Reoneração: Acordo mede diferentes setores com única régua, avaliam gestores
Formalizado após discussões acaloradas, o acordo que definiu os rumos da desoneração da folha de pagamentos chegou ao fim sendo avaliado como “o que restou aceitar” e algo que deixa “desafio à frente” por gestores ouvidos pelo Tele.Síntese. De um lado há o alívio por uma opção melhor do que a suspensão total da prorrogação do benefício, no outro, estão as preocupações sobre os impactos – especialmente, na área de tecnologia, dita “prioritária” para o governo.
“O episódio, de uma forma geral, é muito ruim como guia de referência de segurança jurídica para garantir investimentos”, afirma Jorge Sukarie, membro do conselho da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES), sócio fundador e presidente da Brasoftware.
Ou poderiam ser também “episódios”, de uma longa série. A medida – que autoriza empresas de 17 setores a recolher 1% a 4,5% sobre a receita bruta em vez de 20% sobre o salário dos empregados, como forma de estimular a contratação formal – acabaria em 2023, mas foi prorrogada pelo Congresso Nacional. Inicialmente, a desoneração seguiria até 2027, sem alterações, conforme lei aprovada pelos parlamentares, no entanto, embarcou em uma montanha-russa: foi vetada; depois restaurada por derrubada de veto; em seguida, judicializada pelo governo pela falta de compensação financeira e suspensa pela Justiça; até que, por fim, reformulada com reoneração gradual a partir de 2025, por acordo.
Parte do acordo – e, justamente, o fio que ainda liga o benefício fiscal ao que motivou a criação, em 2011 – é um mecanismo que exige a manutenção dos empregos. Ficou estabelecido um quantitativo médio de empregados igual ou superior a 75% do verificado na média do ano-calendário imediatamente anterior, para todos.
“É difícil acreditar que um percentual único atenda 17 setores tão diversos, com um número de profissionais tão diferente, com perfis de profissionais tão diferentes. Você pega o setor de TI (Tecnologia da Informação), por exemplo, com um nível salarial que é praticamente quatro vezes a média nacional, e aí vai [comparar com] uma área de construção, onde o nível de salário é bem mais baixo, com um volume muito maior de trabalhadores. Enfim, é difícil uma regra única conseguir atender todo mundo nesse cenário, em que pouca discussão foi permitida“, critica Sukarie.
Como gestor em empresa de software, o representante da ABES afirma que conseguiu “salvar” o ano de 2024, mas os próximos causam certa preocupação. O fato é que o acordo agora é regra. “Nós vamos ter que atender. Agora, o quanto isso vai ser factível ou não, o tempo dirá“, conclui.
A avaliação da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT) é semelhante. Cláudio Tartarini, consultor jurídico da organização, reconhece que “o acordo foi fundamental para evitar um tremendo impacto social e econômico”, com demissões em massa, caso não houvesse uma “transição ordenada e gradual”. No entanto, o resultado não é visto como totalmente favorável à manutenção de empregos.
“Demissões podem ocorrer em face de perdas repentinas de clientes relevantes, em crises econômicas e diante de mudanças tecnológicas“, sinaliza Tartarini.
Diante do “E agora?”, o representante da ABT aponta que “o desafio à frente será promover, no coletivo, outras políticas públicas que favoreçam o emprego, e, no individual, esforços operacionais e comerciais para assegurar o emprego acima desses patamares que a legislação define”.
Os impactos estariam além da folha de pagamento. “A reoneração prevê aumento da carga tributária relevante sobre o emprego, ainda que ano a ano. Mas as margens do setor são muito reduzidas, assim, como em todo aumento da carga tributária, haverá impacto em preço e em condições comerciais de oferta dos serviços do setor“, analisa Tartarini.
Em nota divulgada nesta tarde, a presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações (Feninfra), Vivien Mello Suruagy, reforça a visão de que o Estado terá que buscar alternativas de incentivos ao emprego formal.
“É prioritário encontrar solução eficaz e definitiva para reduzir os custos trabalhistas do Brasil, um dos mais elevados do mundo, que conspiram contra a geração de empregos em maior escala e a competitividade da economia nacional”, alega Suruagy.
Reoneração gradual
O acordo pela reoneração prevê um acréscimo gradual do que atualmente é pago sobre a folha (1% a 4,5%), passando a ser de: 5% em 2025, 10% em 2026, 15% em 2027 e 20% a partir de 2028.
Quanto às compensações, o projeto de lei lista uma série de medidas que podem gerar receita aos cofres públicos que, somadas, representariam cerca de R$ 17 bilhões.
Entre as propostas de arrecadação está a implementação de um programa de negociação de multas cobradas por órgãos reguladores, denominado de “Desenrola” das agências (saiba mais aqui).