O paradigma das telecomunicações e o PLC 79
* César Mattos
O setor de telecomunicações está no centro da chamada “revolução digital”, se apresentando como um dos principais vetores de desenvolvimento econômico do país, com investimentos anuais da ordem de R$ 28 bilhões e cerca de 500 mil empregos diretos. A União Internacional de Telecomunicações (UIT) estima que um incremento de apenas 1% na banda larga móvel gera um incremento de 0,15% no PIB do país. Com a digitalização, este impacto tende a ser maior.
Um dos principais condicionantes do investimento privado em infraestrutura em geral, e em telecomunicações em particular, é a existência de uma regulação que incentive a produtividade, o investimento e a qualidade dos serviços. No caso de setores intensivos em tecnologia como telecom, a regulação deve ser flexível o suficiente para não bloquear a mudança de paradigmas tecnológicos e o próprio processo de competição por inovações.
Nesse sentido, o desenvolvimento do setor tem sido muito comprometido em função de seu marco regulatório defasado. De fato, a regulação do setor foi construída com base na predominância do sistema da telefonia fixa comutado (STFC) quando da privatização da Telebras ao final da década de 90. À época, o STFC era o serviço essencial e a telefonia móvel e a internet, serviços subsidiários, sendo que todo o arcabouço regulatório girava em torno do primeiro. A premissa de que as pessoas continuariam se comunicando majoritariamente pelo STFC gerou uma política de universalização do serviço que incluía significativas demandas regulatórias não apenas de instalação de novas linhas individuais de STFC, como também de orelhões.
Dois Filhos de Francisco
A imagem do pai dos cantores sertanejos Zezé de Camargo e Luciano no filme “Dois Filhos de Francisco”, gastando suas fichas telefônicas para pedir as músicas dos dois na rádio, tornou-se um símbolo da importância desta infraestrutura de acesso para a população mais pobre. Atualmente, no entanto, grande parte dos orelhões não gera receita sequer para pagar o seu funcionamento e manutenção, e muitos nunca são usados. Além disto, o STFC está em rápido declínio, visto que, em maio/2019, havia 35,8 milhões de telefones fixos ativos, uma queda de 3 milhões de contratos em relação a maio/2018.
A universalização da capacidade de se comunicar instantaneamente por voz ocorreu não pelo STFC, mas pela telefonia móvel, especialmente pelos celulares pré-pagos. A internet expandiu vertiginosamente a ideia de conectividade para os indivíduos e a comunicação por voz passou a se constituir em apenas uma das aplicações possíveis da tecnologia.
Mais do que isso, o arcabouço regulatório montado para o STFC é totalmente inadequado para telefonia móvel e internet banda larga. Na verdade, o fato de serem bem menos regulados ajudou bastante para que estes segmentos se desenvolvessem de forma tão rápida e significativa. Também contribuiu para esta evolução distinta, o fato de a telefonia móvel e a internet requererem uma proporção menor de capital fixo no custo total comparado ao STFC, o que ampliou o espaço para competição.
Junto e misturado
Telefonia móvel e internet, no entanto, não se desenvolveram de forma separada do STFC. No Brasil, assim como em todo o resto do mundo, as infraestruturas de telefonia móvel e banda larga se desenvolveram juntas e misturadas com o STFC, havendo significativas economias de escopo entre eles. Assim, não há que se falar em separar estas infraestruturas sob pena de gerar uma ineficiência brutal no setor.
A associação do regime regulatório baseado em contrato de concessão do STFC e a não possibilidade de separação das infraestruturas se torna muito problemática quando se considera a necessidade de reversibilidade dos ativos para o poder público quando do fim dos contratos de concessão de STFC em 2025. Havendo receio que os novos investimentos, ainda que não destinados ao STFC, possam também ser considerados reversíveis, e havendo incerteza sobre a regra de indenização, há simplesmente uma paralisação dos investimentos no setor pelas concessionárias. Assim, a falta de solução para o PLC 79 gera desincentivo aos investimentos, não somente no STFC que está em declínio, mas também na telefonia móvel e internet.
Cabe destacar que a reversibilidade em telecomunicações não se confunde com o que existe em outras áreas, compreendendo tão somente a posse, mas não a propriedade dos bens. Isso quer dizer que os bens utilizados para a prestação do STFC nunca foram da União e sempre integraram o patrimônio das empresas, sendo descabido falar que haverá doação destes bens, como alegam alguns críticos. Mesmo assim, pelo fato de se desvincularem da obrigação de reversibilidade da posse, as concessionárias, pelo PLC 79, terão que realizar investimentos em expansão dos serviços de banda larga.
Nesse contexto, torna-se fundamental permitir que as atuais concessionárias migrem para um modelo de autorização do serviço tal como viabilizado pelo PLC 79. Esta mudança de regime permite a justa competição no setor, mas não afasta o poder do Estado de regular o serviço, de acordo com as regras da Anatel. As empresas que optarem pela alteração do regime de prestação dos serviços deverão cumprir obrigações de investimentos em banda larga que serão calculadas pela Anatel, e direcionadas a áreas com menor atratividade econômica para as operadoras, mas de grande impacto social, em especial nas regiões Norte e Nordeste.
O cálculo de tais investimentos levará em conta, dentre outros aspectos, os ganhos gerados na migração pela desoneração das empresas das obrigações de investimentos em STFC e pelo fim da necessidade de reversão dos ativos para a União. Ou seja, troca-se o que está em evidente declínio, STFC, por mais banda larga e telefonia móvel.
O atraso do país nesta legislação é de mais de três anos. A aprovação do PLC 79 melhora muito as condições para darmos passos mais fundamentais como os que levarão ao leilão do 5G em 2020. Cruzamos os dedos para que o relatório da Senadora Daniella Ribeiro sobre o PLC 79 seja votado muito em breve.
César Mattos é Secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia