Lobby: ‘representação de interesse’ é aprovada na Câmara
O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira, o projeto de lei que define regras para a “representação de interesse” ou a “atuação dos grupos de pressão” no poder público, conhecida popularmente como lobby. Apesar do termo ser evitado até mesmo no projeto de lei, o tema acumula propostas de regulamentação no Legislativo há 40 anos e é uma recomendação da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
O texto aprovado, um substitutivo do deputado Lafayette de Andrada, reúne dispositivos de quatro projetos de lei, sendo um deles de autoria do Poder Executivo (PL 4391/2021), cumprimento de uma promessa de governo do presidente Jair Bolsonaro. Uma das sugestões do atual governo foram mantidas na versão que agora será analisada pelo Senado Federal, que é a prescrição das infrações previstas aos lobistas em um prazo de cinco anos (veja detalhes das regras mais abaixo).
O PL dá nome aos atores do lobby. Fica definido como “representante de interesse”, a pessoa física ou jurídica que ”realize atividade de representação de interesse próprio ou de terceiro, individual, coletivo difuso, privado ou público, com remuneração ou não, com ou sem vínculo trabalhista ou de prestação de serviços com o titular do interesse representado”
No caso de pessoa jurídica, o lobista é considerado representante de interesse “ainda que o objeto social, o estatuto, o instrumento de constituição ou o documento que explicite as finalidades institucionais não contemple a atividade de representação de interesse de forma expressa”.
Já a “representação profissional de interesse” é descrita como “a interação com agente público no intuito de influenciar processo de elaboração, alteração ou revogação de lei e demais atos normativos ou tomada de decisão no âmbito de formulação, implementação e avaliação de estratégia de governo, política pública, ato administrativo, decisão regulamentar ou atividades correlatas ou, ainda, planejamento de licitações”.
Regras aos lobistas
Caso o projeto de lei seja aprovado, passam a ser obrigações do representante de interesse:
- garantir a veracidade, integridade e contemporaneidade das informações disponibilizadas ao agente público e a outros partícipes do processo de representação de interesse;
- informar, previamente à interação com o agente público, ainda que verbalmente, a identificação de todos os participantes da audiência, a identificação dos representados, a descrição do assunto, bem como a natureza da representação, seja por contrato, delegação, designação ou qualquer outra forma permitida em lei;
- disponibilizar por escrito a identificação de todos os participantes da audiência, a identificação dos representados, a descrição do assunto, bem como a natureza da representação, seja por contrato, delegação, designação ou qualquer outra forma permitida em lei, em até quatro dias úteis após a data da audiência (interação presencial ou remota com agente público, agendada previamente ou não);
- apresentar-se apenas em nome de quem legitimamente represente;
- preservar o direito de expressão daqueles de quem divirja e
- retificar as informações sobre os participantes da interação, para que aquelas disponibilizadas publicamente sobre a audiência coincidam com os fatos, em até seis dias úteis após a data da audiência.
Já aos agentes públicos, são considerados deveres:
- buscar conhecer a diversidade de opiniões;
- viabilizar diferentes formas de receber contribuições de representantes de interesses;
- oferecer condições isonômicas de interação aos representantes de interesses;
- fornecer ao órgão ou à entidade do Poder Público de que faz parte a data da audiência, a identificação de todos os participantes, a identificação dos representados e a descrição do assunto para fins de transparência e acesso público à informação, em até quatro dias úteis após a data da audiência;
- fornecer ao órgão ou à entidade do Poder Público de que faz parte informações sobre hospitalidades legítimas para fins de transparência e acesso público à informação, em até seis dias úteis após o evento e
- retificar as informações fornecidas pelo representante de interesse em até oito dias úteis após a data da audiência.
O que não pode?
De acordo com o PL aprovado na Câmara, fica proibida na prática de lobby a “oferta de bem, serviço ou vantagem indevida por agente privado que tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe, que não configure brinde, obra literária publicada ou hospitalidade legítima.
No caso, brinde é “o item de baixo valor econômico distribuído de forma generalizada a título de cortesia, propaganda ou divulgação habitual”.
Já a hospitalidade legítima é a “oferta de serviço ou pagamento de despesas com transporte, alimentação, hospedagem, cursos, seminários, congressos, eventos e feiras, no todo ou em parte, por agente privado para agente público”, desde que:
- a participação do agente público esteja diretamente relacionada aos propósitos legítimos do órgão ou entidade a que pertence;
- as circunstâncias sejam apropriadas à interação profissional;
- os valores sejam compatíveis, na hipótese das mesmas hospitalidades serem ofertadas a outras pessoas nas mesmas condições;
- sejam observados os interesses institucionais do órgão ou entidade a que pertence o agente público e respeitados os limites e as condições estabelecidos nos respectivos regulamentos, atentando-se sempre para possíveis riscos à integridade e à imagem do Poder Público e
- o custeio seja feito por meio de pagamento direto pelo agente privado ao fornecedor do produto ou ao prestador do serviço.
Para o especialista em Direito Constitucional Acacio Miranda da Silva Filho, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), a regulação do lobby pela Câmara “favorece a transparência do mercado que todos sabemos que existe”.
“O principal ponto que dificulta o combate à corrupção está muito mais vinculado a relações promíscuas entre entes privados e o poder público, do que a atuação de entidades que seriam regularmente constituídas, com objetivos externados a todos e que assessoram a construção de políticas públicas”, afirma.
No entanto, Miranda discorda de alguns pontos do projeto. Um deles é a permissão de brindes. “Começa-se com pequenos brindes, daí para ofertas maiores — como prêmios e benefícios — é um passo muito pequeno. Então, neste aspecto, sou favorável à manutenção das regras atuais, que vedam essas possibilidades”, afirmou.
O especialista também observa que “o conceito de vantagem indevida se dá pelo juiz quando for julgar aquele crime contra a administração pública a partir da sua própria valoração técnica”.
Infrações
A proposta é de que os representantes de interesse que descumprirem as regras sejam submetidos a um processo administrativo, podendo ser punido com suspensão de um a dois anos das atividades, multa de até dez salários mínimos para pessoa física e até 5% do faturamento no caso de empresas.
Há prescrição das infrações após cinco anos, a menos que haja decisão judicial ou instauração de processo de apuração antes deste prazo.
Aos agentes públicos, o descumprimento das regras pode acarretar perda do cargo. No entanto, é previsto apenas advertência em casos de omissão de informações, usufruto de hospitalidades e recebimento de vantagem indevida.
Em caso de reincidência do agente público ao participar de lobby, a proposta da Câmara é de que haja suspensão de 30 a 90 dias. Já para demissão, cassação, exoneração ou aposentadoria compulsória, é preciso que haja “considerável” lesividade, assédio sexual, racismo ou outros crimes de discriminação.