Rezende: ” É preciso equilibrar a balança tributária da economia digital”
As alterações legais sempre estão dois passos atrás da evolução tecnológica. Isso é claro em quase todas áreas da economia, da política e da sociedade em geral. Os projetos de reforma tributária até agora apresentados têm dois pilares: no primeiro, há de tornar mais racional e simplificado o sistema tributário nacional e, no outro, deve manter a capacidade de arrecadação da União, Estados e Municípios. Diante do tamanho da crise fiscal do setor público não é esperado, pelo menos no curto prazo, redução de carga tributária.
Se por um lado todos almejam e é desejável uma simplificação e modernização tributária, como a unificação de impostos municipais, estaduais e da própria União na criação de um Imposto de Valor Agregado, para o setor de Telecomunicações não há, pelo menos nas propostas iniciais, qualquer alteração no sistema vigente. A necessidade de arrecadação das instâncias federativas é muito maior do que os tímidos e pontuais ensaios que visem incentivar a inovação tecnológica e por consequência a produtividade da própria economia.
Se isso não bastasse, existem ainda enormes arestas a serem aparadas no sistema tributário que compõem nossa
economia digital, que vai da produção de conteúdo a infraestrutura. Por óbvio, o que é mencionado aqui, é o desequilíbrio tributário que vem se acentuando entre o mercado de telecomunicações atual e as aplicações do mundo da Internet.
Na legislação surgida com a Lei Geral de Telecomunicações, os Serviços de Valor Agregado – SVA tiveram como justificativa a complementariedade aos serviços de telecomunicações, pelo fato de não deterem infraestrutura.
Mas, passadas duas décadas, a inovação e o avanço tecnológico tornaram as aplicações na Internet como serviços concorrentes em vários produtos que vão ao tradicional serviço de voz ao provimento de dados e vídeos. A questão não é frear ou mesmo criar dificuldades para a inovação. Mas no campo das regras tributárias é preciso buscar
uma equalização entre todos os serviços, quer no mercado de telecomunicações, quer nas aplicações na Internet. E neste ponto não estamos falando de diferenças pontuais, e sim um verdadeiro abismo que separa a carga tributária de um setor em relação ao outro.
Do ponto de vista da competitividade, e para assegurar que não haja desinvestimentos, nem na inovação e nem criação de infraestrutura se faz necessário, com uma certa urgência, compatibilizar as regras e sistemas tributários vigentes. A criação do IVA poderia solucionar vários gargalos existentes, juntando todas as transações- quer de serviços quer de produtos- sob o mesmo guarda-chuva. Estabelecendo racionalidade na cobrança. Mas, como sempre, as disputas entres os entes federados (união, municípios e estados) podem inviabilizar uma reforma mais ampla, ficando restrita à unificação dos impostos federais, que já é um avanço.
Conflitos de entendimento continuam a ocorrer em vários aspectos, sobre o que é Internet e o que é telecomunicações. Portanto, parece razoável buscar instrumentos que possam, além dar equilíbrio e, guardadas as respectivas características dos serviços existentes, possam ser olhadas como parte integrante da mesma indústria que, em conjunto, é responsável pelo o avanço tecnológico e a inovação.
As mudanças ocorridas nos Estados Unidos, onde Internet passou a ser um serviço de telecomunicações, estão longe dos debates no Brasil, mas creio que não escaparemos desse enfrentamento. O primeiro sinal começa a vir pelo lado tributário. Vários estados, diante de quedas em sua arrecadação com serviços de telecomunicações, têm
buscado brechas para tributar provedores e até aplicativos. E nem se pensa aqui, evidentemente, em uma equalização “por cima” que corresponderia a um aumento de carga tributária para os serviços na internet ao se
igualar aos níveis de tributação das telecomunicações, pois, por certo dificultaria a inovação. Mas é certo que os níveis de carga tributária sobre o setor de telecomunicações podem também inviabilizar investimentos em infraestrutura. É preciso equilibrar a balança.
Portanto, a redistribuição da carga tributária entre todos os que compõem a economia digital parece o caminho mais lógico a seguir, preservando tanto o avanço e o desenvolvimento tecnológico como os níveis de investimentos em infraestrutura. Essas questões poderiam estar sendo endereçadas nos debates atuais da reforma tributária.
João Rezende. Mestre em Economia pela PUC-SP. Ex-Presidente da Agência Nacional de
Telecomunicações – ANATEL e autor do Livro “Reforma e Política Tributária” 1998.