PL das Fake News: Senacon notifica Google por propaganda enganosa e abusiva

Órgão diz que há 'indícios' de censura promovida nas plataformas da empresa e exige que usuários tenham informação expressa sobre os 'interesses comerciais'.
Secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous (ao centro), anuncia medida cautelar contra Google, acompanhado da assessora de Direitos Digitais, Estela Aranha, e do ministro da Justiça, Flávio Dino | Foto: Tom Costa / MJSP

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), emitiu uma medida cautelar contra o Google determinando a retirada de manifesto contra o Projeto de Lei 2630/2020 – PL das Fake News da página inicial da sua plataforma de buscas. No entendimento do órgão, o comunicado configura propaganda enganosa.

A nota do Google contra o PL 2630/2020 é assinada pelo diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas da empresa no Brasil, Marcelo Lacerda. No comunicado, publicado no última quinta-feira, 27, no manifesto  ele afirma que “o PL acaba protegendo quem produz desinformação, resultando na criação de mais desinformação” (saiba mais abaixo).

Na prática, o governo quer garantir uma “contra propaganda” no mesmo lugar do manifesto, na página do Google, com um link para “informar devidamente os consumidores o interesse comercial da empresa no que concerne a referida proposição legislativa”, no prazo de duas horas a partir da notificação, sob pena de multa de R$ 1 milhão por hora.

A medida é administrativa, mas a empresa pode enfrentar processo penal. De acordo com o ministro da Justiça, Flávio Dino, o Ministério Público Federal analisa as providências judiciais cabíveis.

Segundo Dino, além de considerar ilegal a disponibilização do manifesto, como um “editorial” em plataforma que não é considerada veículo de comunicação, o órgão está reagindo a denúncias de que posições favoráveis ao PL estão sendo “censuradas” em plataformas do Google.

Questionado pela imprensa se tal censura foi confirmada pelo órgão, o ministro afirmou apenas que “há indícios”.

Medida cautelar

Ficam determinadas as seguintes medidas ao Google:

  • imposição da obrigação da empresa sinalizar os conteúdos publicitários próprios publicados no âmbito de seus serviços, bem como informar os consumidores de eventual conflito de interesse que afetem a prestação de serviço. 
  • imposição do dever de informar qualquer interferência no sistema de indexação de buscas relativos ao debate do PL 2630;
  • A imposição de obrigação de não fazer o sentido de que a empresa, sem informar devidamente o consumidor de que se trata de posição editorial, abstenha-se de censurar nas comunidades e aplicações mantidas pela  plataforma digital posições divergentes da posição editorial da empresa, tal como relatar os elementos anexos à presente nota técnica relativamente ao debate público sobre a proposição legislativa em foco;
  • imposição de obrigação de não fazer no sentido de que a empresa, sem informar devidamente o consumidor de que se trata de posição editorial, abstenha-se de privilegiar nas comunidades e aplicações mantidas pela plataforma digital posições convergente com a posição editorial da empresa, tal como relatado nos elementos anexos à presentes nota técnica relativamente ao debate público sobre a proposição legislativa em foco; 
  • Diante dos casos de publicidade enganosa e abusiva praticada relatados na nota técnica em seus anexos, a imposição que a obrigação de fazer consistente em veicular contra propaganda no prazo máximo de duas horas após a notificação do presente, voltada a informar devidamente os consumidores o interesse comercial da empresa no que concerne a referida proposição legislativa;
  • Em virtude do caráter da publicidade enganosa e abusiva praticada ante a proximidade da data da votação da proposição legislativa ou seja o PL 2063 2630, impondo extrema dificuldade a recomposição da harmonia e neutralidade das redes, o descobrimento da medida cautelar importará na incidência de multa de R$ 1 milhão por hora a partir da notificação da presente medida. 

Por fim, a Senacon instaurou processo por “evidente infração” do Google e deu 20 dias para a empresa se manifestar. Para a secretaria, a plataforma violou diversos dispositivos do Código Nacional de Defesa do Consumidor, dentre os quais: o direito dos usuários à informação adequada, clara, precisa e ostensiva.

O que diz a nota do Google

Google deixa mensagem contra PL das Fake News na página inicial (Foto: Reprodução)

Sem indicar os dispositivos do projeto de lei alvos de crítica, o Google alega o PL piora a desinformação, provocando por exemplo, que “as plataformas ficariam impedidas de remover conteúdo jornalístico com afirmações falsas como ‘A vacina de Covid-19 irá modificar o DNA dos seres humanos’, ou seja, continuariam disponíveis na busca do Google e no YouTube, gerando ainda mais desinformação”.

O texto não se posiciona expressamente contrário a uma regulação, mas defende que a “criação de uma legislação de internet com o potencial de impactar a vida de milhões de brasileiros e empresas todos os dias precisa ser feita de uma maneira colaborativa e construtiva”.

Como foi a tramitação

O PL das Fake News começou a tramitar no contexto da pandemia de Covid-19, no Senado Federal, em maio de 2020. A aprovação ocorreu direto em plenário, em junho de 2020, após o ajuste de quatro substitutivos.

Na Câmara, o projeto foi debatido entre julho de 2021 e março de 2022, em Grupo de Trabalho criado especificamente para o tema. O relator, Orlando Silva (PCdoB-SP), tentou aprovar regime de urgência ao texto diversas vezes, sem sucesso.

Neste ano, o projeto se tornou uma das prioridades do governo federal, que pretendia lançar uma consulta pública sobre a regulamentação das plataformas digitais. No legislativo, havia expectativa da criação de uma comissão especial para novos debates.

No entanto, incidentes como atos antidemocráticos no dia 8 de janeiro em Brasília e os ataques violentos em escolas entre março e abril, todos pré-anunciados e incentivados pelas redes sociais, pressionaram os Poderes a uma medida mais ágil.

Com isso, o projeto de lei teve regime de urgência aprovado na última semana, com votação prevista para esta terça-feira, 2.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura de telecom nos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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