O passo para o futuro exige articulação
As comemorações dos 20 anos da privatização das telecomunicações no país, em julho deste ano, foram modestas, em nada lembrando os tempos ufanistas de dez anos atrás. Não só porque o cenário econômico é outro, com um PIB que encolheu 7% entre 2015 e 16 e vem se recuperando a duras penas. Mas porque o setor vem patinando na definição de seu futuro.
Não se trata de uma questão nova. Ela se arrasta há pelo menos três ou quatro anos, mas, com o passar do tempo, vai se tornando mais grave frente ao avanço da tecnologia, à obsolescência acelerada do serviço de voz fixa, a exigências regulatórias e de investimento relativas a esse serviço para as concessionárias que não fazem mais sentido econômico.
Praticamente, há consenso entre todos os agentes sobre o que é preciso mudar na política de telecomunicações. Trocar a telefonia fixa pela banda larga. Mas seja por falta de articulação política, seja porque telecomunicações não são percebidas pelos governantes como um setor problemático da infraestrutura brasileira – pois os números são
grandiosos, embora haja deficiências principalmente nas regiões mais remotas –, a agenda do setor não conseguiu caminhar. Ficou paralisada.
Vencer esta paralisia é o principal objetivo dos dirigentes das principais operadoras. “Não precisamos de nenhuma reforma radical como a de 20 anos atrás. Precisamos de ajustes pontuais”, diz Eduardo Navarro, presidente da Telefônica Brasil.
Ele lembra que os serviços de voz tanto fixa quanto móvel estão universalizados, próximos do nível da energia elétrica, e há competição entre quatro grandes empresas. “O desafio agora é universalizar a banda larga”, diz. “Precisamos de política pública para criar um quadro propício para uma nova onda de modernização baseada no 5G e para fomentar a difusão massiva da fibra óptica”, completa Mário Girasole, vice-presidente de Assuntos
Regulatórios e Institucionais da TIM Brasil.
Fazer os ajustes é tarefa urgente para que o Brasil possa avançar na agenda digital e não perder o bonde da Internet das Coisas (IoT), que já começa a revolucionar a forma como as pessoas vivem, trabalham, se relacionam entre si e com os objetos e serviços.
Mesmo sem sair das gavetas do Palácio do Planalto, o Plano Nacional de IoT – até agosto, não tinha sido sancionado pelo presidente da República –, desenvolvido ao longo de 2017, conseguiu movimentar o mercado. Grandes empresas iniciaram projetos especialmente nos segmentos de agronegócios, indústria e logística; hubs de startups
foram montados; surgiram vários laboratórios; e as operadoras de telecomunicações se juntaram a pilotos em áreas de seu interesse.
Há, ainda, uma busca por modelos de negócios viáveis, um melhor entendimento da cadeia de valor, de como funciona o ecossistema, de como as partes se relacionam. Para acelerar esse conhecimento, o BNDES, que patrocinou o primeiro estudo que deu origem ao Plano, lançou uma chamada pública para o desenvolvimento de 20 projetos por consórcios liderados por instituto de C&T, envolvendo indústria de tecnologia, startups e usuários.
Ninguém sabe ao certo dizer o tamanho desse mercado no Brasil, mas a depender de muitas variáveis as estimativas do estudo do BNDES são de que possa chegar a R$ 200 bilhões até 2025. Em quatro verticais: agronegócios, cidades, saúde e indústria.
O avanço da IoT, um conjunto de tecnologias que envolve sensores, redes de comunicação e monitoramento dos dados, é um dos elementos importantes que permite um novo salto na produtividade da economia brasileira. O que não vem ocorrendo, apesar da expansão da infraestrutura de telecomunicações. São cerca de 325 milhões de acessos, considerando todos os serviços. Em julho de 1998, quando houve a privatização, o país contava com 28 milhões de acessos.
Estudo apresentado pela Consultoria LCA no Painel Telebrasil 2018 mostra que o cenário projetado no Projeto Brasil Digital Inovador e Competitivo 2015- 2022 até o momento não se concretizou; que entre 2012 e 2017 o Brasil perdeu 32 posições no Global Competitiveness Index do World Economic Forum, enquanto a Rússia ganhou 29 posições
e a Índia 19 (a disponibilidade da banda larga aumentou 120%, mas mesmo assim o país perdeu 16 posições no ranking); o uso das TICs pelas pessoas avançou 43,3%, mas caiu entre as empresas (-8,4%) e no governo (-8,6%).
Com essa queda, afirma a economista Claudia Viegas, diretora da LCA, o Brasil perdeu competitividade para países como México e Colômbia e não se colocou entre as 30 economias mais produtivas em 2018 como projetado no Projeto Brasil Digital Inovador. “Essa queda não se deve exclusivamente à crise. A deterioração do ambiente institucional e regulatório e infraestrutura deficiente também contribuíram para a queda da competitividade do
país”, observa.
Para acelerar a recuperação econômica, ainda em bases muito frágeis, o Programa Brasil Digital Inovador e Competitivo propõe aproveitar todo o potencial das tecnologias digitais para alcançar o aumento da produtividade, da competitividade e dos níveis de renda e emprego. Considerando que o crescimento de 1 p.p. no GCI leva a uma aceleração de 0,11 p.p. no crescimento do PIB no ano seguinte, a LCA aplicou uma metodologia de dados em painel para mostrar que o Brasil tem condições de subir 31 posições no ranking até 2022, passando da 80ª posição para a 49ª. “Isso significaria um crescimento 0,93 p.p. maior em 2022, o que equivaleria a mais de R$ 200 bilhões na rendanacional daquele ano (equivalente a 3,2% da renda nacional de 2017)”, diz Claudia.
Além disso, a economista observa que se os recursos dos fundos setoriais (Fust, Fistel e Funttel), que arrecadaram R$ 3,5 bilhões em 2017, fossem investidos na economia, resultariam, ao ano, em R$ 4,6 bilhões no PIB, 105 mil novos postos de trabalho, R$ 1,1 bilhão em arrecadação de impostos, R$ 1,5 bilhão em salários.
Com a economia em ritmo lento, o investimento das operadoras deveria se manter, em 2018, no mesmo nível dos quatro anos anteriores, ao redor dos R$ 30 bilhões. Tanto nas redes móveis quanto na fixa, os maiores investimentos foram feitos em fibra. Nas primeiras, na interligação entre sites e mesmo entre cidades e nos backbones. Na rede
fixa, a fibra até a casa do clientes ganhou ritmo nas grandes operadoras e se espalhou entre os provedores regionais. Metade deles já conta com redes de fibra óptica. Entre julho de 2017 e junho de 2018, eles expandiram sua base de banda larga em 48% e contabilizavam em junho, somados, 5,4 milhões dos terminais, 18% da base instalada no país.
Os ajustes necessários
O que é preciso mudar no cenário regulatório para que o setor comece a andar? Na avaliação de Navarro, da Telefônica, os ajustes estão concentrados em quatro pontos principais:
- Adequar a legislação do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) para que ele possa ser aplicado em projetos de banda larga.
- Aprovar o PLC 79/2015, em tramitação no Senado Federal, que permite transformar as concessões de telefonia fixa em autorizações com a aplicação do saldo das obrigações em investimentos em banda larga.
- Desonerar os dispositivos de Internet das Coisas (IoT) da taxa do Fistel, para que essas aplicações tenham viabilidade econômica para se desenvolver no Brasil.
- Aperfeiçoar o arcabouço relativo à proteção dos dados.
As medidas elencadas por Navarro são bastante consensuais. José Felix, presidente da Claro Brasil, põe foco Ampliado na questão da carga tributária que torna o Brasil o segundo maior cobrador de impostos e taxas do mundo sobre serviços de telecomunicações. “Como não podemos mexer na precificação, pois o bolso do brasileiro é infinitamente menor do que o da maioria dos bolsos dos consumidores dos países desenvolvidos, temos que mexer
no lado dos impostos”, diz. Ele defende a necessidade de desoneração de toda a cadeia produtiva pelo fato de o Brasil ter uma indústria basicamente só de montagem, apoiada em componentes importados. E, do lado dos serviços, acha necessário mexer nos impostos.
Embora a redução da carga tributária para serviços já consolidados seja uma batalha perdida, pois o setor de telecomunicações é o maior contribuinte de ICMS em muitos estados brasileiros, Carlos Eduardo Monteiro de Morais Medeiros, diretor de Regulamentação e Assuntos Institucionais da Oi, entende que é possível iniciar um novo
ciclo sobre serviços novos, como a própria banda larga, como forma de se incentivar o consumo e a própria expansão da base tributária. “Senão, nunca vai mudar”, diz ele, que ainda defende o uso do fundo de universalização para apoio ao consumo das famílias de baixa renda, a exemplo da política adotada nos Estados Unidos.
Menos regulação
Mas para destravar investimentos, lembra Monteiro, também é importante que a regulamentação seja menos onerosa. “Ela tem que ser atualizada dentro de uma visão ex-post, que permita ao setor, a exemplo do que fez o setor bancário, se autorregulamentar”. Felix emenda: “Para cada novo regulamento é preciso rasgar dez”. Menos ônus vai representar custos menores. Uma importante variável para os resultados, já que as receitas totais das operadoras enfrentaram queda a partir de 2013 para se estabilizar nos últimos dois anos.
Felix observa que, além de um ambiente regulatório mais despoluído e mais leve, é preciso mais isonomia de regras em relação a competidores, como as empresas de internet, as Over the Top (OTTs). “A rentabilidade das operadoras brasileiras é notadamente muito baixa, muito inferior à de outros países. Para ter investimento é preciso ter retorno. E o que vai permitir atrair investimentos é um conjunto de medidas: ambiente regulatório estável, regulação mais leve, desoneração.”
Mesmo lidando com questões que se arrastam e não se resolvem, o clima entre os executivos para o futuro não é de pessimismo. Havia uma expectativa até de que o PLC 79 pudesse ser aprovado ainda este ano pelo Senado, o que abriria a possibilidade de se revolver, no médio prazo, a questão da troca dos investimentos em telefonia fixa por
banda larga. E, principalmente, o regulador definir quais são os bens das concessionárias que são reversíveis à União, ou seja, que integram o serviço de telefonia fixa e que vão entrar na conta do investimento em banda larga.
“Essa é uma questão muito relevante, porque o investidor precisa de estabilidade jurídica. Sem isso, não há garantia para investir”, diz Monteiro, da Oi.
Mas mesmo a aprovação do PLC 79 não significa que a questão de o país continuar jogando dinheiro fora com investimento obrigatório das concessionárias em telefonia fixa, como a grande planta de orelhões e a disponibilidade de atendimento aos assinantes residenciais com rígidas regras de qualidade, estará superada. O trabalho de regulamentação vai ser árduo, especialmente o levantamento dos bens reversíveis e a sua precificação.
A experiência dos Termos de Ajuste de Conduta (TACs), negociados entre Anatel e as concessionárias Oi e Telefônica, mostrou a enorme dificuldade da burocracia governamental, do mercado e da sociedade civil em lidar com soluções mais inovadoras, que possam representar ganhos maiores para a sociedade. A mentalidade predominante na burocracia é patrimonialista.
Por conta dessa dificuldade, da fragilidade institucional que se configurou a partir de 2013/2014 e se consolidou com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, das disputas de espaço entre órgão de controle e regulador, os dois maiores TACs, que representariam investimentos em banda larga, a maior carência de infraestrutura do país, naufragaram. O primeiro a ser enterrado foi o da Oi, em junho de 2016. Envolvia mais de R$ 5 bilhões em multas. Este ano, foi a vez de o conselho diretor arquivar o TAC da Telefônica este ano pelo Senado, que trocava quase R$ 3 bilhões em multas por R$ 5,4 bilhões em projetos de investimentos.
Houve também erros nos projetos contemplados no TAC, que poderiam ter sido corrigidos, e falta de maturidade do próprio mercado para entender onde todos poderiam ganhar. Perderam todos. As multas milionárias, que poderiam virar investimento, já estão sendo desidratadas na Justiça. Em julho deste ano, a Anatel viu-se obrigada, por decisão judicial, a reduzir, de R$ 211 milhões para R$ 12 milhões, multa aplicada à Telefônica, em 2010, pelo descumprimento de obrigações previstas no Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado (RSTFC).
Sem mudança de mentalidade, sem um novo entendimento, sem que seja desenhada a partitura para uma nova música, o risco é de que a regulamentação do PLC 79, se ele for aprovado pelo Congresso Nacional, reproduza a novela do TAC. Até porque toda a precificação dos bens reversíveis pela Anatel terá que ter a chancela do TCU. E em seus relatórios sobre o tema, o Tribunal vem acusando a Anatel de, ao longo dos anos, ter sido negligente com essa questão.
Navarro entende que os trabalhos poderão evoluir num bom caminho. Acredita que o novo governo que tomará posse em janeiro de 2019, qualquer que seja ele, terá legitimidade para enfrentar os muitos desafios impostos por uma economia em crise e por uma sociedade com muitas demandas. Entre eles, vencer algumas das barreiras do setor de telecomunicações, por ele ser vital para permitir que a economia dê saltos de produtividade.
Mas, apesar de otimista, admite que a Telefônica está se preparando para fazer o enfrentamento em 2025, quando termina o prazo das concessões de telefonia fixa. “Se não tiver um acordo em torno de um projeto público, a situação será muito complexa”, pondera. Felix, da Claro Brasil, diz que não gosta nem de imaginar o impasse que pode surgir em torno das frequências: “Você já imaginou se uma operadora devolve a frequência e no novo leilão fica sem? Como vai atender seus assinantes?”