Justiça anula liminar que permitia venda de celular não homologado pela Amazon

Decisão atende recurso da Anatel e vai contra entendimento de que cautelar estaria em desacordo com o Marco Civil da Internet, ou que a reguladora não teria competência para determinar medidas aos marketplaces.

Justiça anula liminar que permitia venda pela Amazon de celular não homologado

O presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), Carlos Muta, suspendeu nesta segunda-feira, 30, a decisão liminar que liberava a Amazon de atender a cautelar da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que proibiu a venda de celular não homologado no Brasil. A medida atende a um recurso da autarquia. 

A partir das alegações apresentadas pela Anatel, a decisão rebate os principais pontos que levaram a 17ª Vara Federal Cível de São Paulo a conceder a liminar à Amazon em julho. Um deles seria a suposta violação do Marco Civil da Internet, e a ausência de competência da Anatel para impor determinadas ordens aos marketplaces (entenda cada um dos pontos abaixo):

A medida cautelar da Anatel foi emitida em 21 de junho deste ano, por meio de um Despacho Decisório (5.657/2024), após anos de tratativas para enfrentar o comércio irregular, que vem sendo implementadas desde 2018 por meio do Plano de Ação de Combate à Pirataria. Tendo a Amazon se recusado a assinar um Plano de Conformidade para regularização.

A agência deu um prazo de 25 dias para que as empresas tomassem medidas para remover anúncios de itens sem certificação, sob pena de multa diária de R$ 200 mil a R$ 6 milhões, ou ainda, em caso de descumprimento, outras sanções, incluindo a suspensão do acesso ao site da plataforma de vendas no país. 

Marco Civil da Internet

Ao conceder a liminar à Amazon, a 17ª Vara Federal Cível de SP entendeu que a decisão violaria o artigo 19 do Marco Civil da Internet, o qual prevê que “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”. 

Na decisão proferida nesta segunda, o desembargador Carlos Muta afirma que “a discussão não reside em cerceamento da liberdade de expressão dos anunciantes (que não possuem, por óbvio, liberdade de expressão de anunciar produtos irregulares)”, além de que “não se trata, propriamente, de discussão acerca da responsabilidade civil das plataformas, mas de obrigatoriedade de conformidade a regramentos expedidos por agência reguladora“.  

A decisão citou precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), entre eles, um que vai no sentido de que um marketplace não é obrigado a retirar conteúdo que viola seu próprio termo de uso, ainda conforme o Marco Civil da Internet. Muta aponta que o caso em questão é diferente do que se aplica aos celulares não homologados, entre os pontos, pela retirada partir de denúncia de usuário pela plataforma, sem ordem judicial. 

Por fim, chamou atenção para o fato de que “o debate sobre a possibilidade de responsabilização das plataformas de comércio eletrônico está longe de ser pacificado”, inclusive, “ainda menos pacificado está o debate sobre alcance e limites de atuação da agência reguladora em relação a tais plataformas, que realizam atividades que impactam na política regulatória relativa aos aparelhos eletrônicos”. No entanto, diante do cenário “de grande indefinição e pouco consenso […] exige-se postura de autocontenção do Poder Judiciário, com observância do dever de cautela e dos limites de legalidade, com deferência a órgãos técnicos e especializados.

Dano ao consumidor

Outro ponto que envolveu o debate da cautelar na Justiça Federal de SP foi o entendimento de que “não há elementos nos autos a indicar qualquer dano iminente ao consumidor que possa justificar a aplicação imediata de medidas extremas como bloqueio do domínio, que no caso [da Amazon]  equivale à própria interdição do estabelecimento para empresas que operam no plano físico”. 

A decisão favorável à Anatel rebate esse ponto, levando em conta as análises realizadas pela Agência no âmbito do plano contra a pirataria. “O grande volume de comercializações de produtos não homologados em plataformas de comércio eletrônico, e a insuficiência de políticas de uso desenvolvidas para coibir essa prática, acarretam grave risco à saúde e segurança do consumidor, pois ‘os aparelhos celulares sem homologação não foram testados quanto à emissão das ondas eletromagnéticas podendo apresentar índices não recomendados pela Organização Mundial da Saúde e causando prejuízo à saúde do consumidor’”.

O desembargador destaca ainda ocorrências de “explosões de telefones celulares em face da ausência de testes para as baterias de lítio responsáveis pelo seu funcionamento”. “Por sua vez, restou demonstrado risco de lesão à saúde e à segurança públicas”, conclui. 

Competência da Anatel

A decisão anterior, que foi contra a determinação dos reguladores, dizia que “a coibição da venda de produtos não autorizados e sem certificação da Anatel carece disciplina legal para ser praticada, tendo em vista a possibilidade de imposição de sanções e a necessidade de que tais sanções estejam em conformidade com o Marco Civil da Internet”.

Ao analisar esse ponto, Muta citou a Lei Geral de Telecomunicaçõe (LGT) ressaltando que “há previsão expressa de que a homologação é condição obrigatória não apenas para utilização, mas também para comercialização de produtos, cujo descumprimento atrai a aplicação de sanções, sem distinção ou limitação quanto aos sujeitos que se submetem à atuação da autarquia na consecução de objetivos determinados no regulamento”. 

“Dessa maneira, conclui-se que excluir as plataformas de comércio eletrônico do âmbito de atuação da agência reguladora, no presente caso, tornaria inócuo o regime normativo referente à ‘Conformidade e Homologação de Produtos para Telecomunicações’, ainda mais em contexto em que as empresas de comércio eletrônico tem representado percentual cada vez maior do total de compras e vendas de aparelhos eletrônicos”, afirmou o magistrado. 

Punição ‘desproporcional’

Houve ainda a alegação de que a medida cautelar da Anatel seria “desproporcional”. Quanto a este ponto, o presidente do TRF3 afirmou que a decisão da Agência “limita sua aplicação às plataformas de comércio eletrônico que, decorrido o prazo estipulado para cumprimento das determinações, permaneçam como ‘empresa não conforme’”. 

A “empresa não conforme”, segundo a cautelar, são aquelas que, ao fim do prazo estipulado, “tenham anúncios de telefones celulares não homologados em percentuais até 30%” ou que não tenham adotado “medidas necessárias para que a publicação de seus anúncios esteja de acordo com as normas da Anatel”.

“Não se exige assim que a plataforma de comércio eletrônico erradique, em intervalo exíguo, anúncios de celulares não homologados, mas apenas que apresente efetivo esforço e movimentação genuína em tal sentido“, concluiu.

Acesse aqui a íntegra da decisão.

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Carolina Cruz

Repórter com trajetória em redações da Rede Globo e Grupo Cofina. Atualmente na cobertura de telecom nos Três Poderes, em Brasília, e da inovação, onde ela estiver.

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