Regulação de mídia prepondera em democracias, dizem especialistas

No cenário internacional, prevalece uma maior interferência estatal em rádios e televisão porque são concessões públicas, enquanto para veículos impressos e digitais prepondera a autorregulação

A afirmação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que pretende inserir uma regulação de mídia caso volte à presidência reacendeu o debate da regulação no Brasil. O político afirmou que quer “uma regulamentação sem censura” aos moldes do Reino Unido em uma entrevista à Rádio Metropole, em Salvador no dia 27.

O Tele.Síntese conversou com três especialistas para compreender como essa discussão tem ocorrido ao redor do mundo e como se aplica no Brasil. Na maioria das democracias impera uma regulação direta do Estado em rádio e televisão com órgãos de controle. O objetivo é cobrar parâmetros da transmissão que englobem afirmação de valores culturais, diversidade, cidadania, formação política e entretenimento sadio. Já em relação às mídias impressas o que predomina é a autorregulação, como conta Danilo Rothberg, professor da Sociologia da Comunicação na UNESP.

O Reino Unido é um dos pioneiros na regulação de mídia. Quem regula a TV e rádio na região é o Ofcom, com princípios como diversidade de conteúdo, classificação etária e controle de propriedade. Em 2011, a região também deu início a regulação de veículos em outros meios depois de um relatório do juiz Brian Leveson revelar escândalos de escutas ilegais envolvendo tabloides.

O relatório deu início ao Press Recognition Panel, um órgão independente e dedicado à manutenção da ética jornalística. No entanto, o painel não obteve grande aderência dos veículos de comunicação, que o consideraram uma porta para interferência de políticos no jornalismo.

De acordo com Rothberg, os organismos interferem no conteúdo divulgado mediante reclamações da população. Caso a queixa do interlocutor seja válida, o veículo é comunicado e podem haver penalidades. O sistema inglês ainda dispõe de relatórios mensais sobre as reclamações recebidas e quantas foram procedentes.

Rothberg comenta que há uma desconfiança geral com a interferência de políticos por interesses pessoais. Um dos possíveis caminhos para endereçar essa questão é a formação de uma estrutura independente do governo que fará a gestão de mídia. “É uma engenharia complexa, cada país tem a sua fórmula que inclusive é eventualmente modificada e aperfeiçoada”, ressalta.

Autorregulação

Joana Zylbersztajn, consultora em direitos humanos e ESG com experiência em Liberdade de Expressão e Regulação de Mídia, explica que, por utilizarem espectro que são bens públicos, rádio e TV estão mais sujeitos e interferências estatais. Já a autorregulação é mais frágil, pois “as pessoas não querem se colocar limites”. No entanto, a especialista diz que, por vezes, essa é a única solução.

Nesse contexto, o ideal seria formar um órgão que contasse com assentos reservados para políticos e população. Esse tem sido um cenário comum na regulação de mídias em países democráticos. “Dá pra fazer uma composição mista de um conselho ou órgão de autorregulação”, afirmou.

No Brasil, houve iniciativas por parte da Rede Globo e do Grupo RBS para montar um manual de autorregulação. Ainda assim, essas tentativas acabam por não ser eficientes devido à um vazio regulatório, na visão de Danilo Rothberg. Isso porque faltam parâmetros claros.

Regulação de TV e rádio no Brasil

A A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), braço da ONU, também recomenda a regulação de mídia. Apesar de signatário, o Brasil não aderiu às recomendações da agência e faz parte da minoria que não regula veículos de comunicação.

O modelo de regulação é o resultado do processo de democratização do país, afirma Rodolfo Marques, doutor em Ciência Política pela UFRGS. A Argentina, objeto de estudo de Marques, avançou muito mais a questão da regulamentação de espectro para TV e rádio. Isso devido à iniciativa da Cristina Kirchner de barrar o oligopólio do Clarín, principal veículo argentino.

No entanto, o Brasil não tem uma cultura de criar regras para as comunicação e as que existem são muito frágeis, diz Marques. Ele cita, por exemplo, a falta de limites para propriedades cruzadas ou a ampla presença de canais religiosos.

Danilo Rothberg acrescenta que, no país, o setor que explora a concessão foi bem sucedido em projetar a ideia de que regular comunicações equivaleria a censura. Além disso, como herança da ditadura militar, a população brasileira impõe grande resistência a qualquer interferência do Estado na vida coletiva.

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Ramana Rech

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