Lei Geral de Telecomunicações faz 25 anos. Como será o futuro?
Há 25 anos, em 16 de julho de 1997, o governo federal publicava a Lei Geral de Telecomunicações, alterando a estrutura de um dos serviços essenciais para a sociedade. Nomes que participaram da formulação e execução da norma apontam as marcas do passado que podem refletir nas próximas décadas.
“A demanda à época era telefone. Internet era uma rede universitária e ninguém tinha ideia do que era”, lembra Luiz Francisco Perrone.
Com a visão de quem, nos anos 80, via telefones residenciais serem vendidos por até 5 mil dólares, Perrone, depois de alguns anos, foi guindado para a primeira diretoria da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), primeiro órgão regulador instalado no país, criado pela LGT para acompanhar a democratização da telefonia por meio da ampliação da oferta, com a privatização.
Tudo começou com o Programa de Recuperação e Ampliação do Sistema de Telecomunicações e do Sistema Postal (PASTE), ainda em 1996. “Foi feito um cálculo, de uma maneira muito profissional, cuidadosa, do seguinte: o que o Brasil precisa até 2003 e será que a sociedade suporta pagar esses investimentos? Chegou-se à conclusão de que a sociedade podia arcar, desde que houvesse serviço”, resume Perrone.
Berço da LGT
Após o diagnóstico promovido pelo PASTE, veio a formulação da lei, processo em que o advogado Carlos Ari Sundfeld, hoje professor Titular da Fundação Getúlio Vargas e Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) participou ativamente.
“Havia dois grandes desafios. Um deles era criar uma agência reguladora autônoma, confiável, estável, que gerasse segurança e bons processos decisórios e, no outro, um novo modelo de prestação de serviço privado, competitivo com baixa interferência estatal”, conta Sundfeld.
O especialista lembra que um grande receio da época era fazer “uma lei que amarrasse o desenvolvimento do setor”.
“A grande preocupação era fazer uma lei que não impedisse o setor de incorporar as inovações tecnológicas e usar isso em favor do grande objetivo do modelo: manter a prestação privada e competitiva. A lei foi muito bem sucedida com, tanto que ela não teve que ser alterada para permitir a evolução dos serviços no decorrer do tempo”, diz Sundfeld.
Desafios da execução e seus impactos
Compondo a diretoria da Anatel em seus primeiros anos, Perrone aponta o que seria, na sua visão, a primeira falha do Poder Público na execução da LGT e que compromete os anos atuais.
“No PASTE, tudo foi desenhado até 2003. Quando chegou 2001, você tinha tudo já equacionado e funcionando. Tinha celular à vontade, tinha a universalização sendo cumprida. Era época de fazer um redesenho da mesma maneira: o que a sociedade precisa, como a gente vai oferecer, quanto vai custar e de onde virá o recurso. A internet já era um ator, mas não foi feito um novo desenho à época, nem até agora, sobre o que eu quero para o Brasil daqui a cinco, dez anos”, critica.
Juarez Quadros, que atuava como ministro das Comunicações entre 2002 e 2003, também enxerga uma falta na mesma época. “Tanto a universalização da telefonia fixa foi possível, quanto a popularização na telefonia móvel também aconteceu. O que faltou foi uma questão regulatória sobre o acesso à banda larga e recursos para orientar políticas públicas”, afirma.
Quadros, que também atuou na presidência da Anatel entre 2016 e 2018, lembra que ainda no início dos anos 2000 havia a necessidade de regulamentar a lei do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que levou três anos na tramitação do congresso e saiu, na sua visão com “letras mortas”.
“Se a lei tivesse sido orientada para a questão de acesso à banda larga, teria tido alguma condição melhor de execução”, pontua o ex-ministro.
Para Juarez Quadros, a recente revisão do Fust “previu melhor como usar o recurso e o ideal é que seja concretizada”.
“São mais 25 anos de desafios, mas em um cenário melhor. Devia ser agora a obrigação do Estado regular e não empreender. O empreendimento está por conta da iniciativa privada, que tem muito mais flexibilidade, mais capacidade administrativa e econômica de poder fazer com que aquilo que a sociedade demanda possa ser efetivamente atendido”, projeta Quadros.
Os próximos 25 anos
Já para Perrone, a regulamentação do Fust não basta. “A maneira de fazer corretamente o uso do Fust é tentar prever a arrecadação por um lado e, em segundo, definir quais são as necessidades para uso do recurso e ver se tem match entre um e outro”, afirmou.
No mesmo sentido, o ex-conselheiro da Anatel também vê como insuficientes as obrigações do leilão do 5G para garantir o acesso à internet. “Estão fazendo remendo. Quem tiver a licença do 5G vai ter que dar um jeito de colocar internet na Amazônia, por exemplo, mas isso não dá uma visão global do que queremos atingir a médio, longo prazo e como fazer a manutenção “, criticou Perrone.
Já Carlos Ari Sundfeld acredita que para as principais necessidades do setor, “todos os instrumentos legais já estão disponíveis”, a exemplo da própria migração da concessão de telefonia fixa.
“O que é preciso é que avance aquilo que já está autorizado pela lei, que é a definição pelo governo de quais são as suas metas e quais são os recursos disponíveis. São decisões políticas. Não existe na lei nada que impeça, dificulte, amarre essas decisões”, disse Sundfeld.
Sobre eventuais limites da Anatel da regulamentação, o advogado destaca que os atritos existentes ocorrem em setores muito específicos. “São as três áreas que sempre envolveram interface com outras áreas do governo – Cade, consumidor e Proteção de dados”.
“Não é mudança regulatória que vai resolver possíveis atritos. Eles foram resolvidos no decorrer do tempo, sendo: bem resolvidos em relação à concorrência, mal resolvidos em relação à defesa do consumidor, mas há uma evolução recente que é positiva, e a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) é muito nova, mas acho que tem consistência, foi bem criada, a coisa está bem organizada”, disse Sundfeld.
No mesmo sentido, Perrone crê que não cabe à LGT e à Anatel regulamentar a internet e suas consequências, como metaverso. “Isso tudo é uma discussão, mas está fora da Lei Geral de Telecomunicações”.
“A LGT está aí, no meu entender, para promover e garantir o suporte de telecomunicações que existe, existirá e será de boa qualidade nos próximos anos para todos os serviços que precisarem dele”, finalizou o ex-conselheiro.
Marcos Ferrari, presidente Executivo da Conexis Brasil Digital – que reúne as maiores operadoras do país assinalou “a tecnologia é muito dinâmica” e “poderá demandar modernização legislativa e regulatória”, mas “sem dúvida, terá como fonte a LGT”.