O voto de Igor: muita ousadia e uma omissão

Para Igor de Freitas, as concessões de telefonia fixa não se sustentam por mais 10 anos. E pergunta: justifica-se uma intervenção ou um aporte de recursos públicos, sobretudo na atual crise fiscal, para salvar um serviço que cai em desuso na sociedade?

 

Conselheiro Igor Freitas, Anatel
Conselheiro Igor Freitas, Anatel

O voto de 130 páginas  do conselheiro  Igor de Freitas sobre os contratos de Concessão e o Plano Geral de Metas de Universalização é  uma peça instigante para aqueles que são apaixonados por políticas públicas. Mesmo quem discorde de sua proposta vai encontrar nela um conjunto de argumentos bem estruturados, releituras imperdiveis da Lei Geral de Telecomunicações (surpreendente para o único engenheiro que ocupa atualmente o órgão de direção máxima  da Anatel), e muita, muita ousadia na proposta, que poderá redundar em voz isolada, mas que merece ser reverberada.

Simplesmente, Freitas está convencido de que a telefonia fixa não vai mais  existir  porque a população brasileira já fez a sua escolha por outros serviços. Além disso, aponta que o desenvolvimento tecnológico que vem com os bits, com  a internet rápida e a com banda larga ultrarrápida mudou e mudará inexoravelmente nossos hábitos, consumos e modo de vida.

Atravancando a velocidade dessa mudança está o perfil tupiniquim de nosso modelo regulatório que tornou,  em sua avaliação, inviável a  sustentabilidade da concessão da telefonia fixa. Afirma ele: “as áreas técnicas trouxeram a este processo, por determinação do Conselho, uma análise da sustentabilidade do negócio “telefonia fixa” que aponta a inviabilidade dos contratos por mais dez anos. O relatório juntado aos autos indica casos de perda de sustentabilidade que, na lógica atual, poderiam vir a demandar da União medidas de alto impacto fiscal e complexidade logística, mas de baixa ou nenhuma efetividade, em razão da perda de relevância da telefonia fixa”.

E os números que apresenta são devastadores. Segundo ele, entre 2005 e 2010 a receita agregada do setor reduziu -8%, e, entre 2010 e 2015 a queda foi de -22%. Embora parcialmente compensada por receitas provenientes da exploração industrial da rede, as receitas de varejo do STFC vêm caindo ainda mais rapidamente. Com destaque para a queda de cerca de 40% nas receitas associadas ao efetivo uso do serviço (chamadas), não provenientes da assinatura mensal.Cobertura Voz Celular e STF no Brasil 2015

Com base em pesquisa própria, Freitas conseguiu também demonstrar que a voz –seja por telefonia fixa ou por celular está muito mais presente nos rincões do país do que outras medições apontavam. Ele mostra em seu voto que as tarifas do celular acabam não sendo barreira para o acesso ao serviço. Para ele,  a concessão de telefonia fixa só precisa existir  onde for imprescindível ter um orelhão, ou seja onde  não houver qualquer outro serviço de voz disponível.

 Bakchaul

Como se não bastasse propor acabar com a concessão em quase todo o país via Decreto Presidencial, polêmico que é, Freitas resolveu também atirar contra um dos temas mais caros e emblemáticos do PGMU, para o qual já se gastou anos de discussão: o bakchaul.

Pois, para ele, a obrigatoriedade da construção do backhaul  só confirma a  tese de que há muito a telefonia fixa está perdendo a importância. Para ele, é preciso matar de vez esse desperdício de recursos públicos, ao invés de e a Anatel ficar cometendo ilegalidades e mandando universalizar um serviço privado. E argumenta:

“A questão é que a implantação de infraestrutura de backhaul em fibra óptica não tem por finalidade ou, de forma mais precisa, não se justifica, econômica e tecnicamente, como mecanismo necessário para a garantia do acesso ao STFC no País. De fato, considerando as atuais condições regulamentares e a infraestrutura já existente para a prestação do serviço em regime público, na prática, tais metas visam, tão somente, viabilizar o acesso a serviços de conexão à internet em banda larga, prestados sob o regime privado.Frente a esse cenário, pode-se afirmar que a proposta de implementação de infraestrutura de backhaul em fibra óptica constitui um desvirtuamento direto do objeto e do escopo do contrato de concessão e do próprio PGMU, seja por se tratar de meta de universalização desvinculada da garantia de acesso ao STFC, seja por se tratar de concessão de subsídios a serviços distintos, prestados sob o regime privado.

  Não se trata, dessa maneira, de ampliação de redes de telecomunicações necessárias à execução do serviço objeto do contrato…. mas, sim,da utilização das metas de universalização para outras finalidades, as quais, embora legítimas do ponto de vista da inclusão social e do desenvolvimento econômico do País, não se harmonizamcom os contornos jurídicos do PGMU.

 Nesse sentido, pode-se dizer que a proposta em tela implica uma sobreposição entre o PGMU e outras políticas destinadas (estas sim) à massificação do acesso à internet, tais como o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e os compromissos de abrangência previstos no Edital nº 004/2012/PVCP/SPV-Anatel.

O ponto é que um objetivo legítimo (ampliar o acesso à internet no Brasil) não pode ser considerado suficiente para justificar a utilização de meios incompatíveis com a legislação em vigor e que avançam sobre os dispositivos contratuais. Tal situação se torna ainda mais problemática, quando se tem por consequência a formação de um ambiente de instabilidade regulatória e de desincentivo a investimentos, como resultará em caso de manutenção das metas de universalização previstas no art. 19 da proposta de PGMU.Assim, por todas as razões expostas acima, entendo que não há amparo jurídico para a inclusão, no PGMU, das metas de implementação de infraestrutura de backhaul em fibra óptica.”

Se se posiciona frontalmente contrário ao que foi já sacramentado em colegiados anteriores e, mesmo ao que foi proposto pelo seu par, conselheiro Rodrigo Zerbone, também não tem receio de se contrapor à procuradoria da Anatel quando quer delimitar os papeis de cada um. Freitas aponta que a Procuradoria não poderia se posicionar contrariamente à proposta da área técnica da agência, que havia sugerido trocar o ônus da concessão (2%) por redução tarifária. Para a procuradoria, essa proposta não poderia ser adotada em plano de universalização. Mas o conselheiro desconstruiu esse argumento, assinalando que a LGT e inúmeras decisões, mesmo do TCU, apontam para a universalização de um serviço pode ser feita pela a oferta ou pela demanda.

A omissão

Há, porém, em todo o estudo de Freitas uma emblemática omissão. Em nenhum momento ele aborda como o Estado ou a Anatel deveriam lidar com os bens das concessionárias atuais  que deixariam de ser reversíveis com a mudança do Plano Geral de Outorgas (PGO). Esta questão não é trivial. Há um encontro de contas a ser feito, há uma lista de bens a ser esclarecida há vários milhões em jogo.  E este debate não pode ser esquecido.

 

 

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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