MP dos Telejogos afronta a Constituição, não tem urgência e pode expor dados pessoais, aponta Idec
O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) está enviando aos parlamentares uma carta na qual defende que a Medida Provisória 923/2020, publicada nesta semana pelo governo, seja rejeitada. A organização alerta para diversos problemas encontrados na redação e na justificativa para a edição de tal medida provisória.
Conhecida por MP dos Telejogos e constituída por apenas três parágrafos, o texto libera emissoras de TV aberta para realizarem sorteios a partir de “aplicativos, plataformas digitais ou meios similares”, revertendo decisão judicial de 1998 que proibiu as emissoras de realizar sorteios no país.
A MP teria sido redigida a pedido da RedeTV!, em reunião que contou com a presença de representantes de outras emissoras aliadas ao governo e o próprio presidente Jair Bolsonaro no final de dezembro, conforme o jornal Folha de S.Paulo.
O Idec, responsável pela ação judicial de 1997 que levou à proibição no país da realização de sorteios pela TV aberta no ano seguinte, ressalta que o texto da MP é confuso e traz vários riscos aos consumidores. E agora trabalha para convencer deputados e senadores a rechaçarem-no integralmente.
A começar, o instituto explica que o texto conflita com garantias constitucionais de proteção ao consumidor e com o Código de Defesa do Consumidor. Afirma que há publicidade abusiva, pois dirigida também diretamente a crianças e idosos, explorando fraqueza ou ignorância do consumidor ” com um estímulo indevido a comportamento danoso à própria saúde financeira”.
Alega que as emissoras, como na década de 1990, tenderão a promover propaganda enganosa pela omissão de informações relevantes sobre os sorteios, inclusive sobre os devidos custos de participação nos sorteios.
Além disso, a previsão do uso de aplicativos “cria ainda um ambiente desfavorável à proteção de dados do consumidor disposta no Código de Defesa do Consumidor (CDC), no Marco Civil da Internet (MCI) e na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)”. A MP não determina, por exemplo, nenhum requisito de segurança, como o cadastro prévio do telefone ou outro meio para que se possa liberá-lo para esse tipo de uso.
O Idec chama a atenção para outro aspecto além dos danos ao consumidor. Ressalta que a MP autoriza concessões públicas de TV a explorar conteúdos inadequados à sua função social que, conforme a Constituição Federal, determina a preferência por conteúdos educativos, culturais e informativos, que promovam a cultura nacional e regional, estimulem a produção independente e respeite valores éticos da sociedade. “Dessa forma, promove-se o desvirtuamento da função social das concessões públicas e dos princípios definidos para a exploração do serviço”, defende a organização.
A MP também carece de regra quanto aos horários de exibição e classificação indicativa por faixa etária, havendo potencial dano ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
As críticas vão mais longe. Para o Idec, o texto da MP é “amplo e confuso” ao autorizar o uso de aplicativos. Isso permitirá o uso da capacidade de comunicação das emissoras abertas para gerar negócios muito mais amplos do que a comercialização de espaço publicitário em sua programação. Uma possibilidade aventada pelo instituto é que haja conflito com a legislação que regula as loterias federais, por exemplo. “Trata-se, além de um escopo demasiadamente amplo, de uma vantagem indevida e injustificável a um segmento econômico”, defende o Idec.
Por fim, o Idec ressalta que não existe requisito de urgência e relevância para que o governo proponha a modificação da legislação através de uma medida provisória.
Publicada em 3 de março, a MP tem vigência imediata e validade de 60 dias, prorrogáveis por igual período caso não apreciada pelo Congresso. Se não for votada em 45 dias, entra em regime de urgência, travando a pauta da Câmara e do Senado.