposto seria muito longo, o que poderia “lesar os direitos de grande número de pessoas inocentes”, além de que “poderia ser inserida em qualquer outra quebra de sigilo, sobre qualquer tema”. 

Diante do caso, a violação constitucional apontada pelo Google seria o desrespeito à proteção da intimidade e o sigilo de dados. Por fim, de acordo com os ministros do STF, a big tech não cumpriu as determinações, argumentando que não teria tais informações de histórico de buscas para fornecer da forma como solicitado pela Justiça. 

Julgamento

O caso começou a ser julgado em plenário virtual, em setembro de 2023, com a relatoria da então ministra Rosa Weber. À época, a magistrada votou por aceitar o recurso do Google contra as decisões judiciais, propondo fixar a tese de que “[…] o Marco Civil da Internet não ampara ordem judicial genérica e não individualizada de fornecimento dos registros de conexão e de acesso dos usuários que, em lapso temporal demarcado, tenham pesquisado vocábulos ou expressões específicas em provedores de aplicação”. 

A análise, no entanto, foi suspensa por pedido de vistas apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes. A retomada do julgamento se deu em plenário físico nesta tarde, com o magistrado abrindo divergência. Para ele, o STF deve, sim, prever a possibilidade de quebra de sigilo do histórico de pesquisas.

Foto: Rosinei Coutinho/STF

“A tese [de Weber] genérica como foi proferida, acaba impedindo as investigações que vem sendo realizadas para casos gravíssimos, em especial, pornografia infantil e pedofilia”, justificou Moraes. 

Novas teses

A tese divergente, sugerida inicialmente por Moraes, tem duas partes. A primeira delas diz que “é constitucional a requisição judicial de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, desde que observados os requisitos previstos [no Marco Civil da Internet], quais sejam: fundados indícios de ocorrência do ilícito, justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória e período ao qual se referem os registros”.

A segunda parte da tese é a que gerou mais debates e novas questões. Inicialmente, Moraes propôs estabelecer que “ordem judicial poderá atingir pessoas indeterminadas, desde que determinadas a partir de outros elementos de prova obtidos previamente na investigação e que justifiquem a medida”, posteriormente, a partir de observações dos ministros Cristiano Zanin e Luiz Fux, complementou, para que a medida de compartilhamento seja admitida “desde que necessária, adequada e proporcional“. 

Por fim, Zanin acompanhou a divergência aberta por Moraes, mas sugeriu ajustes na tese apresentada por ele, acrescentando um item que respinga para além do caso concreto do histórico de pesquisa, no sentido de que “o compartilhamento ou acesso de dados pessoais ou outras informações eventualmente guardadas pelo provedor e que possam contribuir para a identificação do usuário ou terminal [Artigo 10 do Marco Civil da Internet], somente é possibilitado quando houver razões que fundamentam uma suspeita em face de pessoa determinável“. 

 

Foto: Rosinei Coutinho/STF

Zanin também chamou atenção para a necessidade do Supremo abordar a falta de cumprimento da decisão judicial. “Nós vamos chegar em outra problemática, que é a plataforma dizer que não tem a obrigação de guardar conteúdo, mas sim apenas de guardar dados de acesso e de conexão. Aqui, no caso concreto, salvo melhor juízo, o recorrente não cumpriu a ordem judicial sob a alegação de que não teria guardado os dados de conteúdo de pesquisa que foram feitos naquele período. De um lado, me parece reprovável a conduta, porque o cumprimento de decisão judicial tem que ocorrer, a menos que haja reforma. Mas, de outro lado, há uma questão a ser examinada, que é: em que medida essa justificativa é aceitável ou não, já que o Marco Civil não prevê uma obrigação específica de guarda de conteúdo?”, questionou. 

Diante das indagações, o julgamento foi suspenso de novo, desta vez, pelo ministro André Mendonça, que sinalizou devolver o tema “em breve”.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura de telecom nos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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