Nokia trabalha para conquistar a conta das operadoras entrantes no Brasil
Uma das grandes expectativas da Nokia são as redes privativas, cuja regulação está atrelada à tecnologia 5G. De acordo com o CTO da Nokia para América Latina, Wilson Cardoso, a companhia aposta na integração de todas as redes privativas e das públicas, para alcançar a produtividade que se espera com 5G. O sistema terá papel importante no escoamento da soja do Brasil com a comunicação de estradas, portos e fazendas.
Para atender o mercado de redes privativas, a Nokia pretende dispor de seu portfólio com soluções de fibra óptica e para data centers.
Cardoso contou ainda que a expansão da companhia em 5G no Brasil tem se baseado no fornecimento de soluções e equipamentos a ISPs. Com o leilão 5G, a companhia acredita que irá beneficiar mais de sua relação com pequenos provedores. Alguns adquiriram espectro e passarão a atuar também em redes móveis. A expectativa da Nokia é se tornar uma fornecedora de infraestrutura integrada e ponta a ponta para as novas operadoras, como Brisanet, Unifique, Winity e Sercomtel.
Tele.Síntese – Tem alguma área da 5G em específico que é de maior relevância para a Nokia? Para onde a empresa pretende direcionar os seus esforços?
Cardoso – A gente tem duas grandes áreas. Uma é das redes privativas, estamos canalizando nossos esforços para atuar não necessariamente como um canal de vendas direto, mas através das operadoras. O segundo é os ISPs. No caso dos ISPs a gente pode combinar a fortaleza das nossas redes ópticas como pátio de acesso e com as redes de rádio em uma solução integrada única.
Tele.Síntese – Por que a companhia optou por essas duas áreas?
Cardoso – Porque a gente vê que a maior parte de B2C da 5G, que é onde trabalha a maior parte das operadoras que é o maior mercado hoje, vai ser uma evolução da 4G. O incremento de mercado da 5G vai vir realmente de aplicações em redes industriais e mercados que não são atendidos hoje pela 4G ou por redes de banda larga. Então esse é o mercado que a gente está focando.
Tele.Síntese – A 5G deve aumentar a demanda de redes privativas?
Cardoso – Justamente por a Anatel ter trabalhado na regulação de redes privativas, existe uma tendência de grandes empresas criarem suas redes privativas. Esse é um caminho que a gente vê como natural de integração dessas infraestruturas de redes privativas com as redes públicas de telecom. Essa é uma grande oportunidade para as prestadoras que, hoje, estão no mercado que nós temos que explorar. No caso do Brasil, toda a regulação das redes privativas está atrelada à 5G. As duas coisas estão juntas. O que elas devem fazer é levantar mais ainda a 5G no Brasil.
As redes privativas têm um conceito completamente diferente, porque algumas delas nós precisamos levar o core de rede para dentro das empresas, de maneira muito mais simples e efetiva. Também tem questões de engenharia. Algumas dessas redes privativas exigem um grau de eficiência e de confiabilidade muito maior do que a rede pública de telecomunicações, porque os casos de uso previstos são muito mais complexos.
Tele.Síntese – Como a Nokia vai se inserir nesse contexto?
Cardoso – A gente já começou com o trabalho nas redes privativas em duas dimensões. A primeira foi o próprio projeto com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), desenvolvido com a Weg, em Jaraguá do Sul. E o segundo, desde 2019, a gente vem trabalhando com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em São Paulo, para criação de aplicações e possibilitar a formação de mão de obra, de técnicos, engenheiros, pós-graduados e doutores. O objetivo é requalificar o pessoal para trabalhar com 5G.
Tele.Síntese – As faixas disponibilizadas pela Anatel para as redes privativas irão ser suficientes para abarcar a demanda?
Cardoso – Em um momento inicial, a gente imagina que sim. Precisamos ver como esse mercado vai reagir. A regulação da Anatel está em linha com o que todos os países do mundo, como da Ásia e Europa.
Tele.Síntese – O senhor já sugeriu realizar a integração de redes privativas. Como funcionaria isso?
Cardoso – Seria fundamental a gente ver essas redes privativas não como ilhas, mas como ilhas integradas. Não adianta nada ter uma rede privativa dentro da minha empresa se ela não fala com as redes privativas de outras empresas. A interoperabilidade das máquinas, robôs, dos ciclos de produtos todos integrados.
O grande ponto é quem vai integrar essas redes privativas. Temos as prestadoras hoje existentes, Claro, Vivo, TIM, V.tal e os próprios ISPs como elementos chaves da construção de integração dessas redes privativas.
Tele.Síntese – A Nokia também pretende participar da integração das redes privativas?
Cardoso – Sem dúvida, através de soluções. Temos soluções desde equipamentos de fibra óptica até data centers no nosso portfólio. Estamos trabalhando em algumas redes privativas, inclusive, em conjunto com operadoras.
Tele.Síntese – Porque seria importante ter essa integração entre redes?
Cardoso – Imagina que eu tenho uma fazenda de soja com uma rede privativa e tem outra rede privativa no porto. Como que o porto vai ficar sabendo que eu estou colhendo a soja? Como o caminhão ou a ferrovia, que faz o transporte da soja, pode ser coordenado? Eu vou precisar que a estrada esteja com 5G também. E a estrada terá rede pública. Quando essas redes estiverem interligadas, aí sim, nós vamos ter a grande produtividade que se espera da 5G. Se criarmos um monte de ilhas, vai ter grande produtividade, mas vai ser muito menor.
Tele.Síntese – A Nokia é responsável por 20% da infraestrutura 4G no Brasil. O CEO da companhia, Ailton Santos Filho, comentou que pretende aumentar esse número. Qual é o market share que vocês querem atingir com a 5G e quais são as estratégias que da companhia para chegar a esse número?
Cardoso – Não comentamos market share. A estratégia que nós estamos fazendo é baseada no aumento dos ISPs e aumento com os clientes existentes.
Tele.Síntese – Ainda de acordo com o CEO, a Nokia está conversando com os vencedores do leilão. Já existem negociações para contratos 5G da empresa no Brasil?
Cardoso – Estamos em discussões há muito tempo com todos os participantes do leilão, fizemos várias demonstrações em conjunto com quase todos eles e com o Ministério das Comunicações.
Tele.Síntese – Há certa expectativa também de que os 700 MHz contratados pela entrante Winity no leilão 5G para construir rede compartilhada. A Nokia pretende atuar com eles?
Cardoso – Como fornecedor da Winity, sem dúvida. Inclusive a gente vê que as nossas soluções são as mais competitivas na faixa de 700 MHz em termos de flexibilidade e capacidade.
Tele.Síntese – A Nokia acredita que esse modelo de rede compartilhada pode funcionar no Brasil?
Cardoso – A gente acredita que sim, considerando as grandes demandas que existem, principalmente, na parte rural e a necessidade de algumas operadoras em aumentar a cobertura em bandas baixas nas grandes cidades e até grandes partes do país que ainda não estão cobertas. Imaginamos que, focando nesses três pontos, existe a possibilidade de integração de um caso de negócio que seja interessante para todos que participam no mercado hoje.
Tele.Síntese – O leilão na faixa 26 GHz também arrecadou menos do que eu esperado pela Anatel e ficou abaixo dos gastos previstos com as obrigações de conexão de escola. Por que essa parte do leilão falhou, enquanto algumas outras tiveram arrecadação acima do esperado?
Cardoso – É difícil a gente medir isso, porque se todo mundo adquiriu os blocos que gostaria não pode dizer que foi abaixo do esperado, foi acima do esperado. Todos que adquiriram o espectro tem seus planos olhando essa frequência para o futuro. Nós temos que lembrar também que o próprio edital em seu acórdão feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) possibilita que novas licitações sejam feitas brevemente.
Tele.Síntese – Para os negócios, como a Nokia enxerga a entrada de novas operadoras com leilão 5G, como Brisanet, Unifique e Sercomtel?
Cardoso – Todos esses que você mencionou já eram clientes Nokia na parte de redes fixas. Então a gente vê como grande complemento a entrada na rede móvel para fazermos uma estrutura integrada fim a fim, com equipamentos Nokia, trazendo soluções bem rápido para o mercado.
Tele.Síntese – Grande parte das antenas 4G podem ser adaptadas para 5G. Esse trabalho já vem sendo feito há alguns anos pelas fabricantes de equipamentos de telecom. Qual é o próximo passo para vocês, os fornecedores, no desenvolvimento da 5G?
Cardoso – Ainda temos um longo caminho. Vem, agora, a próxima aplicação que é machine-to-machine communication, quando a gente vai poder ligar diversos sensores para o segmento da 5G. Além disso, a gente já começa a trabalhar com o 5G Advanced, onde nós vamos ter uma quantidade enorme de features e facilidades novas. Entre elas, o New Radio Light, que vai ser uma nova dimensão em termos de produtividade, principalmente, para sensores de baixo custo. O trabalho continua e vai continuar nos próximos anos até a gente chegar na 6G.
Tele.Síntese – A empresa pretende criar uma fábrica para equipamentos 5G ou utilizar infraestruturas pré-existentes?
Cardoso – A gente vai utilizar infraestruturas pré-existentes. Vamos sempre realizar uma análise conjunta das possibilidades de aumento de manufatura no Brasil.
Tele.Síntese – Isso já é uma coisa que está certo ou, por enquanto, vocês estão apenas avaliando as possibilidades?
Cardoso – Estamos avaliando as possibilidades de acordo com o mercado. Mas não podemos contar as variáveis, por ser muito estratégico.
Tele.Síntese – Um dos principais desafios relatados pelas empresas que trabalham com tecnologia é a falta de mão de obra. A Nokia também enfrenta esse problema?
Cardoso – Sim, por causa dessa visão, em 2019, a gente começou esse acordo já com (SENAI), em São Paulo, para formar mão de obra. Fizemos isso não só com o Senai, mas também com a Universidade Federal de Campina Grande. Esses dois acordos visam formar mão de obra que entenda da 5G e casos de uso aqui no Brasil.
Tele.Síntese – Formar recursos humanos leva um pouco mais de tempo. A parceria já está trazendo frutos?
Cardoso – No SENAI, nós já temos 20 mil pessoas treinadas no básico do 5G. É básico, mas são 20 mil pessoas que têm noções dessa tecnologia.